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Banca Islâmica, a Banca Halal (Lícita)

Por: Vicente Sansano – Fonte: Webislam
Versão portuguesa: AlFurqán, nº. 181, de Maio/Junho.2011

O Doutorado em economia, Ernst. F. Schumacher, recolheu para no seu livro “O Pequeno é Belo”, a seguinte citação “A saúde espiritual e bem-estar material não são inimigos, mas sim aliados naturais”. O Oriente sabe que a matéria e o espírito são as extremidades de uma mesma linha, enquanto no Oeste são linhas de trabalho completamente distintas e independentes entre si.

O Ocidente criou uma economia sem consciência, uma economia violenta, que ataca a natureza e o ser humano, uma economia hipertrófica que está nos seus limites. Se este Titanic em processo de colisão não corrigir o rumo desenfreado que leva, acabará, como temos vindo a presenciar nos últimos dois anos, por colidir definitivamente contra a sua própria criação, sendo engolido por ela.

Os bancos, grandes responsáveis e elementos participativos deste sistema económico, são um reflexo fidedigno do que aqui dizemos, pois o seu objectivo é apenas maximizar os seus lucros e benefícios, e fazer com que estes sejam cada vez maiores, de ano para ano. Mas, nesta corrida que parece não ter fim, eles esqueceram-se de que não há nada no mundo, nem em todo o universo, que possa ter um crescimento contínuo, sempre em linha recta para cima até o infinito, pois tudo o que sobe, desce, assim como a noite segue o dia e a maré baixa segue a maré alta. O que acontece, o que está a acontecer neste momento, não é mais que um novo aviso perante esta ambição desmedida de um sistema financeiro especulativo, ganancioso e ao estilo do de casino.

É neste cenário de turbulência financeira e económica, que o sistema bancário islâmico tem algo a dizer, oferecendo uma alternativa à banca tradicional que temos vindo a conhecer até agora em Espanha. Não com intenção de a substituir, mas sim de dar uma outra oportunidade ao cidadão, seja ele muçulmano ou não, e às empresas que assim o desejarem, de poderem tomar uma opção diferente, com ética, transparente e responsável no que toca ao conjunto da sociedade.

Quando falamos em finanças islâmicas, estamos a referir-nos tacitamente, da banca halal, pois na realidade não podem ser dissociadas uma da outra. Isso significa que há normas a serem cumpridas, e regras e princípios éticos a serem respeitados, de acordo com a forma com que a ética Islâmica tem de compreender o mundo, em geral, e na área de finanças, em particular.

Desta forma, existem alguns princípios básicos que devem ficar claros desde o início, sem os quais este tipo de finanças não pode ser considerado islâmica ou halal. Não são autorizados investimentos em indústrias que a Charia entenda como prejudiciais para a comunidade, como as relacionadas com armas, álcool, tabaco, pornografia ou as dos mercados de carne de porco. Todos estes sectores são considerados haram. O Alcorão diz em 2:275: “Allah tornou lícito o comércio e proibiu a usura”. Ditou, desta forma, a proibição de juros, denominada de usura; e aqui é necessária uma clarificação semântica, pois tal como é entendida pelo sistema bancário ocidental, a usura é a definição de um interesse abusivo, enquanto no Islão, a usura é juro, por menor que este seja. A especulação não é permitida, pois o dinheiro é um meio e não um activo em si mesmo, e, portanto, para obter qualquer benefício monetário, o dinheiro tem de estar necessariamente vinculado ao trabalho. Desta forma é fácil concluir que no Islão, o desenvolvimento económico é uma relação entre capital e trabalho.

De acordo com o que foi dito anteriormente, surge imediatamente a seguinte pergunta: “se me dirigir a um banco islâmico e pedir um empréstimo, dão-mo sem que tenha de pagar nada mais que o capital que me for emprestado?”. Obviamente a resposta é não, pois mesmo os bancos islâmicos têm necessidade de obter retorno sobre o valor dos seus serviços, caso contrário a sua existência não seria possível. Então, onde está a diferença? O que o sistema bancário islâmico faz, é cobrar uma taxa fixa, pré-estabelecida, e não abusiva, como pagamento do serviço prestado. Se pretendemos adquirir um bem ou serviço, o banco compra-o para então o vender a um preço superior, e quem o pretenda adquirir paga o seu novo valor, diferido no tempo. Se pretendermos utilizar esse bem durante um determinado espaço de tempo determinado, o que o banco faz então é adquiri-lo e imediatamente alugá-lo a nós, determinando, antecipadamente, o montante das contribuições e o período de tempo durante as quais ocorrerão, isto é, durante o período que acreditamos que esta propriedade será necessária para uso ou lazer, o que será algo semelhante ao que nos bancos ocidentais é conhecido como leasing. Outra forma de aceder ao capital do banco é quando queremos montar um negócio, neste caso o que o banco faz é tornar-se nosso sócio, entrando participativamente como accionista da empresa, no total, ou em parte do risco envolvido, obtendo por seu turno benefícios e lucros quando os hajam e suportando perdas caso o negócio não seja lucrativo e estas ocorram.

