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Islão e o novo milénio

‘Quem não é grato pelas Graças Divinas, corre o risco de as perder;
E quem é grato, prende-as com as suas próprias cordas’ (Ibn Ata’illah, in Kitab al-Hikam)

 

O Islão e o Novo Milénio – um assunto grandioso para um editorial, e que, para os Muçulmanos, requer pelo menos dois requesitos antes de iniciarmos a questão:

 

  1. O Novo Milénio não é o nosso milénio. Lamentavelmente, a maioria dos Países Muçulmanos hoje em dia usa o Calendário Cristão inventado pelo Papa Gregório. Muitos confundem e pessoas muçulmanas secularizadas em países Muçulmanos já estão expressando bastante excitação. Esta semi-histeria deveria ser de pouco interesse para nós: como Muçulmanos temos o nosso próprio Calendário. O ano 2000 começará, de facto, durante o ano 1420 da Hégira (ár. Hijrah).
  2. mais imponderável diz respeito à nossa habilidade para falar confiantemente sobre o futuro, no fim de contas. Neste apontamento propõe-se especular sobre as direcções que o Islão pode tomar, seguindo o grande e muito exagerado aniversário. Mas a questão teológica é das pontuais: poderemos nós fazer isto de um modo halal (lícito)? O futuro está no Ghayb (Oculto); só é conhecido por Deus. E pode até acontecer que a raça humana não alcançe o ano 2000 … Deus põe e dispõe do mundo …

O Hadice de Gabriel (Jibrail a.s.) descreve como o anjo veio ao Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele) perguntando-lhe quando seria o Dia de Julgamento; e ele só respondeu: “a respeito disso, o questionado não sabe mais do que o questionador”. Mas, segundo o Sagrado Alcorão, pode ser bem amanhã. Expectativas apocalípticas não são novas na história Islâmica: por exemplo, eles também surgiram em conexão com o milênio Islâmico. Imame al-Suyuti, o maior estudioso do Egipto Medieval, preocupara-se pelas expectativas nervosas que muitos muçulmanos tiveram a respeito do ano 1000 da Hégira. Anunciaria isso o fim do mundo, como muitos pensaram? Imame al-Suyuti acalmou estes receios ao examinar todos os Ahadice que ele conseguiu encontrar a respeito do tempo de vida desta Ummah. Ele escreveu um livro pequeno intitulado “Al-Kashf an mujawazat hadhihi al-umma al-Alf” (Prova de que esta Ummah sobreviverá o milénio). Nele, concluiu que não havia nenhuma evidência que o primeiro milénio do Islão terminaria a história humana. Mas, para à nossa geração, muito serenamente ele considera que os Ahadice que se encontram à sua disposição indicam que os sinais que precederão o retorno de Jesus (Issa a.s.), e o anti-Cristo (al-Massih al-Dajjal), são propensos a aparecerem no décimo quinto século Islâmico; por outras palavras, no nosso próprio século decorrente. Mas todas estas considerações, que estavam submissas à profunda consciência Islâmica do Imame al-Suyuti, queriam dizer que o conhecimento do Futuro está com Deus; e só Profetas podem profetizar. O que eu estarei a fazer nas páginas que seguem, então, não é nenhuma previsão, mas extrapolação. Allah ta’ala (Deus) é capaz de mudar o curso de história totalmente, por algum desastre natural, ou uma série de guerras desastrosas. Ele pode terminar a história até mesmo para o bem. Se isso acontecer a um passo do milénio, então as minhas previsões serão inúteis. Tudo o que eu estou a fazer é, de certo modo, falar sobre o presente, visto que as tendências presentes, ininterrompidas através de catástrofes, parecem determinadas a continuar nos próximos anos e décadas. Por que é útil reflectir sobre estas tendências? Porque eu penso que todos nós reconhecemos que o Muçulmanos, infelizmente, responderam em grande parte mal aos desafios do século XX; nomeadamente dos últimos três séculos. Por exemplo, no princípio do século XIX o império Otomano perdeu uma série de guerras desastrosas contra a Rússia. A razão principal foi a disciplina e o equipamento superior mantido por exércitos europeus modernos. Mas os Ulamas e o exército turco resistiram a qualquer mudança. Eles acreditavam que batalhas foram ganhas por fé, e aquelas armas de fogo e praças de armas diminuíam a virtude do código pessoal do guerreiro muçulmano. Atirar a um inimigo de uma grande distância, em lugar de olhar para ele no olho e lutar com uma espada, foi visto como uma forma de covardia. Consequentemente, o exército Otomano continuou a sofrer derrota atrás de derrota às mãos de seus inimigos Cristãos, bem-equipados. Outro caso intricado era a controvérsia sobre a impressão. Até ao século XVIII (e não só), uma maioria dos Ulamas (eruditos religiosos Islâmicos) acreditou que a impressão era haram (ilícita). Um texto, particularmente ligado com a religião, era algo sagrado, para ser criado pelas artes tradicionais de caligrafia e encadernação. Uma disponibilidade fácil de livros idênticos – pensavam os eruditos – baixaria o preço de aprendizagem Islâmica, e também tornariam preguiçosos os estudantes no que respeita a decorar ideias e textos. Mais adiante, foi pensado que o processo de estampar e apertar páginas eram desrespeitosos para os textos que podiam conter o nome da Fonte de todo o ser. Foi um húngaro convertido ao Islão, Ibrahim Muteferrika, que conseguiu mudar tudo isso. Muteferrika obteve a permissão do Califa Otomano para imprimir livros seculares e científicos e, em 1720, ele fundou a primeira imprensa Islâmica em Istanbul. Muteferrika foi um sincero convertido e explicou profundamente as suas convicções religiosas num livro que ele intitulou Rissale-yi Islamiye. Também se preocupou deveras com o atraso técnico e administrativo do Império Otomano. Por isso, igualmente escreveu um livro intitulado Ussul al-Hikam fi Nizam al-Umam e publicou-o em 1731. Neste livro descreve os governos e sistemas de exército que prevaleciam na Europa, e disse à elite Otomana que os estados Muçulmanos independentes só poderiam sobreviver se eles obtivessem emprestado não só a tecnologia militar, mas também optar por estilos de admi- nistração e conhecimento científico Europeu. As advertências de Ibrahim Muteferrika sobre a contorversa questão do Estado Otomano se modernizar foram lentamente consideradas, tentando no entanto preservar o que era essencial para sua identidade Islâmica. A história de Muteferrika faz-nos relembrar o seguinte: se os muçulmanos não tiverem consciência das tendências globais da sua era, eles continuarão a ser os perdedores.
Esta ignorância, às vezes, pode ser espantosa. É que conhecem-se alguns dirigentes Islâmicos, chefes de facções activistas, líderes de grupos religiosos que nos deixam chocados pela sua constante falta de conhecimento e diplomacia. Quantos podem sequer nomear os sistemas intelectuais principais de nosso tempo? Pós-modernismo, realismo, filosofia analítica, teoria crítica, e tudo o resto que são livros fechados para eles. Ao invés, eles divagam sobre “a Conspiração Internacional Sionista”, ou “Baha’ismo”, ou “Nova Invasão dos Cruzados”, ou fantasmas semelhantes. Se nós quisermos entender por que tantos movimentos Islâmicos falham, deveríamos talvez começar por reconhecer que os seus líderes simplesmente não têm o poder de compreensão intelectual do mundo moderno, que é um requisito prévio para superar os obstáculos, com bom êxito.
Um activista Muçulmano que não entende as ideologias do modernismo sadio dificilmente poderá superar os obstáculos da vida actual.

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