Al Furqán
Definição e Tratamento
A próxima doença a ser estudada é o ódio. O ódio não é em si próprio um sentimento negativo. É recomendável odiar-se a corrupção, o mal, a descrença, o homicídio, a luxúria e tudo o mais que Deus tenha considerado vil. O Profeta Muhammad (p.e.c.e.) nunca deixou de gostar de algo por causa da sua essência, mas sim pelo aquilo que manifestava.
O ódio ou o forte desagrado injustificado em relação a alguém constitui a doença bughd. O Profeta (p.e.c.e.) terá dito uma vez aos seus Companheiros: “Pretendeis conhecer um homem que esteja no Paraíso?” Passou por ali um homem e o Profeta (p.e.c.e.) terá continuado, dizendo: “Este homem pertence ao povo do Céu.”
Houve então um Companheiro do Profeta que decidiu descobrir o que tinha feito aquele ho-mem para merecer tamanho elogio do Mensageiro de Deus. Passou algum tempo com o ho-mem e observou-o de perto. Constatou que ele não rezava a Prece da Vigília da Noite (Tahaj-jud) e que não havia nada de extraordinário no seu comportamento. Era em tudo semelhante a um homem comum de Medina. O Companheiro do Profeta acabou por lhe contar o que o Profeta (p.e.c.e.) havia dito dele e perguntar-lhe se ele tinha feito alguma coisa de excepcional. Ao que o homem lhe respondeu: “A única que me ocorre, e em que sou diferente de todos os outros, é que nunca me deito guardando rancor a ninguém.” E era esse o seu segredo.
A cura para o ódio é a frontalidade. Devemos rezar por aquele que odiamos, suplicar, mencio-nando o seu nome, pedir que Deus conceda a essa pessoa coisas boas nesta e na outra vida. Quando o indivíduo desenvolve este comportamento com sinceridade, o seu coração é sarado. Com efeito, se queremos verdadeiramente purificar o nosso coração e erradicar estas doenças, deve haver total convicção e sinceridade da nossa parte para que estas curas sejam efectivas.
Existe quem defenda, embora seja discutível, que o ódio é uma das forças mais devastadoras do mundo. Mas a força que infinitamente mais poder tem é o amor. O amor é uma caracterís-tica de Deus, enquanto que o ódio não o é. Com efeito, um dos nomes de Deus que é menciona-do no Alcorão é al-Wadud, aquele que ama. O ódio é a ausência de amor e é apenas através do amor que o ódio pode ser extraído do coração.
Num hadith belo e profundo, o Profeta (p.e.c.e.) disse:
“Nenhum de vós conhecerá a fé até que ameis o vosso irmão tanto quanto vos amais a vós próprios.”
O escolástico do séc. XIII, Imame Nawawi, fez o seguinte comentário acerca deste hadith:
“Quando o Profeta (p.e.c.e.) utiliza a palavra irmão, refere-se a uma irmandade universal, que inclui os muçulmanos e os não-muçulmanos. Ao irmão não-muçulmano, o muçulmano deve desejar que este se renda ao estado de submissão perante o seu Senhor. Ao irmão muçulmano, deve antes desejar que ele se mantenha no bom caminho e que permaneça servo de Deus”.
É por isso que é extremamente recomendável e garante de recompensa divina rezar pela orientação do não-muçulmano. A referência à palavra “amor” respeita ao desejo de bem-aven-turança e graça ao próximo. Este amor tem natureza espiritual ou celestial e não um carácter terreno ou humano. A natureza humana causa no indivíduo o desejo que o mal caia sobre o seu inimigo e a tendência para discriminar aqueles que são diferentes (na cor, religião ou personalidade). Mas a pessoa deve contrariar a sua natureza, rezar pelos seus irmãos e desejar ao próximo aquilo que deseja para si. Além disso, quando a pessoa se abstém de desejar o bem ao seu próximo, fá-lo motivado pela inveja. E a inveja é a rejeição da distribuição de bens feita por Deus. Assim sendo, o indivíduo estará a opor-se à forma como Deus distribuiu o nosso sustento, de acordo com a Sua sabedoria.
Por conseguinte, devemos contrariar os desejos do nosso ego e procurar o tratamento para esta doença, através da força redentora da aceitação dos desígnios divinos e da prece pelos nossos inimigos, como forma de subjugar o ego [nafs].