No aparecimento e desenvolvimento das diferentes civilizações, a troca de ideias pertencentes a diversas culturas e nações teve, sem margem de dúvidas, o seu papel preponderante. Assim sendo, é de estranhar o facto de uma parte do Mundo Ocidental não dar aos Muçulmanos o que lhes é devido, nem reconhecer o pepel importantíssimo dos Muçulmanos na História da Ciência. Os Muçulmanos absorveram ciências, desenvolveran-nas a um grau elevado e transmitiram-nas, posteriormente, aos Europeus. Não obstante, o ponto de vista que parece prevalecer é o de que os Muçulmanos tiveram um papel muito pequeno no desenvolvimento e transmissão das ciências. Uma outra deia, largamente difundida, refere-se ao facto de supor que as ciências foram acumuladas pelos Europeus, directamente dos Gregos. Parece-nos que a maioria da bibliografia relacionada com esta temática, e com a história de autores Europeus, tem que ser, ou revista, ou escrita de forma a que a verdade venha à tona.
Foram muitos os caminhos através dos quais os Tesouros da Civilização Islâmica se propagaram e influenciaram a Europa, durante os séculos de escuridão, ou seja, durante a Idade Média, uma vez que “a Idade Média foi realmente uma época sombria, já que a grande maioria dos historiadores nos mostrou apenas o seu lado mais “cinzento”; na realidade, estes séculos nunca foram tão “escuros” quanto a nossa ignorância àcerca deles”. ( 1 )
Estes caminhos estavam concentrados em três locais na Europa. O primeiro deles encontrava-se no Ocidente, ou seja, na Espanha Muçulmana (o domínio Muçulmano iniciou-se em toda a Europa em 711, tendo terminado em 1492); o segundo localizava-se no Sul, ou seja, na Sicília e no Sudeste da Itália (os Muçulmanos dominaram esta região durante mais de 200 anos de mais ou menos 840 até 1060) ; e o terceiro encontrava-se no Oriente, ou seja, em Constantinopla (1096 a 1274). A maioria dos historiadores desta temática encontra-se de acordo com a ideia de que a Espanha, ou Andaluzia, teve um papel de elevada importância no processo de transmissão da cultura Muçulmana, bem como das suas ciências, à Europa.
Se a Espanha ficou com a maior parte neste processo de transmissão, então, quais foram os caminhos e meios, através dos quais a Cultura e Ciências Muçulmanas foram transmitidas à Europa? Este processo pode ter tido lugar de diferentes maneiras. Só o facto de os Muçulmanos, e o seu “modus vivendis”, terem dominado uma parte da Europa durante, praticamente, 800 anos é, por si só, uma grande proeza e, consequentemente, devido a esta proximidade e presença na Europa, o processo de transmissão foi grandemente acelerado. Se não fosse a presença Muçulmana na Espanha, e a sua contribuição para a Ciência, receio que o mundo Ocidental talvez nunca tivesse conseguido alcançar o estádio do pensamento moderno, nem tão pouco proezas científicas e tecnológicas, que foram obtidas durante o presente século. Por outro lado, se os Muçulmanos não tivessem dominado a Espanha, ou qualquer outro país Europeu, provavelmente nós encontrar-nos-íamos alguns séculos atrasados, visto que o processo de transmissão das Ciências Muçulmanas à Europa teria levado, neste caso, muito mais tempo a ser efectuado. O facto dos Muçulmanos terem estado presentes em Espanha, ajudou largamente os meios através dos quais as Ciências Muçulmanas foram transmitidas à Europa.( 2 )
Após o fim do domínio Muçulmano na Espanha, no século XV, é um prodígio relativo, digamos assim, encontrarmos a Espanha e Portugal Cristãos a liderarem os denominados “Descobrimentos Marítimos”, na América e no Oriente, através da circum-navegação da costa Africana. Refiro-me a estas viagens, “assim denominadas”, uma vez que a maioria destes caminhos, sulcados pelos Espanhóis e Portugueses, eram já do conhecimento dos muçulmanos. De facto, as embarcações espanholas e portuguesas fizeram uso dos mapas geográficos muçulmanos e, até mesmo, de navegadores muçulmanos, como no caso de Ibn Majid, que foi o piloto de Vasco da Gama. Por exemplo, marinheiros muçulmanos já tinham dobrado o Cabo da Boa Esperança, muito antes de Vasco da Gama, e até o baptizaram de “Jabal al Nadam”, que significa “Montanha do Arrependimento”, por causa da sua linha costeira extremamente perigosa. Ao que parece, o famoso geógrafo muçulmano do século XIV, Al-Idrissi ( 3 ) (493-560 da Hégira / 1100-1165 da Era Cristã) teria alcançado as Índias Ocidentais e, provavelmente, até a América.
