Coord. Por Yiossuf Adamgy
A origem desta doença é o amor a este mundo e a mais nada para além dele, a não ser aos bens que o indivíduo pode adquirir para satisfazer os seus efémeros prazeres.
Definição e causas
Imame Mawlud avança com as definições destas doenças, a sua etiologia (origem e causas) e as suas formas de tratamento.
A primeira doença que refere é a avareza (“bukhl)”. Mawlud deu prioridade a esta doença do coração, não por ser a mais grave, mas porque organizou a sua enumeração das doenças do coração de acordo com ordem alfabética da língua árabe.
O escolástico começa por expor dois aspectos da avareza. O primeiro dos aspectos respeita à Lei Sagrada, Shari`a, ou seja, os deveres que o indivíduo tem para com Deus e a Sua criação. O segundo aspecto está relacionado com a “muru`a”, que constitui um importante conceito da cultura árabe, conotado com a avareza e o valor. Na cultura pré-islâmica árabe, o valor era uma característica que definia o carácter, idêntica aos ideais de cavalaria e virtude ocidentais. (A palavra latina vir significa homem. Ana- logamente, a raiz árabe para o conceito de virtude é “muru`a”, um cognato da palavra homem. Ainda assim, os escolásticos acrescentam igualmente que a palavra pode respeitar àquilo que é próprio do Homem e da Humanidade.)
No que respeita ao primeiro aspecto referido relativamente à avareza, a Lei Sagrada obriga ao pagamento da “Zakat” (uma forma de caridade para com os necessitados). A avareza quando se manifesta pelo não pagamento da “Zakat” é explicitamente proibida. O mesmo se aplica à obrigação de providenciar o sustento à esposa e aos filhos. Mesmo em caso de divórcio do casal, o homem continua obrigado a providenciar o sustento das crianças. A forma mais grave de avareza é exactamente o não cumprimento das Leis Sagradas.
No que respeita ao valor, o Imame descreve-o com alguma profundidade. Defende que o indivíduo deve evitar criar conflitos por assuntos mesquinhos. No que concerne a questões de dívidas, é bastante mais valoroso ser um credor flexível e magnânime do que ser exigente e intolerável. Esta realidade torna-se ainda mais evidente quando o credor não tem necessidade do pagamento enquanto que o devedor enfrenta grandes dificuldades. O credor compreensivo e dotado de compaixão é aquele que tem valor, pois a Lei Sagrada não obriga o indivíduo a ser magnânime, visto que o credor tem o direito de receber aquilo que lhe é devido.
No entanto, condena-se o credor que se mostra indiferente às necessidades do devedor e insiste no pagamento da dívida.
De acordo com a ética islâmica, o indivíduo abastado deve ser magnânime, generoso e clemente.
Existe um “hadith” que relata a história de um homem abastado que ordenou aos seus servos que mensalmente cobrassem um imposto em seu nome. “Se [os devedores] não tiverem meios para pagar o imposto, dizei-lhes que estão isentos do mesmo.”
Quando este abastado homem faleceu, não lhe eram conhecidas outras boas acções para além da sua clemência para com os seus devedores. No entanto, este “hadith” relata que Deus terá dito aos Seus anjos: “Este homem perdoava aqueles que falhavam para com ele. Ora, Eu sou ainda mais digno de perdoar aqueles que falham para comigo, por isso, perdoo-o.”
Quando recebemos os nossos convidados, devemos evitar ser somíticos, afirma Imame Mawlud. Se, por exemplo, um convidado derramar algo no tapete, o anfitrião não deve demonstrar raiva ou, pior ainda, repreender o convidado. Demonstramos possuir muito mais valor e humanidade se fizermos com que o nosso convidado não sinta qualquer tipo de consternação.
O Imame refere ainda que não devemos regatear o preço da mortalha, pois a mortalha deve recordar-nos da morte e não dos bens mundanos. Também não devemos discutir o preço, quando compramos gado, com o objectivo de doar carne aos mais necessitados (ou qualquer outro tipo de bens destinados à caridade.)