Existe um elemento comum em todos estes exemplos que estamos a dar, pois o banco, contrariamente ao que estamos habituados, partilha o risco com o seu cliente. Pode ganhar, mas também pode perder, situação que não ocorre com os bancos tradicionais, onde este sempre sai com ganhos e nunca com perdas de capital.

Do que conhecemos, os empréstimos bancários são destinados àquelas pessoas que têm património próprio, porém nunca àquelas que têm boas e viáveis ideias de negócios, mas que carecem de capital. A estas últimas, a banca islâmica também pode dar crédito.

O sistema que a banca tradicional tem para garantir o reembolso do capital emprestado compromete os bens do devedor, os quais são por norma num valor muito superior ao valor do empréstimo solicitado. Ou seja, o resultado é sempre a celebração de contrato predatório, mas, paradoxalmente, legal e socialmente aceite. Se as coisas correrem mal, o devedor perde tudo. Relativamente a esta situação Marck Twain disse: “um banqueiro é alguém que, quando o sol brilha deixa um guarda-chuva; quando começa a chover retira-o”.

Em contrapartida, os bancos islâmicos, ao partilharem os riscos, e ao participarem na conta de ganhos e perdas, tornam o sistema económico-financeiro muito mais justo e equitativo. Por conseguinte o sistema bancário com base no interesse o que faz é ampliar as desigualdades sociais, contrariamente ao sistema bancário islâmico, que é muito mais equilibrado e responsável, uma vez que também se envolve no sucesso empresarial e de gestão, pois se o mutuário perde o banco também perde. De tudo isto, podemos deduzir que os empreendimentos levados a cabo com apoio de financiamento islâmico têm mais probabilidades de chegar a bom porto.

Como já mencionado, outra das diferenças substanciais no sistema bancário islâmico é a ausência de especulação financeira e, portanto, toda a actividade económica está focada na economia real, dando lugar à criação de capital para empresas e postos de trabalho. O que gera mais riqueza, mas menos ricos.
O sistema especulativo dos financiamentos tradicionais, o que faz é tornar os preços das matérias-primas e bens mais caros, (moradias, terra, cereais, petróleo, etc.), necessários para a subsistência digna da população do resto do mundo, principalmente aquela que ocupa o hemisfério sul, provocando, dessa forma, o incremento das bolsas de pobreza, promovendo um sistema injusto e desigual, aumentando o fosso entre ricos e pobres.

Outra característica da banca islâmica, é que a dívida não pode ser vendida, não pode mudar de mãos, o risco de a assumir desde o início até o final, tem de ser assumido pelo credor original, ou seja, pelo banco que cedeu os direitos do crédito. Esta prática está totalmente normalizada no sistema bancário que conhecemos e tem sido uma das principais razões que levaram ao colapso do castelo de cartas, à crise sistémica que experienciamos, com a venda de dívidas hipotecárias prime e suprime.

Dissemos que, quando nos referimos à banca islâmica, estamos a referir-nos a uma banca ética e, ainda que a união da banca e ética possa soar como um oximoro, e pareça uma contradição não só aos nossos ouvidos, mas também por experiências pessoais como clientes do sistema bancário que conhece-mos, é no entanto algo realmente possível dentro do sistema da banca islâmica, já que não só se interessam pelo lucro, mas também pelos indivíduos, pela comunidade, detendo um importante interesse social.

Vimos, no sistema bancário islâmico, que o dinheiro dos clientes nunca pode financiar projectos que estejam em desacordo ou vão contra o Islão, tais como a indústria de armamento, a de carne de porco, a da pornografia, etc., mas também não pode ser direccionado para empresas que super-exploram a natureza ou que façam recurso de trabalho infantil. Além disso, o cliente pode decidir a que tipo de investimento se destina o seu dinhei-ro, sabendo, a qualquer momento, qual é a situação do seu capital.

Poderíamos dizer, sem equívoco, que esta forma de trabalhar da banca representa um novo paradigma no que é o sistema financeiro tradicional que conhecemos. É um modelo de investimento socialmente responsável, que cuida não só do capital, mas também da sociedade.

Assim, relativamente ao sistema da usura e da especulação, a única alternativa é a banca ética, no nosso caso, a banca ética islâmica, para superar as injustiças sociais de um capitalismo voraz. (…).

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