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A jihad no Islão

Al Furqán

Carta que a Revista Al Furqán enviou ao Snr. Director da Revista Visão, a propósito de um artigo inserido nesta revista sobre “Jihad”. De registar que a Visão publicou um pequeno excerto da carta que se segue: 31 de Dezembro 1994

Exmº. Senhor Director da Revista “Visão”
Com os nossos cumprimentos, vimos pedir a sua atenção para o seguinte:

Publicou a revista “Visão” de 29. Dezembro.94, alguns versículos do Alcorão relacionados com a Jihad, encabeçados pelo título “A Jihad no Corão”, seguido do sub-título “Estes são os versículos das diferentes suras que exaltam a guerra santa, e que os fundamentalistas pregam nas mesquitas, recomendando aos fiéis que as sigam à letra”.

Na sua qualidade de organização vocacionada para a divulgação do Islão em Portugal, a revista “Al Furqán” entende ser seu dever comentar a forma incorrecta e parcial como foi apresentado o escrito intitulado “A Jihad no Corão”.

    1. A “Visão” transcreveu alguns versículos do Alcorão, sem indicar o autor da Tradução, nem a Editora.
    2. 2. Para se fazer uma justa e correcta tradução do Alcorão, o seu autor deverá, como muito bem escreveu o Prof. Dr. Maurice Bucaille, no seu livro A Bíblia, o Alcorão e a Ciência”, na pág. 11, “ter conhecimentos científicos multidisciplinares, o que nem sempre se verifica com os Islamólogos Ocidentais (não islâmicos) que possuem formação literária predominante”. 3. Muitas palavras arábicas significam, num contexto, uma coisa, e noutro, outra coisa. Por conseguinte, uma palavra pode abrigar diversos significados. Por isso, sempre prevaleceu no Ocidente um grande mal entendido , e continua a prevalecer, em relação ao conceito de “Jihad” no Islão, considerando-o apenas sinónimo de “guerra santa, empreendida para a expansão imposta do Islão”. é realmente chocante verificar que, além dos jornalistas, até certas figuras chamadas eruditas, estudiosas e investigadoras, hoje em dia, não têm o cuidado sequer de consultar um dicionário da língua arábica, ou procurar uma tradução correcta e adequada do Alcorão, para, em relação à palavra “Jihad”, conseguirem descobrir, imparcialmente, o seu verdadeiro sentido e significado na respectiva conjuntura. 4. A palavra “Jihad” não é usada, exclusivamente para lutar. E mesmo lutar, nem sempre significa “fazer guerra”. O seu significado mais geral é: “esforço feito no caminho de Deus”. Por exemplo, “Hajj” (Peregrinação a Meca) é considerada, no Islão, como “Jihad”. O Profeta disse:

“A Hajj é a mais excelente das “Jihad”” (Bukhari, XXV:4)

      . Um simples convite para o Islão é considerado como “Jihad” :

“Devem os Muçulmanos orientar os seguidores do Livro para um caminho recto …” (Bukhari, LVI:99)

      . Fazer um esforço para adquirir conhecimento e transmiti-lo a outrem é, também, “Jihad”. Portanto, “Jihad” inclui o serviço prestado ao Islão de várias formas através de palavras expressas pela boca, ou pela pena, ou, em último caso, pela espada, se para tal se é obrigado. A propagação do Islão é, sem dúvida, um dever religioso de todo o verdadeiro Muçulmano, que deve seguir o exemplo do Profeta Muhammad (Maomé), que a paz esteja com ele, para pregar a religião e estabelecer a Palavra de Deus na Terra. Mas “a expansão do Islão pela força” é facto que não está consoante a teoria e a prática do Islão, porque o Alcorão esclarece, textualmente, o seguinte:

“Não há compulsão no Islão” (2:256)

    . E os povos de outras fés não podem ser convertidos ao Islão pela força, mas, a força pode e deve ser usada para banir a hostilidade, a agressão que são o “estai do mastro principal” da perseguição, da opressão e da intolerância. Abul A´la Maududi, um conceituado pensador Islâmico, afirma o seguinte no seu erudito estudo intitulado “Al Jihad-fi al-Islam”:

