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Lauren Booth: Agora sou muçulmana. Porquê tanto rebuliço?

Opinião – 20/11/2010 – Autora: Lauren Booth (cunhada de Tony Blair) – Fonte: The Guardian Versão Portuguesa: M. Yiossuf Adamgy – in revista islâmica portuguesa Al Furqán, nº. 178, de Novº./Dezº. 201

Finalmente, senti o que os muçulmanos sentem quando estão na verdadeira oração: um raio de doce harmonia.

Passaram cinco anos desde a minha primeira visita à Palestina. E quando cheguei à região para trabalhar junto de organizações de solidariedade em Gaza e na Cisjordânia, levei comigo a arrogância e a condescendência que todas as mulheres brancas de classe média (em segredo ou abertamente) mantêm para as pobres mulheres muçulmanas, mulheres que presumi que seriam pouco mais que manchas vestidas de negro, silenciosas na minha visão periférica. Como mulher ocidental com todas as minhas liberdades, esperava tratar apenas com homens no plano profissional. Afinal de contas, assim é o Islão, não é?

Esta semana, os gritos de falso horror dos companheiros colunistas, ao saberem da minha conversão ao Islão demonstram que a visão estereotipada prevalece sobre os quinhentos milhões de mulheres que actualmente praticam o Islão. Na minha primeira viagem a Ramalá, e em muitas visitas posteriores à Palestina, ao Egipto, à Jordânia e ao Líbano, efectivamente tratei com homens de poder. E, querido leitor, algum deles até tinha aquelas barbas que metem medo e que vemos nas notícias sobre lugares longínquos que nós bombardeamos até despedaçar. Surpreendentemente (para mim) também comecei a tratar com grande quantidade de mulheres de todas as idades, com todo tipo de lenços na cabeça, que também ocupavam cargos de poder. Acreditem ou não, as mulheres muçulmanas podem ter uma educação, trabalhar com o mesmo horário enfadonho com que nós trabalhamos, e até dar ordens aos maridos diante dos amigos, até que os primeiros abandonam a sala amuados para ir acabar de fazer o jantar.

Parece suficientemente condescendente?

Espero que sim, porque a minha conversão ao Islão foi a desculpa para que os comentaristas sarcásticos dirigissem todos esses pontos de vista paternalistas sobre as mulheres muçulmanas de todas as partes. Tanto é assim que, a caminho de uma reunião sobre a islamofobia, nos meios de comunicação, esta semana, considerei gravemente a compra de um gancho e fazer-me passar por Abu Hamza. Afinal de contas, a julgar pela reacção de muitas mulheres colunistas, agora sou para direitos das mulheres o que aquele do gancho é para a venda de facas e garfos.

Portanto, respiremos todos profundamente e deixá-los-ei ver o outro Islão no século XXI. Com certeza, não se pode passar por alto a maneira atroz como as mulheres são maltratadas pelos homens em muitas cidades e culturas, quer tenham, quer não, uma população islâmica. As mulheres que estão a ser maltratadas por parentes masculinos estão a ser maltratadas pelos homens, não por Deus. Grande parte das práticas e das leis de países “islâmicos” desviaram-se (ou não têm nada a ver) das origens do Islão. No seu lugar, basearam-se em práticas culturais ou costumes tradicionais (e, sim, machistas) que foram injectadas nessas sociedades. Por exemplo, na Arábia Saudita, as mulheres não podem conduzir por lei. Esta regra é um invento da monarquia saudita, estreita aliada do nosso governo [o britânico] no comércio de armas e petróleo. Tristemente, a luta pelos direitos das mulheres deve-se ajustar às necessidades do nosso próprio governo.

O meu próprio caminho para o Islão começou quando reparei na diferença entre o que se me subministrara, gota a gota, sobre a vida muçulmana e a realidade.

Comecei a perguntar-me acerca da tranquilidade que transmitem tantas “irmãs” e “irmãos”. Não todos, porque estamos a falar de seres humanos. Mas muitos. E na minha visita ao Irão no passado mês de Setembro, a lavagem, o ficar de joelhos e as recitações das orações nas mesquitas que visitei lembraram-me o ponto de vista ocidental de uma religião totalmente diferente, uma que é conhecida por evitar a violência e abraçar a paz e o amor através da meditação silenciosa. Uma religião de moda entre as estrelas de cinema, como Richard Gere, e que teria sido muito mais fácil admitir em público que se é adepto: o budismo. De facto, a prostração, o ajoelhar-se e a submissão das orações muçulmanas ressoam com palavras de paz e satisfação. Cada um começa assim: “Bismillahir Rah-manir Rahim” (“Em nome de Deus, o Beneficente, o Misericordioso”), e termina com a frase “Assalamu Alaikhum wa rahmatullahi wa bara-katuh” (‘A paz esteja contigo e a misericórdia e a bênção de Deus’).

