Por M. Yiossuf Adamgy
O jejum vivido durante este mês não é uma adoração pontual que exige obediência e rigor aquando da prática de determinados rituais mas, findos os quais, permite retornar às ocupações mais contingentes, mais imediatas. O papel por ele desempenhado não termina mal estão cumpridas as estritas condições do jejum diurno, de modo a que, chegada a noite, e após a privação a que estivemos sujeitos, nos permitamos submeter aos excessos, à negligência após o esforço empreendido, ao esquecimento após a recordação. Não! O verdadeiro sentido do jejum consiste em reprimir os nossos impulsos negativos, em levar o nosso Eu a romper com os seus hábitos, a atenuar o ardor dos nossos desejos, de modo a que nos preparemos para aquilo que nos trará sorte e conduzirá à felicidade e nos faça aceitar aquilo que nos ajudará a purificar o nosso coração.
De facto, o jejum representa toda a lógica da aproximação a Deus. O jejum é uma realidade da qual todos têm conhecimento, embora tenha tendência a ocultar os hábitos de cada um. Esta realidade tem lugar na presença de uma ligação directa entre a condição do corpo e a essência do coração. O primeiro factor, a condição do corpo, resume-se ao aspecto material do ser humano, à sua morte, enquanto que o outro, a essência do coração, o devolve à sua origem espiritual, eleva-o por intermédio do sopro Primordial.
A Infinita Sabedoria de Deus desejou que o ser humano fosse resultado da conjugação entre espírito e matéria. é impossível separar um do outro. Contudo, a busca pelo equilíbrio entre as duas vertentes não é fácil, atendendo à não existência de uma simetria na gestão destas duas entidades. De facto, vivemos plenamente num universo sensorial, o qual nos é imposto e do qual não nos podemos livrar, enquanto que a vida espiritual requer um acto voluntário, uma exigência, uma austeridade da nossa parte. Ela funciona em função da nossa capacidade de educarmos o nosso coração. Uma educação que nos acompanha ao longo de todo a nossa vida terrestre. Uma vida situada e datada, que se inscreve no Tempo.
A gestão do Tempo é determinante para o encaminhamento em direcção a Deus, se bem que a duração de uma vida seja insuficiente para adorar a Deus como deveríamos adorar Sua Majestade. Assim sendo, dedicamos-Lhe momentos excepcionais, os quais têm como missão apressar a nossa caminhada em direcção a Ele. O Profeta (s.a.w.) disse: “Existem, ao longo da vossa vida, exalações benéficas (nafahâte) em nome do vosso Senhor. Preocupai-vos por responder-lhes”. Estas deliberações que nos são impostas e às quais não podemos faltar, proporcionam-nos privilégios preciosos e salutares perante Deus. Preciosos, porque nos informam que nem todos os momentos têm o mesmo valor! Consequentemente, há que conceder às ocasiões excepcionais toda a importância que lhes é devida. E salutares, porque oferecem uma oportunidade àqueles que têm consciência de que o tempo não lhes é suficiente para terminarem de se purificar, embora nos possamos purificar por intermédio dos nossos actos ou porque a purificação tem um fim.
O Ramadão possui a virtude de englobar todos estes momentos. Este mês ocupa um lugar especial, dada a multiplicidade de oportunidades benditas que oferece, como é o caso da Noite do Destino, os últimos dez dias, o fim do jejum … .
O mês do Ramadão constitui, pois, uma ocasião a não olvidar. Trata-se de uma estação de recursos que assenta em duas dimensões. A primeira, é a ordem da vida material, atenuando a influência desta sobre as percepções sensíveis. A segunda provém do mundo do imperceptível, representando um momento adequado à elevação espiritual, especialmente devido ao aprisionamento dos demónios.
Trata-se de uma ascese em que, durante um mês, a pessoa se vê obrigada a habituar todos os seus membros a romper com os seus antigos costumes. Evidentemente, a sua barriga é a primeira a ser atingida. Mas também o são a sua língua e os seus o- lhos. Todo o corpo é instigado ao jejum e, cada órgão, possui uma forma de abstinência que o caracteriza.
O Ramadão representa um momento de exaltação, um mês que permite encarar o resto do ano. Trata-se de um mês de esforço durante o qual se pretende reencontrar o significado de esforço. É um mês de meditação estanque em que pretendemos elevar a perspectiva da nossa aspiração para além do seu horizonte limitado. Trata-se de um mês de solidariedade e de partilha, por Deus e para com os Homens.
Os méritos deste mês e do que se lhe refere são profusos. O hadice seguinte é suficiente para apoiar tudo o que até aqui foi dito.
“Ó gente! Aproxima-se um grande e abençoado mês, um mês que compreende uma noite superior a mil noites. É obrigatório jejuar durante o dia, e recomenda-se que se vele durante a noite. Os actos não obrigatórios realizados durante este mês terão o mesmo valor que os actos obrigatórios realizados durante os outros meses do ano, e os actos obrigatórios realizados terão o mesmo valor de setenta actos. Trata-se de um mês de resignação, e a recompensa para a resignação não é outra que não o Paraíso. Trata-se de um mês de solidariedade. Trata-se, também, de um mês durante o qual Deus abençoa o ser humano e aumenta a recompensa que já lhe havia sido destinada. Todo aquele que oferecer a refeição do fim do jejum obterá o perdão pelos seus pecados, uma protecção contra o Inferno e receberá a mesma recompensa do que jejuou, sem que este veja diminuída a recompensa que lhe está destinada”. Os Companheiros disseram: “Ó Mensageiro de Deus, nem todos nós podemos oferecer essa refeição ao que jejuou”, ao que ele respondeu: “Deus concede a mesma recompensa àquele que oferece uma simples tâmara aquando do fim do jejum, um pouco de água ou um pouco de leite. Trata-se de um mês durante o qual a refeição é a misericórdia, o melhor do perdão e o fim libertador do Inferno. Todo aquele que, durante este mês, aliviar o fardo dos seus subordinados, será perdoado por Deus e liberto do Inferno. Durante este mês, multipliquem quatro virtudes: duas, para satisfazerem o vosso Senhor, e duas das quais não podem abster-se. As duas primeiras são: a citação da “Lâ ilâha ilallâh” e a solicitação do perdão de Deus. As duas últimas são: implorar a Deus pelo Seu Paraíso e pedir-Lhe protecção contra o Inferno. Àquele que der de beber a quem jejua, Deus dar-lhe-á a beber da minha bandeja um gole de água que lhe matará a sede até ao momento em que este entrar no Paraíso”. (Citado por Khouzaïmah no seu Sahih)