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EUA falam em democracia nos países árabes, mas receiam-na

Geopolítica – 16/03/2011 – Autor: Ahmad Diab Al Meyui
Fuente: Webislam – Versão Portuguesa: Al Furqán

Por favor, que a ‘ajuda’ internacional a esses povos não chegue uma vez mais.
Por favor, que os EUA não os ajudem mais.

Vários clichés estão a ser criados nestes dias em que a intifada [1] incendeia o mundo árabe e islâmico. ‘Oriente Médio nunca será o mesmo’, ‘democracia’, ‘ajuda humanitária’, embora deliberadamente, as grandes agências monopolizam as notícias que nos mostram bandeiras americanas e israelitas a serem queimadas, bem como dezenas de milhares de crentes a realizarem o seu salat (oração), e evitam falar do grande perdedor destas revoltas, Israel, excluindo dessas ‘democracias’ – à sua imagem e semelhança – as organizações políticas islâmicas.
Não obstante, ouvimos os ‘orientalistas’, os alvitradores devidamente treinados, falarem na desgraça em que cairá o mundo árabe se os islamitas (esta é a grafia correcta, e não ‘islamista’) tomarem o poder.

Por outras palavras, segundo esta afirmação de democracia sui generis, os partidos islâmicos não devem apresentar-se a nenhuma eleição: nem no Egipto, nem na Líbia, nem noutros países árabes, cujos governos ditatoriais cairão inevitavelmente.

Será que estes povos podem sofrer mais do que aquilo que estão a sofrer com o ataque da laicidade em nome de supostas liberdades ocidentais? (Quando se trata de tecer comentários sobre o mundo islâmico, é sempre necessário traduzir aquilo que as grandes agências de informação, monopolizadas pelo sionismo, pretendem realmente transmitir).

Existe uma espécie de messianismo dos líderes norte-americanos quanto ao suposto papel que Deus terá concedido aos EUA, como se esta potência, que assassina, viola e transgride, fosse aquela que leva ao mundo, e, sobretudo aos ‘incivilizados’ muçulmanos, a paz, a democracia e uma boa vida.

(Quando estes bárbaros, na época medieval, eram mais bárbaros do que agora, a civilização islâmica encontrava-se no seu apogeu, como nenhuma outra civilização que jamais tenha existido na História, embora, paradoxalmente, não seja devidamente estudada por darem preferência à história da Grécia e de Roma, sendo esta consubstanciada com a Igreja católica, ou vice-versa, simbiose que levou, em contraposição com outras culturas, à denominação ‘civilização ocidental e cristã’.

Permanece, como já o dissemos, aos olhos e no inconsciente colectivo das massas, uma espécie de predeterminação, como se os EUA, ‘o país da liberdade’, fossem o messias que salvará o mundo da iminente catástrofe muçulmana, do hijab, da burka, da lapidação, da sharía, da ablação do clítoris, e de nada de bom que possa retirar-se deste modo de vida, que, obviamente, em nada se assemelha àquilo que os meios de comunicação transmitem, e que representa a maioria absoluta em 55 países do planeta.

O controlo das notícias sobre aquilo que está realmente a acontecer no mundo árabe muçulmano é de tamanha magnitude que a imprensa ocidental mostra, ou apenas exibe no ecrã, rebeldes destes regimes a dirigirem-se a Deus, em oração, cinco vezes por dia. Não é conveniente relatar nem mostrar a realidade: pois, a maioria dos povos dos países árabes são muçulmanos e imporão, mais cedo ou mais tarde, a sua própria lei.

Os preconceitos contra os muçulmanos vêm do passado, da época anterior às cruzadas, e subsistem ainda hoje. Recorrem a qualquer tipo de estratagema não só para travar o célere avanço do Islão, mas também para o despres-tigiar em todas as suas facetas, com o objectivo acima referido. Querem que os Shaikhs (pessoas que ensinam a doutrina; não quisemos, propositadamente, recorrer à sua tradução em Espanhol, ‘xeque’, devido à confusão gerada pelos famosos ‘xeques’ do petróleo) ensinem como se faz a oração ou se apela à oração, como são as formas de culto, mas não querem que se fale sobre política. (Mas é aqui que o Islão é essencialmente político, e qualquer muçulmano, portanto, desejaria ser regido por esta política. Enquanto os EUA não compreenderem isto, esforçar-se-ão em estabelecer a democracia ao estilo ocidental e as suas leis alheias ao espírito dos muçulmanos e ao seu Livro, o Alcorão, cujo conteúdo ultrapassa a parte religiosa, tornando-se, simultaneamente, o Código Civil e Penal dos muçulmanos, que, em Árabe, se designada Sharía. ‘A pior coisa que aconteceu no Ocidente, dizia uma escritora muçulmana, é não terem estudado nem compreendido a política do Islão’).

