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Noite e dia

Por Muhammad Madureira

A propósito de dois livros de temática Islâmica

Tivemos recentemente oportunidade de ler dois livros publicados em Portugal sobre temática Islâmica. Um deles, publicado pela editora “Estratégias Criativas”, em 1995, intitula-se: “Lição – Introdução Sociológica ao Islão” e foi apresentado por Moisés Espírito Santo como lição para a obtenção do grau de Professor Agregado em Sociologia das Religiões na Universidade Nova de Lisboa.

O outro, amável oferta do nosso bom amigo Dr. José Felicidade Alves que muito agradecemos, intitula-se “Cristianismo/Islamismo”. Publicado pela “Editorial Perpétuo Socorro” do Porto, em 1991, tem por autor Robert Caspar, um dos peritos do Concílio Vaticano II, Professor de Teologia Islâmica e membro do Conselho Pontifício para o diálogo entre as Religiões.

A Noite e o Dia … Será talvez esta a expressão que melhor ajudará o leitor a situar-se numa análise comparativa dos dois estudos.

Se por um lado é triste, penoso e contrangedor assistir a uma repelente “Lição” tão mal intencionada, tão ignorante, tão contraditória, e ainda por cima, tão mal escrita, proferida por alguém que transpira ódio ao Islão por todos os poros, por outro lado é espiritualmente enriquecedor ler a verdadeira “Lição” de imparcialidade e objectividade que o Padre Robert Caspar nos dá no seu livro, cuja leitura, escusado será dizer, recomendamos a todos, em particular aos Muçulmanos.

Que não haja mal-entendidos: não estamos a sugerir que os Muçulmanos passem a ler indiscriminadamente, obras de autores Cristãos para obterem uma espécie de “validação” do Islão. Aliás, o proveito retirado dessas leituras provavelmente não compensaria o grande esforço despendido na compreensão da inextricável confusão em que está mergulhada a teologia Cristã. Mas este livro pode permitir-nos a nós, Muçulmanos vivendo num Ocidente de inspiração Cristã, argumentar a favor do Islão, invocando uma autoridade do Cristianismo.

A Noite e o Dia …

É obviamente impossível, e está para além das nossas possibilidades neste momento, efectuar em poucas linhas uma análise comparativa do conteúdo das duas obras, pelo que optamos por transcrever algumas passagens que, não apenas dêem ao leitor uma imagem do “ambiente” que se respira em cada um dos livros, como também permitam comparar alguns enunciados.

Primeiro a Noite …

“O Islão é uma religião tribal: a oração só tem valor recitada na língua Árabe e o sistema normativo Islâmico, indispensável para a Salvação, segundo o Alcorão, foi o das tribos Árabes, não é de nenhum modo universal.”(p.9)

“Com tais diferenças, o Islão situa-se num campo muito diferente do Cristianismo. São dois sistemas religiosos diferentes, difíceis de conciliar. A proposta moderna de Ecumenismo provém do Idealismo; é uma proposta generosa frequente nos meios eruditos pouco conhecedores das teologias.” (p.10)

“É absolutamente certo que Mohamed destinou o Alcorão à Península da Arábia e com exclusão das comunidades Cristãs e Judaicas. Prova disso são os elogios do Alcorão às duas religiões do Livro (que considera reveladas) e o preceito bem explícito de os Cristãos, os Judeus, “os Sabeus” (que se desconhece quem fossem) e os Zoroastrianos que viviam entre os Árabes não serem obrigados a converter-se ao Islão […]” (p.13)

“O Islão pós-Mohamediano não prevê o proselitismo e a adesão pela fé que é a condição indispensável do Cristianismo. Os únicos meios previstos são a guerra santa e a reprodução demográfica”. (p. 14) “A diferença entre o Cristianismo e o Islão é um abismo. O Islão é uma religião natural e expressão ideológica da pertença a uma cultura, nação ou tribo, uma ordem social em que a religião se confunde com os valores da tribo fora da qual todos são inimigos”. (p.15)

“Nem o próprio Profeta do Islão foi um santo como tal se entende nas outras religiões, foi um homem como os outros: os mesmos acessos de cólera, os mesmos actos de vingança, os defeitos de cada homem. Citamos Renan: “Ele é derrotado, ele engana-se, ele recua, ele corrige-se, ele contradiz-se. Os Muçulmanos reconhecem 225 passagens Alcorânicas que foram depois revogadas pelo mesmo autor com vistas a outra política. […] Permitia os assaltos nas estradas, dirigia os assassinatos, mentia e aconselhava a mentir como estratagema””. (p.- 16)

