Por: Mahomed Yiossuf Mohamed Adamgy
In CARTA DIRIGIDA AO DIRECTOR DO JORNAL “PÚBLICO”
Stº. Antº. dos Cavaleiros, 31 de Março de 2004.
Exmº. Senhor Director do Jornal “Público”
Com os meus cordiais cumprimentos, venho pedir a sua atenção para o seguinte:
Publicou a jornal “Público” de 19. Março.04, um belíssimo artigo encabeçado pelo título “Islão, Terror e Mentiras”, subscrito pelo vosso conceituado colaborador e analista Dr. Miguel Sousa Tavares.
Na sua qualidade de organização vocacionada para estudo e divulgação do Islão em Portugal, a revista “Al Furqán” entende ser seu dever comentar e esclarecer, sob o ponto de vista Islâmico, a forma pouco correcta e parcial como foi apresentado o seguinte parágrafo escrito no final da rubrica 1., no intitulado artigo “Islão, Terror e Mentiras”, que passo a citar:
“Onde estão as vozes dos imãs, dos muftis, dos teólogos do Corão, para virem explicar aos seus seguidores que metade do que lá está escrito é letra tornada morta pela evolução da humanidade, e a outra metade jamais poderá ser aceite como mandamentos de um Deus que exige, perdoa e garante a vida eterna a quem deixa umas mochilas carregadas de dinamite nuns comboios para deixar no chão um mar de corpos e vidas esventradas, mulhers, crianças, cristãos e muçulmanos, despedaçados num horror que insulta a condição humana?”.
1) – Se “o Corão é letra tornada morta pela evolução da humanidade”, também, por essa ordem de ideias, seria letra tornada morta o Evangelho e a Tora (Bíblia, com Velho e Novo Testamento).
2) – Nenhuma das “vozes dos imãs, dos muftis, dos teólogos do Corão, jamais virão explicar aos seus seguidores que metade do que lá está escrito é letra tornada morta pela evolução da humanidade”, visto que eles, assim como 1,3 bilião de pessoas no mundo, acreditam piamente que o Alcorão é a palavra de Deus.
3) – No que respeita “a outra metade”, que presume-se estar referido ao actos de jihad, terror, martírio e suicídio, feitos por alguns islâmicos, gostaria de esclarecer o seguinte:
“Se há qualquer martírio nestes actos terroristas (como por exemplo nos atentados de 11 de Março em Madrid) foi certamente o dos bravos bombeiros, polícias e outros que actuaram para salvar vidas humanas e sacrificaram as suas próprias vidas neste processo”, conforme disse recentemente o Sheik Hamza Yusuf. Segundo este estudioso Islâmico de nacionalidade americana, cujos artigos sobre o Islão são difundidos internacionalmente, “os terroristas são assassinos em massa e não mártires”. E se eles são islâmicos, então são “inimigos do Islão.”
Fanáticos religiosos de qualquer credo são pessoas frustadas, que acabam por manifestar o seu desespero, fazendo frequentemente coisas horríveis. Se estes homens realmente são árabes, muçulmanos, trata-se obviamente de pessoas muito doentes, e por conseguinte, nem sequer se deve olhar estes factos como uma questão religiosa. é política. Política trágica. Não há nenhuma justificação Islâmica para isso. é a mesma coisa que ocorria quando algum extremista irlandês usava o Catolicismo como desculpa para matar ingleses. Não são mártires.
é de recear alguma histeria que estes acontecimentos trágicos possam provocar na Europa e é importante o papel que os muçulmanos e não-muçulmanos têm que assumir, em oposição a toda esta espécie de violência. Não se pode matar pessoas inocentes. No Islão, as únicas guerras que são permitidas são entre exércitos que se devem empenhar nos campos de batalha e de uma forma nobre. O Profeta Muhammad (s.a.w.) disse: “Não deveis matar mulheres ou crianças ou não-combatentes e nem deveis matar pessoas velhas ou pessoas religiosas”. E ele mencionou, textualmente, os padres, freiras e rabinos. E disse: “Não deveis destruir árvores de fruto e nem envenenar os poços dos vossos inimigos.”