A ambivalência de tudo isto é que, quando os EUA e os seus aliados falam em ‘democratizar’ o mundo árabe, na realidade, não pretendem fazê-lo, pelo menos segundo a concepção política e ideológica daquilo que se entende por ‘democracia’, visto que, caso se pratiquem eleições transparentes, todos os partidos de cunho islâmico deveriam participar, ou seja, a sua participação não deveria ser proibida como o foi na era Mubarak.

Os democráticos EUA e os seus aliados temem a democracia nos países árabes porque sabem, de antemão, que os muçulmanos impor-se-iam facilmente. Exemplo disso, foi quando o FIS (Frente Islâmica de Salvação) ganhou as eleições na Argélia e se verificou um golpe de estado para que não assumissem o poder (o presidente Abdelaziz Bouteflika sabe-o perfeitamente). Ou quando o caluniado Hamas venceu de forma limpa as eleições na Palestina e os seguidores de Mahmud Abbás (um mau herdeiro de Yasser Arafat), com a cumplicidade do Estado de Israel, não permitiram que assumisse o poder. O que resta aos muçulmanos, senão lutar perante tamanha humilhação e desrespeito? Ou quando com absoluta desfaçatez, as tropas norte-americanas entraram na Pérsia (actualmente, o Irão), em 1953, para destituir o Primeiro-ministro Muhammad Mossadeq e restaurar o trono do Xá, inimigo do seu próprio povo e lisonjeado pelo Ocidente.

A ex-Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, disse algo interessante quando, em 2005, no Cairo, criticou a política dos seus antecessores afirmando o seguinte: ‘Durante sessenta anos, o meu país, os Estados Unidos, deu preferência à estabilidade em detrimento da democracia nesta região, e não se alcançou nenhuma destas coisas. Agora, optamos por outro caminho: apoiamos as aspirações democráticas do povo’ (mas, como é óbvio, os povos não os apoiam).

Após as Cruzadas e escaramuças incontáveis que visaram a apropriação das terras islâmicas, chegou a vez do colonialismo, numa época pouco distante dos dias de hoje, mais concretamente volvidos cerca de trezentos anos. Todas as potências que usurparam as terras do Islão tinham uma obsessão: pôr termo ao Islão, ou, pelo menos, sepultá-lo, mediante a laicidade, como aconteceu com outras doutrinas sagradas. Não que os colonialistas tenham pretendido apagar a fé islâmica e implementar o Cristianismo, salvo por reflexos culturais, uma vez que as aberrações e o genocídio – um holocausto de que pouco se fala – contra os muçulmanos foram uma reacção em cadeia em todos os países que reprimiram e que nada tinha a ver com a doutrina cristã. Perceberam que o Islão era o freio para as suas atrocidades e que, debilitando a fé dos muçulmanos, poderiam apoderar-se facilmente da sua terra, cultura e petróleo. As riquezas foram o acicate. Mas não conseguiram o que queriam: hoje, estão dessa-creditados em todo o mundo, pois, caiu-lhes a máscara. Quem acredita em Barack Obama quando fala em ‘ajuda humanitária’? Vê-se aqui desespero para que a situação política árabe dos dias de hoje “não os deixe fora da aposta, como diz um ditado popular da região de La Rioja. (Já perderam o Egipto, perderam a Líbia, bem como o Bahrein, a Arábia Saudita, os principados do Golfo, a Tunísia, Marrocos, a Argélia, mas nunca terão o Irão, pois, isto é outra história no seio desta história, embora seja necessário mais tempo para que estes governos dinásticos e monárquicos sejam julgados e aniquilados pelos seus próprios povos. Torna-se necessário explicar que o Islão, na sua mais pura acepção doutrinária, não reconhece monarquias e muito menos a sucessão hereditária).

