“Se eu tivesse que escolher um amigo que não o meu Senhor, teria preferido Abu Bakr” – Um dito do Profeta Muhammad (s.a.w.).
O companheiro mais chegado do Profeta, Abu Bakr (r.a.), não se encontrava presente quando o Profeta Muhammad (s.a.w.) agonizava no lar da sua esposa Aicha (r.a.), filha de Abu Bakr. Quando tomou conhecimento do falecimento do Profeta, Abu Bakr apressou-se a caminho da casa onde se encontrava o corpo do Profeta (s.a.w.).
“Quão abençoada foi a tua vida, e quão beautificada é a tua morte”, murmurou ao beijar a face do seu amigo e mestre, que já não o era mais.
Quando Abu Bakr saíu do lar do Profeta, encontrou a Comunidade dos Muçulmanos em Medina reagindo com incredulidade e consternação. Muhammad (s.a.w.) tinha sido o chefe, o guia e o portador da Revelação Divina, atra- vés da qual eles tinham passado da idolatria e barbárie para o caminho de Deus. Como é que ele podia morrer? Até Umar (r.a.), um dos mais bravos e fortes dos companheiros do Profeta, perdeu a sua compostura, levantou a sua espada e ameaçou matar qualquer um que afirmasse estar o Profeta morto. Abu Bakr, com cuidado, puxou-o de lado. Subiu os degraus do púlpito na Mesquita e dirigiu-se ao povo dizendo:
“Ó povo! Se de entre vós há alguém que adorava Muhammad, sabei que ele está morto. Todavia, se era a Deus que adoráveis, sabei que Ele vive eternamente”.
E depois concluíu com um versículo do Alcorão:
“E Muhammad não é mais do que um Mensageiro; muitos foram os Mensageiros que vieram antes dele. Se ele, porventura, morresse ou fosse morto, vós voltaríeis atrás (à incredulidade)?” (3:144).
Ao ouvir estas palavras o povo ficou consolado. O desânimo deu lugar à confiança e tranquilidade. O momento crítico já tinha passado. Mas, agora, a Comunidade Muçulmana estava perante um problema extremamente sério: o da escolha do chefe. Após alguma discussão entre os companheiros do Profeta, que se tinham reunido para seleccionar um chefe, tornou-se cla- ro que era Abu Bakr (r.a.) quem, melhor que ninguém, detinha requisitos para tal responsabilidade.
A Vida de Abu Bakr
Abu Bakr (“O Pai dos Camelos”) não era o seu verdadeiro nome. Ele obteve este nome mais tarde, devido ao seu grande interesse na criação de camelos. O seu verdadeiro nome era Abdul Ka’aba (“Servo da Ka’aba”), nome esse que Muhammad (s.a.w.), mais tarde, mudou para Abdullah (“Servo de Allah”). O Profeta (s.a.w.) conferiu-lhe, igualmente, o título de “Siddiq” (A Testemunha para a Verdade).
Abu Bakr era um comerciante bastante rico, e antes de abraçar ao Islão, ele já era um res- peitado cidadão de Meca (ár. Makkah). Era três anos mais novo que Muhammad (s.a.w.) e uma certa afinidade natural aproximou-os desde tenra idade. Permaneceu como companheiro mais íntimo de Muhammad (s.a.w.), durante toda a vida do Profeta. Quando este convidou, a princípio, os seus amigos e parentes mais chegados a adoptarem o Islão, Abu Bakr (r.a.) contava-se entre os que primeiro o fizeram. Ele conseguiu, igualmente, persuadir Uthman e Bilal a aceitarem o Islão. Nos primeiros tempos da missão do Profeta, quando um punhado de muçulmanos foi submetido à perseguição e tortura impiedosas, Abu Bakr (r.a.) demonstrou-lhe toda a sua solidariedade, em relação a tal injustiça. Finalmente, quando chegou a permissão de Deus para emigrar de Meca, ele foi o escolhido pelo Profeta para o acompanhar na perigosa viagem até a Medina. Nas numerosas batalhas que tiveram lugar durante a vida do Profeta (s.a.w.), Abu Bakr (r.a.) esteve sempre ao seu lado. Uma vez, ele trouxe todos os seus haveres até ao Profeta, que estava a juntar dinheiro para a defesa de Medina. O Profeta perguntou: “Abu Bakr, o que é que deixaste à tua família?” E ele respondeu: “Deus e o seu Profeta”.
