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A consciência no Islão

Por: M. Yiossuf Adamgy

Quando o ser humano é guiado pela inspiração e pelos verdadeiros incentivos religiosos, automaticamente, gera dentro de si o desejo de fazer o bem, usando, deste modo, a mais alta moral e um carácter exemplar.

Estes incentivos, convencem o seu possuidor que a religião, na sua forma mas básica, é carácter e comportamento. E é esta conduta justa que traz a felicidade tanto nesta vida como na outra. A este incentivo chamamos consciência.

As leis humanas exigem um elevado nível de comportamento mas carecem de meios para incentivar a sua colocação em prática. Tais leis, apesar de promoverem a moral, são incapazes de motivar a consciência, já que esta actua por si mesma. As leis devem fazer finca pé na moral e os seus princípios devem basear-se na sua aplicação.

“A moral sem religião é desnecessária”. Para qualquer líder religioso sincero, a religião deve cultivar o carácter e criar uma sociedade virtuosa, em que não haja desigualdade, pobreza, divisão ou fraqueza.

Deus diz no Sagrado Alcorão: “E ajudai-vos uns aos outros na virtude e no temor (a Deus), não na desobediência nem na transgressão” (5:2).

Omar (r.a.), o segundo Califa do Islão, depois da morte de Muhammad (s.a.- w.), ordenou que as ruas estreitas de Medina se mantivessem livres da obs- trução que os mercadores provocavam com as suas mercadorias, para permitir que as pessoas pudessem transitar livremente por elas. Apesar desta ordem, um mercador continuou a vender as suas mercadorias na rua. Ao ver isto, Omar golpeou o feirante pela sua desobediência. Durante as noites seguintes, quando Omar tentava dormir, a sua consciência torturava-o devido ao seu comportamento e não o deixava conciliar o sono. Depois de muitos dias de remorsos, Omar procurou o feirante e pediu-lhe desculpa pelo seu comportamento. Ao escutar as suas desculpas, o feirante disse: “Já o tinha esquecido”, ao que Omar contestou: “Tu pudeste esquecê-lo mas Omar não pôde”.

Outro acontecimento ilustra esta consciência altamente refinada: quando o governador de Homs renunciou ao seu cargo, durante o Califado de Omar, perguntaram-lhe a razão da sua demissão. O governador respondeu: “Temo a ira de Deus por ter-me dirigido a uma cristã, sob minha responsabilidade, dizendo-lhe: “Que a ira de Deus caia sobre ti”.”

Estas duas histórias demonstram o que a religião pode trazer a uma sociedade que goza de um alto grau de consciência e quão positivo é o papel que desempenha na construção de uma sociedade sã e justa. Esta ideia não se limita só ao Islão, mas também inclui todas as religiões reveladas que dão ênfase ao culto da consciência.

O Sagrado Alcorão diz: “Aquele que tem êxito é quem se purifica a si mesmo e recorda o nome do Seu Senhor e reza. Mas vós (ó incrédulos) preferis a vida deste mundo, apesar da vida do outro mundo ser melhor e mais duradoira!”( 87:14 -19).

A realidade da fé em Deus é acreditar que Ele está connosco, estejamos onde estivermos e que Ele nos observa e está à nossa volta, em todos os momentos e em todas as nossas acções.

Deus diz no Sagrado Alcorão: “Em qualquer situação em que vos encontrardes, qualquer parte do Alcorão que recitardes, seja qual for a tarefa que empreenderdes, seremos Testemunha quando nisso estiverdes absortos …” (10-61 ).

E também: “Não reparas em que Deus conhece tudo quanto existe nos céus e na terra? (Sagrado Alcorão, 58-7).

Assim o ser humano é responsável por todos os seus assuntos, sejam públicos ou privados, incluindo até os seus mais íntimos pensamentos: “Quer manifesteis o que vai dentro de vós mesmos, quer o oculteis, Deus pedir-vos-à contas disso” (Sagrado Alcorão, 2-284).

O Profeta Muhammad (s.a.w.) disse mais sobre a respeito disto: “Adora a Deus como se O visses, porque ainda que O não possas ver, Ele, sim, vê-te a ti”.

Por isso se deve procurar levar uma vida com uma consciência alerta, que aumente a compaixão e proiba a opressão, que guie e não desvie e que mostre o caminho até à verdade e à bondade.

Uma tradição do Profeta Muhammad (s.a.w.) descreve este caminho da seguinte maneira: “Deus dá o exemplo de um caminho recto limitado a duas paredes, nas quais há portas abertas, cobertas por véus. No início do caminho há uma pessoa a chamar para esse caminho recto e avisando que não se desviem dele, admoestando aqueles que se sentem tentados a tirar os véus que cobrem as portas, que se o fizerem se encontrarão dentro delas”. Muhammad (s.a.w.) continuou, dizendo: “O caminho recto é o Islão, as portas abertas são as proibições estabelecidas por Deus, e os espaços entre as paredes, as margens que Deus permite. O sinal que há no inicio do caminho representa o Sagrado Alcorão e o que está no caminho é a consciência de cada crente. Quem seguir este caminho, será um exemplo de pureza, castidade e conduta justa”.

O Profeta (s.a.w.) também disse: “Todas as criaturas dependem de Deus, e a mais apreciada por Deus, é aquela que é mais benéfica para estas”.