O cerne de tamanho terramoto nos últimos dias, não são as liberdades que o povo egípcio poderá conquistar após a fuga do seu antigo Presidente, Hosni Mubarak, mas sim que o epicentro de toda esta escalada é saber se um novo governo no país das pirâmides seria capaz de quebrar a paz com Israel. Essa é a questão, pois, o Ocidente, criador destes regimes de terror, não está interessado pela situação dos povos árabes que se debatem entre o pan-arabismo, o nacionalismo árabe e o Islão.

Aos EUA, pouco importou ser um aliado próximo do regime egípcio (que ainda se encontra no poder mediante um autogolpe palaciano) nestes últimos trinta anos em que dera, abrigo ao homem que, a seguir à morte de Anwar El Sadat, assumiu o poder e não hesitou em ser cúmplice de Israel quanto ao genocídio perpetrado por este país em Gaza.

Os EUA e vários países europeus vociferam por aquilo que apelidam de ‘revolução egípcia’, e, à semelhança das carpideiras num aduar, clamam por uma espécie de democracia à sua imagem e semelhança, mas, ao mesmo tempo, temem a democracia que eles próprios defendem, não vá um novo Governo do maior país do mundo árabe deitar por terra o domínio ocidental naquela região.

Quanto a Qaddafi[2] (esta é a transliteração mais próxima do Árabe em caracteres romanos, visto que algumas das letras desse idioma, como a ‘qaf'[3], letra com a qual se escreve Caddafi, não têm equivalência em Português, pelo que as dezenas de formas outorgadas pela imprensa estão erradas (ver, quanto a esta questão, aquilo que o repórter do jornal Clarim da Argentina, na Líbia, escreveu), que foi armado até aos dentes para o Ocidente, a Europa recebeu-o nos seus mais luxuosos hotéis (embora usasse uma tenda), para que o histriónico beduíno da tribo Qaddafa (daí o seu sobrenome) se deleitasse com as esculturais meninas às quais dava aulas sobre o Islão, levando-as, posteriormente, para a Líbia para que aprofundassem a sua ‘doutrina’.

Quanto aos factos consumados e literalmente quanto ao povo em armas e irado e quanto a uma verdadeira guerra civil, os EUA e aliados estão a fazer o que sempre fizeram: trair os sátrapas (foi o que fizeram com Faisal do Iraque, com o Xá Reza Pahlavi, com Hosni Mubarak, e agora com Muammar Al Qaddafi, e é, claro, o que continuarão a fazer enquanto os seus interesses estiverem em jogo).

E pouco ou nada se diz acerca de Israel, o principal derrotado nesta verdadeira revolução que incendeia o mundo árabe. A ONU condenou tibiamente Qaddafi, a NATO encontra-se na costa líbia, o procurador do Tribunal Penal Internacional, o argentino Luis Moreno Ocampo, investigou-o como ‘criminal de guerra’, mas, excepto alguns países árabes, o Ocidente não vacilou quando Israel matou centenas de crianças, sem falar dos civis que assassinou na sua última escalada em Gaza. O regime sionista não é um ‘criminoso de guerra’.

De qualquer forma, avizinha-se uma nova era. É bem possível que o Egipto e a Jordânia, dois países árabes que fizeram a paz com Israel à revelia dos seus próprios povos, derrubem estes protocolos. Países como a Tunísia, a Argélia, Marrocos e, em seguida, os do Golfo e as suas monarquias, também mudarão os seus governantes pressionados por esta revolução.

Levará tempo, mas o mapa desta parte do mundo mudará, as políticas mudarão e o grande perdedor, Israel, ver-se-á forçado a regressar, como primeira medida, às fronteiras de 1967.

E, por favor, que a ‘ajuda’ internacional a estes povos não chegue uma vez mais. Por favor, que os E.U.A. não os ajudem mais.

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[1] Esta expressão, muitas vezes utilizada para fazer referência a uma insurreição contra um determinado regime, pode ser traduzida por ‘revolta’ (N. T.).

[2] Manteve-se a grafia conforme o artigo original, visto que o autor defende o facto de esta ser a grafia mais próxima em termos de transliteração, afirmando que as restantes grafias que possamos encontrar na imprensa não são adequadas (N. T.).

[3] Letra do alfabeto árabe (N. T.).

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