“A “espada do Islão” é somente aguçada contra aqueles que são agressores, contra aqueles que desejam subjugar o Islão e os Muçulmanos, ou para aqueles que criam rotura neste mundo e empregam a opressão e a perseguição; mas aqueles que não são opressores, ou agressores, ou perseguidores, que não estão para eliminar o Islão, e aqueles que não destroem a paz e a tranquilidade da sociedade humana decididamente a “espada do Islão” não tem nada a fazer contra eles. Eles podem pertencer a outra fé, obsequiar e acarinhar qualquer crença, mesmo errada e anti-islâmica que seja, o Islão não os perturba, as suas vidas e propriedades são intocáveis, e a “espada do Islão” está impotente contra eles”. Aliás, este é um facto reconhecido, também, por Ocidentais não Muçulmanos; citaremos apenas a opinião de Lacy O’Leary, in Islam at the Crossroads, London, 1923, p. 8:

” A História esclarece que a lenda dos Muçulmanos fanáticos varrendo o mundo e forçando o Islão na ponta da espada sobre raças conquistadas, é um dos mais fantásticos e absurdos mitos que os historiadores, alguma vez, mencionaram”.

Em Resumo: Os versículos transcritos pela “Visão”, que falam em combate, referem-se à autorização de auto-defesa dada por Deus, no Alcorão, ao povo sobre o qual a guerra foi imposta pelos seus inimigos. Não é uma autorização para empreender uma guerra contra todos os povos não-Muçulmanos em geral mas, apenas, contra o povo que empreendeu guerra contra os Muçulmanos, ou que recorreu a perseguição e agressão contra o povo mais fraco e estabeleceu regimes tirânicos que suprimiram a sua liberdade. E isto é comprovado através de versículos do Alcorão, que a “Visão” omitiu (ou não descobriu?) pura e simplesmente:

“E combatei no caminho de Deus contra aqueles que vos combatem; porém, não provoqueis as hostilidades, porque Deus não ama os agressores”. (2:190)

E se eles se inclinarem para a paz, inclina-te tu, também, a ela e confia em Deus. Ele é Quem escuta e sabe. E se eles te enganarem, fica sabendo que Deus te é Suficiente. Ele é Quem ampara com a Sua ajuda e com a dos crentes”. (8:61-62)

A guerra é tolerável em legítima defesa e sob limites bem definidos. Quando empreendida, deve ser levada a cabo com vigor (mas não implacavelmente), e somente com a finalidade de restaurar a paz e a liberdade para prestar, livremente, culto a Deus, ou repôr a justiça. Em qualquer dos casos, os limites estrictos não devem ser transgredidos: mulheres, crianças, idosos e enfermos não devem ser molestados (ao contrário do que se passou e passa na Bósnia, actualmente um genocídio à luz do dia, em plena Europa! e ao contrário do que a própria Bíblia prescreve em passagens como:

“vai, pois, agora, fere Amalec e vota ao anátema tudo o que lhe pertence, sem nada poupar. Matarás homens e mulheres, crianças e meninos de peito, bois e ovelhas, camelos e asnos” I Samuel, 15:3;

“Quanto a esses meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os cá e degolai-os na minha presença” Lucas, 19:27;

“nem as árvores cortadas, nem as colheitas destruídas, nem a paz recusada, quando o inimigo chega a um acordo”Nota nº. 204 ao vers. 2:190 da Tradução Portuguesa do Alcorão Edição de Al Furqán.

A recomendação da guerra, nos versículos do Alcorão transcritos pela revista “Visão” refere-se a um contexto histórico circunstancial. A esse tempo “os Muçulmanos estavam exilados de Meca, onde os Pagãos que tinham instaurado uma autocracia intolerante, perseguiam os Muçulmanos, impedindo-os de visitar os seus lares, e até de realizar a Peregrinação, mediante força, durante aquele período, universalmente reconhecido, de tréguas. Tudo isso representava a intolerância, a opressão e a autocracia no seu último estado, bem como o limite da boa vontade por parte dos Muçulmanos para fazer valer os seus direitos, como cidadãos árabes, expresso num acordo fielmente cumprido pelos Muçulmanos, sem qualquer derramamento de sangue. No entanto, os pagãos de Meca não tiveram quaisquer escrúpulos em quebrarem tal acordo, revelando-se desnecessário descrever, aqui, os acontecimentos subsequentes” Nota nº. 205 ao vers. 2:191 da Tradução Portuguesa do Alcorão Edição de Al Furqán.

Terminamos este rápido esclarecimento, solicitando à Direcção da Revista “Visão” que do mesmo seja dado conhecimento aos leitores que, desta forma, ficarão em melhores condições para tirar as conclusões que se impuserem às suas consciências. Os Muçulmanos de Portugal agradecem e esperam, democraticamente, ver publicado o seu ponto de vista, que se fundamenta em princípios históricos e doutrinais, que devem ser postos ao alcance de quem busca, sinceramente, a Verdade.

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