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Maimónides, um judeu espanhol no islão

Andalusis – 01/04/2009 – Fonte: AIM Digital – Versão Portuguesa: Al Furqán, in sua edição nº. 179, de Janº. / Fevº. 2011

Completaram-se 804 anos do nascimento do médico e filósofo judeu Moisés ben Maimon, conhecido como “Maimónides” entre os cristãos e como Ibn Maimun entre os árabes, em Córdova (Espanha).

Estes três nomes da mesma pessoa revelam a possibilidade, no seu tempo e lugar indubitável, de convivência harmónica de árabes, judeus e cristãos, hoje posta em causa por frequentes conflitos armados no território da Palestina.

Abu Imram ben Maimun ibn Abdalá, como o chamavam os contemporâneos muçulmanos, escreveu obras que se usam para ilustrar a filosofia árabe do seu tempo, quando era possível a convivência entre cristãos, árabes e judeus.

Em Fez, onde se fixou com a família, Maimónides estudou a Bíblia e os seus comentários, medicina, astronomia, matemáticas, e em geral toda a ciência vigente.

Depois de longas peregrinações, que incluem a sua estadia em Alexandria e na Palestina, a família instala-se em Fustat, antiga cidade próxima do Cairo. Lá dedica-se à profissão de médico. A fama chegar-lhe-á muito lentamente. Em 1185 é nomeado médico oficial do vizir al-Fadil, e pouco a pouco a sua figura converte-se em lendária.

Maimónides recebe consultas de diverso tipo, procedentes de comunidades de diferentes países do Oriente e do Ocidente. Tais como questões legais, interpretação de passagens religiosas, problemas teológicos e históricos, inclusive assuntos correntes e de comportamento.

Ao longo da vida, a Maimónides chegam numerosíssimas cartas com pedidos de ajuda e esclarecimento, e as suas respostas eram recebidas como pareceres da mais alta autoridade.

Maimónides dirigiu ao seu povo o ‘Guia para os perplexos’; mas a língua em que verteu os frutos da sua luminosa inteligência foi o árabe.

Por isso, os árabes do seu tempo, que governavam Espanha, consideravam-no um ‘Honrado’, título guardado especialmente para os descendentes de profetas.

A crítica e o revisionismo histórico moderno não foram ainda justos com o período de al-Andalus, sendo a postergação e às vezes a minimização da sua incidência na história da humanidade uma dívida que recai sobre os historiadores: “A Espanha das três culturas é de tal magnitude que sem ela não poderia compreender-se o desenvolvimento de Ocidente’.

Porque o pensador judeu ou cristão poderia levar a cabo a sua tarefa no âmbito muçulmano.

Em 1148 Maimónides tem que emigrar de Córdova pela chegada dos almóadas, mas curiosamente, e um dado por investigar é o porquê da sua emigração para Fez, que era justamente o centro político dessa dinastia. Posteriormente a sua vida transcorre no califado fatímida do Egipto, chegando a ser médico pessoal de Saladino I, filho de Saladino o Grande.

A perspectiva do monoteísmo nos credos abraâmicos e a concepção da divindade denotam, sem dúvida, a sua origem comum. Cada religião possui as suas próprias expressões, do ponto de vista da adoração, bem como também rituais próprios que definem as formas da sua crença. No seu carácter de homem religioso e exegeta das escrituras, Maimónides exprime enunciados nos seus treze artigos de fé.

Em filosofia, a sua fonte filosófica principal é Aristóteles, que conheceu através de Avicena e de Averróis. De qualquer modo, opõe-se ao estagirita naqueles pontos nos quais a sua filosofia é irreconciliável com a fé, como na sua concepção da eternidade do mundo, oposta ao criacionismo bíblico.

Como mais adiante fará como Tomás de Aquino (sobre quem Maimómides exerceu uma notável influência), afirma a possibilidade de demonstrar a existência de Deus usando a ideia aristotélica do motor imóvel.

Também a demonstra pela existência de um ser necessário e de uma causa primeira.

O seu principal escrito filosófico, ‘Moré Nebujim’ (Guia de perplexos) foi redigido origi-nalmente em árabe, em 1200, e traduzido para o hebreu sob a sua supervisão. É uma obra de grande envergadura, na qual se abordam os principais problemas metafísicos, antropológicos e morais, sempre ao serviço da teologia.

“Se alguém te afirmar que tem prova da sua própria experiência de algo que precisa de confirmar a sua teoria, ainda que seja uma pessoa de grande autoridade, seriedade e moralidade, deverás duvidar, não deixes a mente ser arrastada pelas novidades que te explica, mas exa-mina cuidadosamente as suas teorias e crenças, como deves fazer a respeito das coisas que declara ter visto; examina o assunto sem deixar-te persuadir facilmente.

E isto que te digo é certo, sendo a pessoa em questão um notável ou um do povo. Porque uma vontade forte pode levar uma pessoa a falar erroneamente, especialmente numa discussão…”.

Maimónides, ‘um sefardita universal’ segundo o livro de Mario Steiner, foi um homem genial com um horizonte mental muito superior ao do seu meio e tempo. Talvez por isso se deu bem com a comunidade judia, à qual pertencia. Conta a tradição que puseram sobre o seu túmulo a inscrição: ‘Aqui jaz Moisés ben Maimon, maldito herege’.

Em Buenos Aires, uma universidade privada leva o seu nome como reconhecimento a 8 séculos da sua verdadeira estatura e significado.

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