“A medicina, a filosofia, a matemática medievais não se devem ao Islão. A bacia do Mediterrâneo, que sempre foi alfobre de cientistas e filósofos, é que estava dominada pelo Islão e elas passaram através, do Islão, malgré lui. Diz ainda Renan [sempre Renan…]: “O movimento científico só recebeu do Islão maldições””. (p. 56)

Agora o Dia…

“O viajante ou o observador mais prevenido a respeito do Islão não pode atravessar um país Muçulmano sem ser tocado pelo clima religioso que aí reina. Os altifalantes poderosos dos minaretes, e até dos cafés, marcam o ritmo do dia com cinco chamamentos à oração. A Rádio e a Televisão começam e terminam pelo Alcorão. O nome de Deus e as fórmulas que O invocam e O louvam a todo o momento estão continuamente na boca até dos “descrentes”. À sexta-feira, as mesquitas enchem-se, sobretudo no Oriente, e transbordam até à rua, onde as filas de fiéis cumprem os ritos da oração num conjunto impressionante.”

“Diremos que para nós, Cristãos, o Alcorão não é a Palavra de Deus? Veremos adiante que um Cristão de hoje não pode limitar-se a este julgamento sumário. Mas, mesmo que o pudesse fazer, não seria menos verdade que a atitude da fé Muçulmana é aquilo a que chamamos “sobrenatural”. E por detrás desta palavra incongruente há uma atitude fundamental de toda a verdadeira fé: acreditar em Deus, pela Sua Palavra que se inseriu na história dos homens, em vez de inventar um Deus pela razão e à sua medida. O Vaticano II (Nostra Aetate, nº 3) sublinhou este valor essencial da fé Muçulmana: “Eles [os Muçulmanos] crêem em Deus que falou aos homens”. É esta fé, sem dúvida, que mais aproxima as nossas duas (ou três) religiões, apesar da divergência, também essencial, acerca da identidade desta Palavra de Deus, em Jesus Cristo ou no Alcorão.” (p.27)

“Ora, o ritmo da vida ocidental é ainda mais contrário à observância dos ritos e das obrigações do Islamismo que o ritmo dos países Muçulmanos relativamente ao Cristianismo. As grandes festas Cristãs são geralmente feriado, pelo menos uma parte, para os Cristãos em países Muçulmanos. O que não acontece no tocante às grandes festas Muçulmanas em país Cristão, para não falar do Ramadão e das cinco orações diárias. Um sábio Muçulmano [Mohammad Hamidullah, “Relations of Muslims with non-muslims”, J.Inst. of Muslim Minority Affairs, vol VII, nº2 (Jan 1988), 7-12], que vive em Paris escreveu um artigo mostrando a impossibilidade de praticar as obrigações Muçulmanas – concebidas, é verdade, num sentido rigorista – em país não-Muçulmano”. (p.74) “Sabe-se que o próprio Jesus não empregou esta palavra [Trindade], que está ausente de todo o Novo Testamento”. (p.88)

Assim, Cristãos e Muçulmanos adoram exactamente o mesmo Deus, embora o caminho que a Ele conduz seja, em parte, diferente. O Concílio Vaticano II disse-o claramente: “(Os Muçulmanos) que adoram connosco o Deus único…” (“Constituição sobre a Igreja” , Lumen Gentium, nº 16, no fim)”. (p.90) “[…] a notável conferência do cardeal Tarancón, então arcebispo de Madrid e presidente da conferência episcopal de Espanha, na abertura do II Congresso Islâmico-Cristão de Córdova, em 21 de Março de 1977. Nele convida os cristãos não só a respeitarem Maomé, o profeta do Islamismo, mas também a procurarem as razões que”devem incitar o cristão a estimar Maomé, baseando-se na fé cristã e nos métodos da nossa tradição teológica”. E realça duas qualidades eminentes em Maomé: a sua fé em Deus único e a sua sede de justiça (Doc. Cath., 1977, p.480 a 483). Por outro lado, podemos lastimar que outras palavras da Igreja, pelo menos em certos países, pareçam mais preocupadas em acautelar dos perigos, reais ou supostos, que o Islamismo representa […] para o Cristianismo e para a civilização chamada Cristã, do que em convidar, como o faz o Papa, a uma maior compreensão e a uma verdadeira fraternidade”. (p. 192)

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