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A crise financeira e os Muçulmanos

Por: Hajj Uthman Morrison e Hajj Abdassamad Clarke (11.10.2008)

O Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams. Assumam: Marx estava parcialmente correcto no que respeita ao capitalismo. The Spectator Quarta-feira, 24 de Setembro de 2008.

Crise? Qual crise?

Durante a passada semana, a Igreja de Inglaterra reuniu a sua artilharia pesada, na forma dos Arcebispos de York e Canterbury, tendo apontado ambas as armas para aquele que se entende ser o culpado da actual crise financeira mundial, em forma de um duo de “polícia bonzinho e polícia mau”, no qual o “polícia mau” (Canterbury) é tão bom que o polícia “bonzinho” (York) se vê forçado a agir de forma servil.

Foi uma homenagem eloquente aos poderes apazi- guadores dos condados ingleses, quando até um homem de discurso humilde do Uganda optou por se dirigir à reunida fraternidade de banqueiros internacionais num tom mais adequado a ser utilizado numa casa de chá de Harrogate, em vez do discurso inflamado de fogo que o seu consumo desenfreado de usura realmente merece.

Quando se começa a aproximar do final do seu discurso, percebemos que tudo aquilo não passara de um elegante preâmbulo de um pedido para obter parte dos lucros daquilo que o seu parceiro (Canterbury) acertadamente descreve no Spectator como sendo “…essa fortuna quase inimaginável [que] foi gerada por níveis inimagináveis de transacções de acções ficcionais, sem resultados concretos para além do lucro dos accionistas.” O nosso polícia mau talvez devesse notar que estas transacções só raramente envolvem algo realmente tangível como papel!

é agora que entra o nosso polícia “novato”, Norwich (que representa uma mesquita e não uma igreja). Limitando-se a citar as escrituras judaica e cristã, o representante de Canterbury continua a apresentar uma “negação orgânica” já com séculos, fa- zendo orelhas moucas às vozes mais claras e intrépidas de todas, as dos muçulmanos, que constantemen- te se surpreendem com a recusa, por parte dos seus colegas “seniores”, já “cansados desta vida”, em tra- zer os culpados à baila. No entanto, independentemente do quão frustrante esta realidade possa ser, a razão fundamental para essa opção é muito clara para nós. Que outra coisa poderíamos esperar de uma organização eclesiástica que aprovou cegamente as origens do mercado financeiro moderno aquando do próprio nascimento da era moderna, pactuando, dessa forma, com as suas acções? Que outra coisa poderí- amos esperar quando a Cristandade abandonou o próprio conceito de que Deus poderia ter uma palavra a dizer acerca da lei, relegando esse conceito para o judaísmo, que é tido como uma “antiga religião da justiça”. Visto que estivemos reunidos em oração na Mesquita de Norwich, noite após noite, durante o recentemente passado mês do Ramadão, escutando a récita integral do Alcorão por um jovem Imame inglês que o sabia de cor, recordamo-nos com um sentimento de infinita gratidão do facto de termos acesso imediato e constante a algo que os nossos colegas mais velhos não têm e que não são capazes de reconhecer – o Alcorão.

O Alcorão é a mais recente das várias revelações monoteístas, a última inovação a nível da orientação revelada e do aviso contra qual- quer forma de idolatria, uma “religião da justiça” mais recente, que teve como único objectivo esta fase final da história da humanidade, de modo a conduzirmos os assuntos da nossa vida da forma que mais nos convém neste mundo e no próximo.