Quase sem dar por isso, ao orar durante o último ano, mais ou menos, estive a dizer “Querido Allah” em lugar de “Querido Deus”. Ambos significam o mesmo, com certeza, mas para os conversos ao Islão a natureza estranha da língua das orações sagradas e do livro sagrado pode ser um obstáculo. Eu saltara esse obstáculo sem dar por isso. Depois veio a atracção: uma espécie de ir e vir emocional que responde à companhia de outros muçulmanos, com um elevado sentimento de franqueza e cordialidade. Bem, pelo menos assim foi para mim.

Que duros e cruéis começaram a parecer-me os meus amigos não muçulmanos e os meus colegas! Porque não podemos chorar em público, abraçar-nos mais uns aos outros, dizer “Amo-te” a um novo amigo, sem nos expor à suspeita ou ao ridículo? Via as emoções que se partilham nos lares junto das bandejas de doces com mel e perguntava: se a lei de Allah se baseia simplesmente no medo, por que não viram os amigos que amei e respeitei as costas às suas práticas e começam a beber, a “se divertir realmente” como fazemos no Ocidente? É isso que fazemos, não é?

Afinal senti o que os muçulmanos sentem quando estão na verdadeira oração: um raio de doce harmonia, um estremecimento de alegria em que me sentia agradecida por tudo o que tenho (pelos meus filhos) e segura na certeza de que não necessito de mais nada (junto com a oração) para estar totalmente satisfeita. Eu orava no oratório de Mesumeh, no Irão, depois da lavagem ritual dos antebraços, da cara, da cabeça e dos pés com água. E nada poderá ser o mesmo depois. É tão simples como isso.

O Xeique que no final me converteu, numa Mesquita, em Londres, há umas semanas, disse-me: “Não tenhas pressa, Lauren. Vai com calma. Deus está à tua espera. Não faças caso dos que te dizerem: ‘Deves fazer isto, vestir aquilo, levar o cabelo assim’. Segue os teus instintos, segue o Alcorão e que Deus te guie”. Portanto, agora vivo numa realidade não muito diferente da personagem de Jim Carrey no Show de Truman. Vi a grande mentira que é a fachada da nossa vida moderna; o materialismo, o consumismo, o sexo e as drogas dar-nos-ão uma felicidade duradoura. Mas também olhei mais além e vi uma encantadora e enriquecida existência de amor, paz e esperança. Enquanto isso, continuo com a vida diária, a fazer o jantar, os programas de televisão sobre a Palestina e, sim, a rezar cerca de meia hora por dia.

Agora, a minha manhã começa com a oração do amanhecer pelas 6h00 da manhã, rezo novamente às 13h30 e … finalmente às 22:30. O meu contínuo progresso com o Alcorão foi objecto de burla nalguns sectores (para que conste, estou na página 200). Estive à procura do aconselhamento de ayatolas, imames e xeiques, e todos disseram que cada pessoa tem a sua própria viagem ao Islão. Alguns decoram alguns textos antes da conversão; para mim, a leitura do livro sagrado levar-se-á a cabo lentamente e ao meu próprio ritmo. No passado, as tentativas para deixar o álcool não chegaram a nada; desde a conversão, nem sequer posso imaginar beber de novo. Não tenho nenhuma dúvida de que isto é para toda a vida: há tanto no Islão para aprender, desfrutar e admirar! Estou espantada com a sua maravilha. Nos últimos dias soube doutras mulheres que se converteram e disseram-me que isto é só o início, que continuam a amá-lo após 10 ou 20 anos.

Como nota final, gostaria de oferecer uma tradução rápida entre a cultura muçulmana e a cultura dos meios de comunicação, que pode ajudar a tirar a espinha da minha mudança de vida para alguns de vocês. Quando aparecem muçulmanos nas notícias da BBC a gritar “Alahu Akbar!” para o céu limpo do Médio Oriente, nós, os ocidentais, fomos treinados para ouvir: “Odiamos a todos vocês, sentados nas vossas salas britânicas, e estamos a ponto de nos explodir no Lidl enquanto fazem as compras semanais”. Pelo contrário, o que estamos a dizer é: “Deus é Grande!”, “e estamos a tirar forças da fraqueza depois das nações não muçulmanas atacarem os nossos povos”. Normalmente, esta frase proclama o nosso desejo de viver em paz com os nossos vizinhos, com o nosso Deus, com o nosso próximo, muçulmano ou não muçulmano. Ou, se não puder ser e no clima actual, simplesmente que nos deixem viver em paz; só isso já estaria bem.

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