Os ” sábios guias”, ou seja, os escolásticos, afirmaram que o indivíduo que raciona os bens, passando dificuldades, sem ter disso necessidade, rompe com os preceitos da dignidade. É igualmente lamentável que o indivíduo cumpra uma obrigação ou conceda um empréstimo sem sentir alegria por isso. Quando, por exemplo, fazemos caridade, devemos sorrir e ser humildes, permitindo que a pessoa indigente não se sinta inferior ao credor. É um privilégio estar-se em posição de dar e um honra cumprir uma obrigação divina.
No Islão, é anátema doar por caridade aquilo que é inferior e de má qualidade, pois isso é um acto de parcimónia e avareza. De acordo com a tradição muçulmana, o indivíduo deve doar aquilo de que mais gosta. Deus abençoa este tipo de acções e amplia a generosidade que nelas está implícita: “Ó vós que credes! Contribuí com as melhores coisas que ganhastes, e daquilo que temos feito brotar da terra, para vós; e não escolhei o pior para fazerdes a caridade, quando vós não o aceitaríeis para vós mesmos, excepto com os olhos fechados. E sabei que Deus é sempre rico e digno de louvor”. (Alcorão 2:267) “E jamais alcançareis a virtude, até que façais caridade com aquilo que mais apreciardes” (Alcorão, 3:92).
A generosidade é uma das ilustres virtudes do Islão e uma das qualidades que o Profeta (s.a.w.) demonstrou possuir, tendo mesmo sido considerado a mais generosa das pessoas. A palavra que designa o conceito de generosidade deriva de “Karam”, que também significa nobreza. Com efeito, um dos mais excelsos nomes de Deus é al-Karim, o Generoso. O melhor é ir-se para além do que é considerado mínimo pela Lei Sagrada no que respeita à caridade. Na realidade, a caridade é a expressão da nossa gratidão para com Deus, que nos faculta todos os nossos bens e provisões.
A etiologia da avareza degrada o indivíduo a ponto de este só prezar os bens efémeros deste mundo. O avarento une-se à riqueza com ardor e amealha-a. A palavra que define unir na língua árabe é “masak”, que deriva de outra palavra árabe que significa obstipação. Os somíticos são pessoas que não são capazes de deixar algo que os vai destruir. O Profeta (s.a.w.) afirmou: “Deus fez daquilo que é evacuado pelo filho de Adão uma metáfora para o mundo [dunya].” Quando temos fome, procuramos comida, comemos e ficamos satisfeitos. Mas a forma pela qual esse alimento abandona o nosso corpo é a mais horrível das coisas. Ao pagar a “Zakat”, estamos a abdicar de parte da nossa riqueza a fim de purificar todos os nossos bens e, em última instância, a nossa alma. Com efeito, é possível que os ganhos do indivíduo sejam impuros, tenham uma origem duvidosa. Através da “Zakat”, o indivíduo pode purificar as suas provisões de qualquer impureza desconhecida que possa ter corrompido essas provisões.
Imam Ali (r.a.) afirmou: “A pior das pessoas é o avarento. Ele perderá os seus bens neste mundo e será castigado no Além.” A principal vítima da avareza é o próprio avarento. Na nossa sociedade, muitas pessoas abastadas vivem como se fossem pobres, apesar de terem milhões depositados no banco. A opção de vida destas pessoas não é inspirada pela austeridade espiritual. Deve-lhes custar muito, certamente, terem de gastar dinheiro nelas próprias ou com a família, quanto mais com os outros. A natureza do avarento não lhe permite usufruir da sua riqueza neste mundo. Por outro lado, no Além ele viverá em bancarrota e será humilhado por se ter recusado auxiliar os mais necessitados, recusando-se a purificar a sua riqueza e impedindo-a assim de se tornar a sua fonte de luz e alívio no Além. O avarento pode alegar que acumula a sua riqueza para se precaver contra a pobreza. O que é mais extraordinário neste quadro mental é que o avarento nunca sente verdadeiro alívio em relação a esta ansiedade. O avarento está constantemente preocupado com o dinheiro e dedicado a saciar essa preocupação.
Conta-se que o Profeta (s.a.w.) terá questionado alguns homens do clã sobre quem era o seu chefe. Eles referiram o seu nome e terão dito: “Mas ele é um pouco avarento”. E o Profeta (s.a.w.) afirmou: “Um líder nunca deverá ser avarento” e acrescentou ainda: “Conheceis alguma doença pior que a avareza?”