Por esse motivo, e regressando ao caso dos banqueiros internacionais em particular e do capitalis- mo em geral, é do conhecimento de todos no mundo muçulmano e, cada vez mais, noutros círculos para além dele, que os “novatos” de Norwich têm tentado que a culpa não morra solteira ao longo dos últimos vinte anos. Tantas vezes apontámos que o rei vai obviamente nú, já descrevemos os seus pormenores mais feios, já lhe tirámos as medidas e já lhe oferecemos uma muda de roupa decente. Até agora, ele preferiu dar ouvidos à adulação dos seus amigos da Igreja e do Estado, mas o frio que vem da Wall Street está a começar a incomodar bastante. É por isso que agora, deixando-nos de ironias, voltamos a tentar. A pergunta que temos a fazer aos Arcebispos de Canterbury e York é a seguinte: O que aconteceu à religião do homem que baniu as trocas monetárias do templo? Ou, ainda mais apropriado, o que aconteceu à religião monoteísta que rejeitava a idolatria? Como é que aprovou a idolatria declarada do dinheiro e da ganância que define os tempos actuais? Concluímos que o dilema da Cristandade reside no facto de desejar fazer o que está correcto mas já não saber o que é correcto. Mas esta falta de clareza teve como causa o abandono da lei revelada, deixando a César o que é de César, apenas para que esses privilégios possam ser herdados pelos banqueiros que, muito claramente, manipulam a lei de modo a prosseguirem os seus próprios fins, servindo-se de qualquer César que lhes seja apresentado, seja ele Bush, Brown, Obama ou McCain – ou então, zelando pelos seus interesses directamente – o Sr. Paulson não seguiu logo do Goldman Sachs Investment Bank para o Tesouro norte-americano? Nada resta à Cristandade senão protestar à margem, tal como no caso do nosso polícia mau, ou ficar reduzida à adulação, como no caso do nosso polícia bonzinho.

“Ajudemos os comerciantes a estabelecer as suas barracas no templo, que talvez eles sejam suficientemente generosos para nos deixarem algum para a manutenção do templo e para algumas boas acções.” É esta situação impossível que tornava necessária a revelação do Alcorão e a prática do Profeta Muhammad (p.e.c.e.), de entre as religiões reveladas, mantém uma percepção perfeitamente clara daquilo que não é permitido na prática comercial, isto é, a usura, a acumulação e o aviltamento de preços.

Actualmente, a proibição que o Islão impõe à usura é conhecida até pelos não-muçulmanos com um nível de educação médio. Articula igualmente um conjunto perfeitamente coerente de práticas comerciais lucrativas permitidas, incluindo formas de associação, partilha de lucros, partilha de colheitas, etc, e que foram suficientemente eficazes para manter uma civilização global vigorosa durante um milénio, até que a ganância e a ingenuidade insensatas fez com que os muçulmanos se tornassem presa fácil da malícia de homens ardilosos com livros de cheques, que ofereciam quantias astronómicas de dinheiro, as quais apenas poderiam ser conseguidas recorrendo a meios não naturais.

No entanto, para a era moderna a palavra “usura” causa preocupação. Pensamos logo em Shylock e no anti-semitismo, e se formos ao dicionário consultar o significado, apenas a encontramos definida como sendo “um juro excessivo ou exorbitante sobre um empréstimo”, a menos que consultemos o dicionário etimológico, onde a encontramos definida como sendo “qualquer juro sobre um empréstimo”. A definição moderna é, claramente, problemática, uma vez que aquilo que é exorbitante é essencialmente uma questão de moda, tendo sido estabelecida no tempo de Calvino como sendo qualquer coisa acima dos 4%, sendo que actualmente pode ter quase qual- quer valor. Não existe, provavelmente, melhor ilustração da relação autêntica do Islão com as religiões que o precederam do que esta questão do comércio, da qual s

e pode claramente concluir que o Islão é a confirmação daquilo que era verdadeiro nas revelações anteriores.

O indivíduo com conhecimentos e interesse na história, uma espécie em vias de extinção, irá descobrir que interdições idênticas às do Islão contra vá- rias práticas comerciais que se tornaram comuns hoje em dia, constituíam igualmente violações da lei co- mum, que foram simplesmente eliminadas aquando da ascensão da ordem comercial dos nossos dias, como por exemplo:

MONOPOLIZAR: comprar a totalidade de um bem de forma a controlar os preços, obtendo monopólio. Esta é a própria base das cadeias de super e hipermercados. O facto de serem várias organizações e não apenas uma entidade única a monopolizar o co- mércio não nos serve de grande consolo, quando nos encontramos oprimidos pela sua depredação.