Diz-se que era uma vez um pastor do deserto, que tinha estado nesta escola que dá vida à consciência do homem e que Abdullah ibn Omar lhe pediu que sacrificasse um cordeiro para ele, mas o pastor negou-se. A sua razão era que o dono do rebanho o tinha autorizado a dar a estranhos apenas o leite do rebanho, não a alimentá-los com a sua carne. Abdullah disse-lhe então que lhe pagaria pelo sacrifício do cordeiro e que o pastor poderia dizer ao dono que este tinha sido devorado pelos lobos. Ao ouvir isto, o pastor gritou: Então, onde está Deus? Onde está Deus?… Muitas vezes.

Este pastor tinha-se submetido à sua própria cons ciência, inclusive antes de ter de se enfrentar com o seu patrão e em última instância a Deus. Isto aconteceu assim porque ele tinha compreendido perfeitamente os ensinamentos do Profeta Muhammad (s.a.w.): “Peçam contas a vós mesmos antes que ve- nham pedi-las, e avaliem as vossas obras antes que sejais avaliados por elas”.

É a religião que cultiva essa consciência, como no caso do pastor, quem, apesar da ausência do seu patrão, se manteve fiel à confiança que nele tinha sido depositada. O Sagrado Alcorão diz: “Com certeza que criamos o homem e sabemos o que a sua alma lhe sussurra e estamos mais perto dele que a sua veia jugular” (50:16 ).

Na verdade, há duas consciências: uma aparente, que é conhecida por toda a gente e é susceptível de cometer erros, e uma consciência superior, esta última é a consciência das religiões reveladas, que não pode errar por estar vinculada com o seu Criador. A religião diz que cada ser humano possui uma tendência inata para o bem; sem dúvida, esta natureza inata requer um mestre, ou um jardineiro, pois é o mesmo que acontece a uma semente que é plantada na terra e que requer água e fertilizante para germinar, cedo ganha raízes, cresce e floresce, convertendo-se logo em árvore, grande e cheia de frutos e sombra para que outros possam beneficiar dela.

Este é o caso da consciência do ser humano, que floresce quando é alimentada com as águas da observação e da obediência, das leis e ordens do Omnipotente Criador.

A prova disso encontra-se na tradição de Muhammad (s.a.w.) que diz: “Por acaso não há no coração do homem um ouvido que escuta os conselhos dum anjo que lhe promete tudo de bom e confirma a verdade e também o sussurro de um demónio que lhe promete o mal e proíbe a piedade? Quem escutar o conselho angelical deve saber que vem do seu Se- nhor e que exige a sua gratidão; e quem escutar o segundo, deve saber que este provem da negligência perante o seu Senhor e por isso deve pedir-Lhe perdão”.

O Islão educa a consciência para que o ser humano seja cuidadoso nas suas acções, no seu comportamento para com as pessoas e com as outras criaturas de Deus.

Muhammad (s.a.w.), o último Mensageiro de Deus, narrou a história de duas mulheres:

A primeira entrou no Inferno por maltratar um gatinho ao qual prendeu, não alimentou, não permitiu que se alimentasse pelos seus próprios meios, até que morreu de fome.

A segunda mulher, apesar de ser uma prostituta, foi perdoada e foi para o céu graças a um cão se-dento que encontrou lambendo a terra à procura de água, perto de um poço. Ao ver as tentativas desesperadas do cão, sentiu que a sede que afligia o cão era a mesma que a afligia a ela, assim desceu ao poço, saciou a sua sede e encheu os sapatos de água para saciar a sede do cão.

O Profeta Muhammad (s.a.w.) pregou o critério da crença e da conduta correcta através da seguinte tradição: “Se vos sentis felizes com as boas acções que realizais e infelizes com os maus actos que cometeis, deveis saber que sois crentes”.

Este critério pode apenas ser entendido num ambiente de consciências cultivadas. Sem dúvida, o Islão não se fica por este ponto, mas pede ao ser humano que vá mais além, dirigindo-se até um ponto em que seja capaz de reconhecer os direitos dos demais e de ajudar aqueles que estão oprimidos.

O Sagrado Alcorão diz: “Ó vós que credes! Sede firmes em estabelecer a justiça dando testemunho de Deus, mesmo que isso seja contra vós mesmos” (4:135).

O Profeta Muhammad (s.a.w.) disse: “há três atributos, que se se encontrarem num homem farão com que a sua fé seja completa: dá caridade apesar da sua extrema pobreza, espalha a paz pelo mundo e respeita os direitos das pessoas sem necessidade da mediação de um juiz”. Sob quaisquer circunstâncias, é nossa responsabilidade educar e polir as nossas consciências.

Deus diz no Sagrado Alcorão: “…o ouvido, a vista e o coração, cada um deles, será interrogado”. (17:36 ).

Como conclusão, pode-se dizer que o verdadeiro ser humano é aquele em que se tenha estabelecido uma fé verdadeira e forte, e no qual habita, no fundo do seu coração, a verdadeira consciência. Essa pessoa respeitará a lei e preocupar-se-á com a sociedade, com a sua estabilidade e estrutura e com a harmonia entre as pessoas. Uma sociedade sem consciência não conhece a paz e não existe consciência sem fé.

Que a paz esteja com todos nós.

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