A verdade é que há alguns muçulmanos – não importa quão insignificante seja o seu número – que consideram que estes actos são actos religiosos e de auto-sacrifício. E isso está errado. Não é Alcorânico. Deturpa o Islão nos corações e nas mentes de milhões.
Quando perguntaram ao Sheikh Yusuf porque é que algumas pessoas consideram os terroristas ou sequestradores como mártires, ele respondeu que “isso é uma abominação.” Eles “são assassinos em massa, pura e sinplesmente”. São “como aqueles cristãos que, em alguns países ocidentais, atacam clínicas de aborto ou matam médicos que o praticam. Não acho que mais ninguém na Comunidade Cristã, para além de uma pequena minoria de extremistas, ataque clínicas de aborto ou médicos que o praticam.”
Perguntar-se-á então: porque há um apoio tão forte àqueles ataques terroristas em algumas partes do mundo? A resposta será porque nós estamos a viver uma época de ignorância e de perda de valores de ordem social. As pessoas estão muito confusas e espiritualmente empobrecidas. O que os americanos e os euopeus sentem agora, vem sendo sentido há muito por árabes, libaneses, palestinianos, bósnios, etc. Os Judeus também o sentiram. E ainda há muitos Judeus vivos que se lembram com medo e terror do que aconteceu na Europa durante o nazismo.
O ponto fundamental da questão é que os ciclos de violência têm que parar. é uma loucura, especialmente quando vivemos num mundo que já tem armas nucleares. As pessoas dizem que este foi um ataque contra a civilização humana. E isso é exatamente o que ocorreu. Acho que todos nós temos que nos perguntar se a vingança indiscriminada vai ajudar a preservar essa civilização. O Sagrado Alcorão diz aos muçulmanos para não deixar que o ódio de algumas pessoas os impeçam de serem justos. Ser justo é uma exigência do crente Islâmico. Do crente Alcorânico.
Quanto ao conceito, muitas vezes errado de Jihad, devo aqui vincar que Jihad quer dizer “esforço”, “luta”. O Profeta Muhammad (s.w.a) disse que “a maior jihad é a luta de um homem contra as más influências que actuam sobre ele.” Também se refere ao que os cristãos chamam de “Guerra Justa”, que é travada contra a tirania ou opressão – mas debaixo de uma autoridade estatal legítima.
Quanto ao conceito de mártir (em árabe, “Shahid”), traduzido à letra significa testemunha. O mártir é aquele que testemunha a verdade e, em prol dela, sacrifica a própria vida. Há pessoas como, por exemplo, Martin Luther King, que seriam consideradas mártires das suas causas. Também se a casa, a família, a propriedade, a terra ou a religião de uma pessoa for ameaçada, então ela pode, com justiça, defender tudo isso com a sua vida. Se perecer, essa pessoa é um mártir.
E o maior mártir perante Deus é aquele se levanta na presença de um tirano, fala a verdade e é morto por isto. Ele é martirizado. E o Profeta disse que um mártir não terá que prestar contas no Dia do Juízo. é um acto através do qual ele será perdoado. Mas o Profeta também disse que há pessoas que matam em nome do Islão ou da Verdade e irão para o Inferno. E isso “porque eles não lutavam verdadeiramente pela causa de Deus (ou da Verdade)”
Quanto ao suicídio, é um acto “haram” (ilícito) no Islão. é proibido, como um pecado mortal. Um assassinato é igualmente “haram”. E matar civis é um assassinato.
Termino este esclarecimento, solicitando à V. Exª. , como ilustre Director do Jornal “Público”, que do mesmo seja dado conhecimento aos leitores que, desta forma, ficarão em melhores condições para tirar as conclusões que se impuserem às suas consciências. Os Muçulmanos de Portugal agradecem e esperam, democraticamente, ver publicado o seu ponto de vista, que se fundamenta em princípios históricos e doutrinais, que devem ser postos ao alcance de quem busca, sinceramente, a Verdade.