ANTECIPAÇÃO À VENDA: o acto de ir ao encontro dos negociantes antes de estes terem os seus bens no mercado. Outra base fundamental dos supermercados, que pelo simples facto de possuírem exclusividade no mercado para o qual os comerciantes estão a levar os seus bens, já não precisam de antecipar a venda dos comerciantes.

AVILTAMENTO DE PREÇOS: vender deliberadamente produtos a preços mais baratos que os seus concorrentes, de forma a retirar o negócio aos concorrentes e aniquilar-lhes o negócio. Esta é uma forma de barbárie que não permite a existência de um mundo onde todos têm o direito a comer.USURA: significa, literalmente, “aumento”; em geral, qualquer aumento não justificado que reverte em prol de uma parte e que resulta de uma venda, e em que esse crescimento fica estipulado no negócio. O pagamento de juros é um exemplo óbvio. Esta definição de usura foi deitada por terra pela velocidade com que as finanças modernas conceberam meios e formas de conseguir algo a partir do nada, ou de conseguir mais do que emprestaram, sem esforço algum, quando a soma emprestada não passou de uma mera introdução de dados num terminal de computador. Eles chegaram a extremos tais que os instrumentos do mundo financeiro moderno são simples- mente incompreensíveis até para os economistas e banqueiros mais entendidos e com grande experiência no seu ramo, estando quase exclusivamente na mão de programadores informáticos de grandes conhecimentos e de teóricos da matemática.

Esta situação teve como consequência a criação do clássico efeito de “bolha” e os colapsos seus decorrentes, a recessão e a depressão (já para não falar na inevitável inflação), que têm acompanhado o capitalismo-usura desde a sua origem, em proporções exponenciais, a tal ponto que as pessoas perguntam não se vai haver uma recessão, mas sim se é desta que se vai dar o “crash” final e inevitável.

Um dos axiomas fundamentais no qual a pseudo-ciência dos economistas se baseia inclui conceitos com nomes pomposos tais como “lei da oferta e da procura” para criar a ilusão de que é algo comparável à lei da gravidade. Esta é uma das suas verdades axiomáticas (ou seja, inquestionáveis) que não precisam de mais provas. Mas a lei da oferta e da procura está longe de ser axiomática. Com efeito, muitas sociedades, durante largas épocas da sua história, não confiaram nela de forma alguma. Mercadores, agricultores, pastores e artesãos sabiam os preços das matérias-primas, do trabalho e os outros custos, e marcavam os preços dos bens finais ou produtos hor- tícolas dentro de limites bem definidos, dentro dos quais um nível comum de vendas lhes garantiria viver razoavelmente bem. A ideia de que se deve cobrar uma elevada quantia por um produto devido ao facto de este ser procurado leva à conclusão lógica de que, quando há fome, se pode cobrar uma fortuna por comida, o que é totalmente imoral. A situação actual representa o extremo lógico desta imoralidade. As pessoas que se tornaram obscenamente ricas através dos ganhos decorrentes dos negócios e da gestão de fundos especulativos (que são eles próprios múltiplos de várias ordens do valor monetário do PIB total a nível mundial, de acordo com esta nova perspectiva de “ficção cientifica” da economia) procuram, cons- tantemente, utilizações rentáveis nas quais possam investir o seu dinheiro imaterial e ilusório, e por isso compram, vendem e especulam entre si pelos bens: ouro, petróleo e, actualmente, comida, e é por isso que assistimos a uma subida dos preços.

A oferta e a procura não são uma lei, mas sim um abuso estratégico do mercado. As coisas têm o seu valor e o lucro tem o seu limite natural. Esta “lei” falaciosa é apenas mais um exemplo da economia enquanto pseudo-ciência, criada a fim de justificar o roubo.