Mesmo antes do Islão, Abu Bakr era conhecido como sendo um homem de carácter recto, de natureza misericordiosa e amável. Durante toda a sua vida, ele foi sensível ao sofrimento humano; foi amável e prestativo para com os pobres. Se bem que rico, ele vivia de uma forma simples, gastando o seu dinheiro na caridade, na libertação de escravos e pela causa do Islão; passava, frequentemente, grande parte da noite em suplicações e orações, e compartilhava com a sua família uma vida alegre e afável.
O Califado de Abu Bakr
Tal era o homem sobre o qual recaíu o pesado fardo da liderança, no período mais difícil da História dos Muçulmanos.
Assim que a notícia sobre a morte do Profeta se espalhou, um certo número de tribos rebelou-se e recusou-se a pagar a Zakat (taxa fixada, devida sobre os valores dos bens, que é paga, obrigatoriamente, pelos abastados para distribuir pelos pobres), justificando essa atitude dizendo que tal obrigação era somente de- vida ao Profeta (que a paz esteja com ele). Ao mesmo tempo, um determinado número de impostores pretendeu ter-lhes sido transmitido o capelo de Profeta após o desaparecimento de Muhammad (s.a.w.), e desenvolveram o protótipo da revolta. A juntar a tudo isto, dois poderosos impérios, o Romano Oriental e o Persa, ameaçavam igualmente o recém-nascido Estado Islâmico, em Medina (ár. Madinah). Dentro destas circunstâncias, muitos dos Companheiros do Profeta, incluíndo Umar (r.a.), aconselharam Abu Bakr (r.a.) a fazer concessões aos que se recusavam a pagar a Zakat, pelo menos durante algum tempo. O Califa Abu Bakr (r.a.) discordou. Insistiu que a Lei Divina não deve ser dividida, que não existe distinção entre a obrigação da Zakat e a da Salat (oração), e que qualquer tipo de compromisso com as injunções de Deus deveriam, eventualmente, corroer os fundamentos do Islão. Rapidamente Umar e os outros aperceberam-se do seu erro de juízo. As tribos revoltosas atacaram Medina, mas os Muçulmanos estavam preparados para tal. O próprio Abu Bakr (r.a.) dirigiu a defesa, forçando-os a recuar. Então, resolveu levar a cabo uma guerra implacável com os falsos pretendentes do capelo do Profeta. Muitos destes submeterem-se, e mais uma vez professaram o Islão. Na realidade a ameaça proveniente do Império Romano surgiu muito antes, durante a vida do Profeta Muhammad (s.a.w.). Este organizara um exército sob o comando de Usa- ma, filho de um escravo libertado. O exército não tinha ido muito longe quando o Profeta adoeceu e, por isso, resolveram parar. Após a morte do Profeta (s.a.w.), a questão relacionou-se com o facto de se dever enviar o exército novamente, ou se este deveria permanecer para a defesa de Medina. Uma vez mais, Abu Bakr (r.a.) demonstrou firme determinação, ao afirmar:
“Enviarei o exército de Usama como ordenou o Profeta, mesmo que eu fique sózinho”.
As instruções finais que deu a Usama prescrevem um código de conduta na guerra, que continuou actual até aos nossos dias. Uma parte das suas instruções dirigidas aos Muçulmanos era:
“Não sejam desertores, nem acusados de desobediência. Não matem um idoso, uma mulher ou uma criança. Não derrubem palmeiras, nem árvores de fruto. Não abatam carneiros, vacas ou camelos se não for para comer. Encontrareis pessoas que passam as suas vidas em mosteiros; deixem-nas em paz e não as molestem”.
Khalid bin Walid fora escolhido pelo Profeta (que a paz esteja com ele) para comandar os Muçulmanos em muitas ocasiões. Homem de suprema coragem e um comandante nato, o seu génio militar floresceu durante o Califado de Abu Bakr, período em que dirigiu as suas tropas de uma vitória para outra, contra os ataques dos Romanos.
Uma outra das contribuições do Califa Abu Bakr (r.a.) diz respeito à recolha e compilação dos versículos do Alcorão.
Abu Bakr morreu no dia 21 de Jamad’al A-khir, do ano 13 da Hégira (23 de Agosto de 634), com a idade de 63 anos, sendo enterrado ao lado do Profeta (s.a.w.). O seu Califado teve uma duração de apenas 27 meses. No entanto, durante este curto tempo, Abu Bakr esforçou-se, com a Graça de Deus, por fortalecer e consolidar a sua Comunidade e o Estado, assim como proteger os Muçulmanos contra os perigos que ameaçaram a sua existência.