Por: M. Yiossuf Adamgy
Os registos históricos afirmam ter sido ele o único indivíduo nascido dentro da própria Caaba A sua mãe tinha entrado na antiga Casa de Deus (ár. Allah), acompanhada por um grupo de amigas, a fim de a visitar. A antiga Casa de Deus estava aberta nesse dia em particular devido a uma ocasião festiva. A mulher estava grávida e, subitamente, viu-se surpreendida pelas dores do parto, não sendo sequer capaz de sair da Caaba (ár. Ka’bah). Foi-lhe trazido um ta- pete de cabedal e foi aí que deu à luz. A criança foi baptizada com o nome de Hakim. O seu pai era Hazam, filho de Khuwaylid. Assim sendo, Hakim era sobrinho da Senhora Khadijah, filha de Khuwaylid.
Hakim cresceu no seio de uma família nobre e abastada, que pertencia a um estrato social elevado da sociedade de Meca. Hakim era um indivíduo inteligente e dotado de boas maneiras, sendo extremamente respeitado pelo seu povo. As pessoas tinham por ele tal estima que o incumbiram da rifadah, da qual constava o auxílio aos mais desfavorecidos e àqueles que haviam perdido os seus pertences durante a época da Peregrinação. Hakim assumiu esta responsabilidade com grande honradez e chegou a servir-se dos seus próprios recursos a fim de ajudar os peregrinos. Ele foi igualmente um amigo muito íntimo do Profeta, que a paz esteja com ele, antes de Muhammad ter sido chamado a tornar-se Profeta. Apesar de ser cinco anos mais velho que o Profeta, Hakim passava muito tempo a falar com ele, parti- lhando horas de agradável companheirismo. Muhammad, por seu lado, sentia por Hakim uma grande afeição.
A relação que existia entre os dois homens tornou-se ainda mais forte quando o Profeta casou com a tia de Hakim, Khadijah bint Khuwaylid.
O que é verdadeiramente surpreendente é que Hakim só se viria a converter ao Islão vinte anos após o início da missão de Muhammad (s.a.w.), depois da conquista de Meca, apesar da forte amizade que o unia ao Profeta. Seria de esperar que alguém como Hakim, tendo sido agraciado por Deus com uma inteligência elevada e dando-se tão bem com o Profeta (s.a.w.), fosse um dos primeiros a acreditar em Muhammad e a seguir a sua orientação, mas não foi assim que aconteceu.
A verdade é que tal como nos espanta a nós a sua adesão tardia ao Islão, também ele foi surpreendido por Allah, mas só tardiamente. Com efeito, assim que Hakim se converteu ao Islão e pôde apreciar o encanto do iman (fé), sentiu-se arrependido por todos os momentos da sua vida em que viveu como mushrik (politeísta), negando a religião de Deus e do Seu Profeta.
Após a conversão, o seu filho encontrou-o uma vez a chorar e perguntou-lhe: “Porque chora, meu pai?”, ao que Hakim respondeu: “Tenho muitas razões para chorar, querido filho. A mais grave foi ter levado tanto tempo a tornar-me muçulmano (submisso à Vontade de Deus). Ter-me convertido ao Islão mais cedo ter-me-ia dado tantas oportunidades de fazer o bem, oportunidades que perdi, por não ser ainda muçulmano, e que irremediavelmente estariam perdidas por essa razão, mesmo que tivesse gasto todo o ouro do mundo a ajudar os outros. A minha vida foi poupada nas Batalhas de Badr e de Uhud e depois dessa última batalha prometi a mim próprio que não voltaria a ajudar os Coraixitas a lutar contra Muhammad, que a paz e a bênção de Deus estejam com ele, e também que jamais abandonaria Meca (ár. Makkah). Assim, sempre que sentisse vontade de me converter ao Islão, olharia para outros homens que pertencessem aos Coraixitas, homens poderosos e de alguma idade, que se mantinham fiéis às ideias e práticas da Jahiliyyah, e apoiá-los-ia, bem como aos seus vizi- nhos. Quem me dera nunca o ter feito… A nada mais se deve a nossa destruição do que ao facto de termos seguido cegamente os nossos antepassados e antecessores. Porque não hei-de então chorar, meu filho?”
O próprio Profeta (s.a.w.) ficara perplexo. Como poderia um homem sagaz e inteligente como Hakim ibn Hazm ficar apartado do Islão? Durante muito tempo, o Profeta (s.a.w.) acalentou a esperança de que ele e também um grupo de pessoas como ele tomassem a iniciativa de se tornarem muçulmanos. Na noite que antecedeu a libertação de Meca, Muhammad (s.a.w.) disse o seguinte aos seus compa- nheiros: “Existem em Meca quatro pessoas que julgo nada terem a ver com a shirk e que muito gosto faria em ver convertidas ao Islão.” Os Companheiros perguntaram então: “Quem são essas pessoas, Mensageiro de Deus?”. O Profeta (s.a.w.) proferiu a seguinte resposta: “Attab ibn Usayd, Jubayr ibn Mutim, Hakim ibn Hazm e Suhayl ibn Amr”, e com a graça de Deus, todos estes homens se converteram ao Islão.