Face a estes factos, poder-se-á colocar a seguinte questão: se estes caminhos marítimos eram do conhecimento dos Muçulmanos, então porque não foi tal facto celebrado entre os próprios Muçulmanos? A resposta a esta questão encontra-se estritamente ligada com os princípios básicos da crença e da fé dos Muçulmanos. Nós sabemos que no Islão toda a Glória e Poder pertencem a Deus Todo-Poderoso, e a mais ninguém. Consequentemente, verificamos que, em toda a História do Islão, os Muçulmanos nunca celebraram o facto de terem descoberto um local, esta coisa, ou aquela, do mesmo modo que os Europeus fizeram (e continuam a fazê-lo), se bem que os Muçulmanos realizaram inúmeras descobertas em muitos campos, incluindo os das Ciências. Neste ponto, julgo que a grande maioria dos livros históricos europeus encontra-se extremamente necessitada de uma profunda revisão, ou mesmo de ser escrito de novo, por forma a revelar a verdade ao Mundo.
Mais para breve.
- G. Sarton, in “A História das Ciências” . Por sua vez, Bertrand Russel, o famoso filósofo inglês, escreve: “A supremacia do Oriente não era só militar. As ciências, a filosofia, a poesia e as artes, todas floresceram … no mundo Muçulmano, numa altura em que a Europa se afundava em barbarismos. Os Europeus, com uma insularidade imperdoável, chamam a este período “os anos negros”, mas só na Europa Cristã existia, na verdade, a escuridão, com a excepção da Espanha, que era Muçulmana, e possuía uma cultura brilhante.” (Pakistan Quarterly, Vol. IV, nº. 3).
Briffault, historiador, afirma no seu livro “The Making of Humanity”: “É altamente provável que para os Árabes, a Civilização Europeia moderna nunca tenha assumido o carácter que a facilitaria a trans- cender todas as fases prévias da evolução. Embora não haja um único aspecto do desenvolvimento humano no qual não exista um traço da decisiva influência da Cultura Islâmica, em parte alguma é ela tão clara e momentosa como na génese do poder que constitui a distinta força superior do mundo moderno e da fonte suprema da sua vitória as ciências naturais e o espírito científico … Aquilo a que chamamos “ciência” apareceu na Europa como resultado de um novo espírito de investigação; de novos métodos de investigação, de experimentação e observação; dimensão do desenvolvimento matemático numa forma desconhecida para os gregos. Esse espírito e esses métodos foram introduzidos, no mundo europeu, pelos árabes muçulmanos”. - “Sem o contributo dos Árabes parece indubitável que o renascimento científico teria sido retardado na Europa por muitos séculos. (…) Em Córdova, no século X, a Universidade Muçulmana dispunha de vinte e quatro escolas e a sua biblioteca contava mais de meio milhão de volumes. Os judeus, à medida que eram escorraçados de país em pais, íam semeando a ciência árabe, tornando-se os seus mais eficazes vulgarizadores”. Fernando Namora, consagrado médico e escritor português, na sua obra “Deuses e Demónios da Medicina”, p. 55.
- Al Idrissi (de quem, recentemente, o Prof. Pedro Machado traçou um esboço biográfico publicado no Boletim dos Serviços Bibliográficos da Livraria Portugal – II Série, nº. 606, de Maio de 1993), na sua famosa obra “Kitab Rujar” , escrita em 1154, apresenta o mapa mundo, até então conhecido, com uma precisão impressionante, e já baseado no princípio de que a terra possui a forma esférica.