Para os ocidentais da classe média esta situação já é suficientemente má, ainda que não passe de um constrangimento, mas para os pobres, seja em que parte do mundo estiverem, é uma questão de vida ou de morte. Tendo em conta o que acima foi referido, é obvio que a crise actual é apenas a ponta do iceberg, cujas causas são um enorme número de teorias e práticas injustas e inaceitáveis, que constituem elas próprias manifestações de uma ganância extrema que ultrapassou todos os limites razoáveis e, possivelmente, constituem a causa que irá conduzir à destruição da biosfera e o sistema que se esconde por detrás do assassinato de mais de um milhão de iraquianos e dezenas de milhares de afegãos no vigente e falaciosamente denominado “combate ao terrorismo”, que seria melhor descrito pela expressão “combate terrorista” e que apenas os incorrigivelmente ingénuos crêem ter como objectivo a democratização do Médio Oriente.

Portanto, restam-nos poucas opções. Podemos ficar nas margens a dar à cabeça em sinal de reprovação, tal como os arcebispos de Canterbury e York, estando perfeitamente conscientes que seremos acei- tes desde que não procuremos de forma séria contra- riá-los no exercício do poder de forma substancial. Tal constituiria, então, aval de todo o empreendimento, exactamente como o bobo da corte que era o único a quem era permitido troçar do rei, de forma a desarmar as ambições da corte. Uma válvula de segurança. Poderíamos encetar uma campanha para pôr fim a esta loucura. No entanto, se o fizéssemos, isso seria um esforço redundante, uma vez que, de acordo com a nossa perspectiva actual, os financeiros e os banqueiros têm feito um excelente trabalho no que toca a pôr fim aos seus próprios negócios, ainda que possam arrastar com eles os últimos remanescentes da civilização. Pela mesma razão, não vemos qual- quer vantagem em desenvolver uma luta armada, uma vez que eles já bateram toda a gente no que toca à opção da violência. No que toca às urnas, só precisamos de olhar para os “Césares” que referimos anteriormente para sabermos o que esperar do voto. A própria proposição de que o indivíduo se encontra a tomar uma opção com significado, quando lhe são apresentados conjuntos de candidatos cujas perspectivas acerca da vida e cujas políticas são indistintas, é risível. Não, a segurança e a protecção são apanágio daqueles que optam pela sanidade e compreendem o comércio não com invenções da imaginação, mas com produtos e bens reais, sendo acompanhados de modos aceitáveis de transacção.

Mas a loucura que decorre da atribuição de números a abstracções através de mecanismos duvidosos, na crença de que tal lhes confere valor, deve ser entendida enquanto tal.

Aqueles que desejam adoptar a sanidade terão de reaprender o que é uma transacção justa, porque isso já não é obvio – e terão de se empenhar duramente para aprender o que é a injustiça, pois, tal como já vimos, abrir a porta à injustiça abre a porta à ga- nância, abrir a porta à ganância abre a porta à idolatria e abrir a porta à idolatria abre a porta à loucura. Muitos dos elementos essenciais que são sãos e conduzem à sanidade fizeram, no passado, parte da herança da Europa, herança essa que o continente, em larga medida, abandonou, mas eles estão presentes na última revelação do Divino, o Alcorão, e na concomitante prática do Profeta Muhammad, que a paz esteja com ele, e nas primeiras gerações do Islão, que confirmam aquilo que era genuíno nas anteriores revelações e tudo aquilo que é sadio na vida humana.

Estes dois aspectos voltam a surgir juntos através do elevado número de europeus e ocidentais que abraçam o Islão, procurando, dessa forma, com se- riedade um caminho por onde a humanidade possa avançar e sair de uma época de trevas. No entanto, quando tudo já foi feito e dito, aquilo que permanece perfeitamente claro é que nem a Igreja nem a Sinagoga nem o Estado possuem a vontade, o método ou a coragem para enfrentar as consequências de optar pela sanidade, pois entre outras coisas que inicialmente seriam desagradáveis, tal implicaria a adesão à refrescante sabedoria dos “novatos”, assim como o reconhecimento da fonte desse saber – O Alcorão e o Profeta Muhammad, que a paz esteja com ele.

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