(12.02.2012 – Por: Abdelmalik Hamza – Fuente: Revista Alif Nûn n°. 70)
Uma das características essenciais da ciência islâmica é a interdependência das distintas disciplinas científicas.
Introdução
‘Há pessoas que pensam que não é necessário estudar a natureza. Não queremos, dizem, estudar a natureza, a não ser a teologia. O que se passa é que estas são as palavras das pessoas preguiçosas, pois a teologia prova-se através do estudo da natureza. Dito de outro modo, não há oposição entre a razão e a fé.’
Este postulado do cristão San Juan Damasceno (675-749), filho do ministro das finanças do califa Abd al-Malik, resume perfeitamente a posição generalizada nos primeiros séculos do Islão.
Os muçulmanos haviam ocupado rapidamente todas as áreas que permaneciam sob a influência da civilização grega (Síria, Palestina e Egipto). Ali viviam os últimos sábios precedentes da escola de Alexandria, clausurada por Justiniano umas décadas antes da expansão do Islão. Estes sábios eram cristãos, mas a cultura grego-helenística sobrevivia ainda incorporada na teologia cristã. Sucedeu de igual modo na civilização iraniana pré-islâmica, que ocupava grande parte do que hoje é Iraque, Irão e Ásia Central, territórios que prontamente ficaram sob a influência do Islão. Com todos eles – já foram gregos ou persas – os muçulmanos relacionaram-se, procurando tudo o que de verdadeiro e útil puderam transmitir, de modo que não destruíram o património cultural dos povos vencidos, mas tentaram integrá-lo num ponto de vista mais lato, preparando assim o florescimento e irradiação da sua própria cultura, inspirada em todos os seus aspectos pela visão unitária do Alcorão. ( Orçamentos obras )
Uma das características essenciais da ciência islâmica é a interdependência das diferentes disciplinas científicas. Não há separação entre as ciências da natureza – ciências do visível – e a teologia ou as artes. Não há compartimentos estanques. Isto é o que explica a grande quantidade de génios enciclopédicos que a civilização islâmica produziu. Dezenas de pensadores islâmicos tais como Al-Kindi, Avicena, Al-Razi ou Al-Biruni sobressaem, à vez, em medicina, matemática, teologia ou geografia. A sabedoria que provém da fé integra todas as ciências num conjunto orgânico, porque todas elas têm como objecto um mundo que, na sua totalidade, é uma teofania (tajalli), uma revelação dos sinais de Deus. Passa-se assim, sem ruptura, da escola Alcorânica para a Madrassa, que é a autêntica universidade islâmica e quase sempre está situada nas proximidades de uma Mesquita. Universidades como a de Qa-rawiyyin no Magreb, Samarcanda na Ásia Central, Córdoba em Al-Andalus, Sankoré em África Ocidental, Al-Azhar no Egipto, não só ensinavam educação religiosa e teologia como também astronomia, medicina, física, química, matemática, álgebra, música ou arte.
Apesar de, sem dúvida, servir de base de inspiração para o desenvolvimento da ciência e tecnologia europeias do Renascimento, é essa inspiração fundamental da ciência islâmica que a converte em algo mais do que um estádio entre o helenismo e a modernidade, uma simples preparação para a ciência ocidental. Tomada em seu espírito, pode ajudar a romper com um cientificismo que procura fazer da ciência moderna o único valor absoluto, ignorando quaisquer outros problemas além da eficiência, e qualquer outro valor além do crescimento ilimitado.