Quando o Profeta, que a paz esteja com ele, entrou em Meca para libertar a cidade do politeísmo e dos seus rituais ignorantes e imorais, ordenou ao seu arauto que proclamasse o seguinte:
“Todo aquele que declarar que não existe outra divindade senão Deus (ár. Allah), (que ninguém a Ele se pode igualar) e que Muhammad é o Seu servo e (último) Mensageiro, estará a salvo…
Todo aquele que depuser as suas armas na Caaba, está salvo.
Todo aquele que frequenta a casa de Abu Sufyan, está a salvo…
Todo aquele que frequenta a casa de
Hakim ibn Hazm, está a salvo…”
A casa de Abu Sufyan ficava na parte alta de Meca e a de Hakim na parte baixa da cidade. Ao proclamar que estas casas eram locais de santidade, o Profeta estava com sabedoria a reconhecer o valor tanto de Abu Sufyan como de Hakim, fazendo dissipar nos dois homens qualquer ideia de resistência e tornando-lhes igualmente mais fácil a assumpção de uma postura favorável relativamente a ele e à sua missão.
Hakim converteu-se ao Islão de uma forma plena e sincera. Prometeu a si próprio que iria redimir-se de todos os pecados que cometera durante o período da sua vida em que apoiara a Jahiliyyah e que iria gastar em defesa da causa do Islão um montante equivalente ao que outrora despendera na luta contra o Profeta (s.a.w.). Era proprietário de um edifício histórico de grande importância em Meca, onde os Coraixitas realizavam os seus encontros durante a época da Jahiliyyah. Era nesse edifício que os chefes e líderes Coraixitas se reuniam para conspirar contra o Profeta. Hakim (r.a.) decidiu livrar-se do edifício e desvinculou-se das suas antigas relações, que lhe eram agora tão dolorosas. Vendeu a propriedade por cem mil dirhams. Houve até um jovem que lhe terá dito: “Vendeu algo que tinha grande valor histórico e era um símbolo de orgulho para os Coraixitas, tio.” Hakim respondeu-lhe: “Deixa, meu filho. Todo o orgulho e glória vãos foram agora postos de lado e tudo o que nos resta de valor é a taqwa – a consciência de Deus. Vendi aquela propriedade a fim de conseguir apenas um lugar no Paraíso. Juro que doei todo o lucro obtido para que seja gasto no auxílio daqueles que seguem o caminho do Todo-Poderoso.”
Depois de se tornar muçulmano, Hakim ibn Hazm (r.a.) realizou a Hajj. Levou consigo cem dos me-lhores camelos e sacrificou-os a todos, a fim de chegar mais perto de Deus. Para realizar a Hajj seguinte, Hakim deslocou-se à planície de Arafat, levando consigo cem escravos. A cada um desses escravos, Hakim ofereceu um pendente de prata, onde fora gravado o seguinte: “Libertado da posse de Hakim ibn Hazm, pela graça de Deus Todo-Poderoso”. Para concretizar a terceira Hajj e estar mais perto de Deus, levou consigo mil (sim, mil) ovelhas e sacrificou-as a todas em Mina, para alimentar as pessoas pobres.
Embora fosse generoso naquilo que gastava para agradar a Deus, Hakim (r.a.) gostava igualmente de ter muito. Depois da Batalha de Hunayn, pediu ao Profeta (s.a.w.) parte do saque, pedido que o Profeta (s.a.w.) concretizou. Ao ver o seu pedido concretizado, Hakim pediu mais e, uma vez mais, o seu pe- dido foi satisfeito. Hakim (r.a.) era ainda um principiante do Islão e o Profeta (s.a.w.) era sempre mais generoso com os recém-chegados à religião, a fim de mais facilmente conseguir a sintonia dos seus corações com Allah. Assim sendo, Hakim (r.a.) acabou por ficar com um largo quinhão do saque. No entanto, o Profeta (s.a.w.) disse-lhe:
“Esta riqueza é, sem dúvida, doce e atraente, Hakim! Aquele que ficar com ela e se der por satisfeito será abençoado por ela, mas aquele que a quiser possuir por ganância não conseguirá a mesma bênção. Esse indivíduo será como aquele que come e nunca fica cheio. A mão que dá é sempre melhor do que a mão que recebe (é melhor dar do que receber).”
Este bondoso conselho teve um efeito imediato e profundo em Hakim (r.a.). Este sentiu-se mortificado e disse ao Profeta (s.a.w.): “Por aquele que te enviou com a verdade, jamais voltarei a pedir a alguém seja o que for, ó Mensageiro de Deus!”
Durante o Califado de Abu Bakr (r.a.), Hakim (r.a.) foi chamado várias vezes a fim de receber o seu rendimento decorrente do Bayt al-Mal, mas recusou sempre o dinheiro. Fez o mesmo durante o Califado de Umar ibn al Khattab (r.a.), durante o qual o próprio Califa terá dito aos cidadãos: “Muçulmanos, comunico-vos que chamei Hakim a receber o seu rendimento e que este o recusou.”
Hakim (r.a.) manteve-se fiel à sua palavra: não mais voltou a receber nada de ninguém até falecer. Com efeito, aprendeu com o Profeta (s.a.w.) a grande verdade que diz que a verdadeira riqueza reside naquilo que não pode ser comprado.
Que Allah S. T. esteja satisfeito com Hakim ibn Hazm.