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O ultraje e a compreensão

Por Yiossuf Adamgy

Os comentários do Papa Bento XVI foram provocatórios, mas o melhor para os Muçulmanos será que ofereçam a outra face.

é irónico que, enquanto mais de 1000 representantes participavam num congresso em Montreal, denominado “As Religiões Mundiais após o 11 de Setembro”, onde procederam à discussão de iniciativas focadas na construção de uma maior compreensão entre seguidores de todas as religiões, do outro lado do globo o Papa Bento XVI realizava um discurso que produzia precisamente o efeito oposto. Presentemente, e não obstante as suas desculpas, prosseguem a nível mundial as respostas inflamadas às suas observações.

Tal como a todos os Muçulmanos, também a nós angustia que uma vez mais a nossa fé tenha sido ridicularizada, nada mais, nada menos, do que pela figura que é o líder mundial de um bilião de Católicos.

No Domingo, o Papa em pessoa pediu desculpas pela ofensa causada, dizendo que o texto medieval por si citado em nada expressava a sua opinião. Mas o estrago estava feito. A oportunidade foi aproveitada pelos extremistas, os quais queimaram Igrejas nos territórios Palestinianos, atiraram a matar sobre uma freira de 60 anos na Somália e expressaram-se de forma violenta, o que fez recuar as relações Muçulmano-Cristãs.

Estamos mais desapontados do que zangados com o Papa Bento XVI. Afinal, o Papa não é apenas um simples padre. Ele é um ícone religioso, o que ele disse foi um golpe. Em que estava ele a pensar quando proferiu tais palavras?

Tal como o jornal “Guardian” referiu num editorial, Bento XVI não empreendeu esforço algum para dizer que esta não era a sua crença. “Não existe frase alguma que o distancie da reivindicação de que Muhammad (s.a.w.) era o responsável pelo mal. Pouca surpresa constituiu, pois, que as observações por si proferidas tenham sido motivo de ira e exijam um pedido de desculpas pessoal”.

Vivemos em tempos em que a religião é usada como um instrumento para fortalecer o poder político. A retórica irresponsável por parte dos líderes religiosos pode rápidamente desatar linhas frágeis. Tal como nós, Muçulmanos progres-sistas, temos repetidamente, e com grande risco, confrontado clérigos e extremistas dentro da comunidade Muçulmana, esperamos agora que os nossos irmãos Católicos avancem e condenem as observações inoportunas, irracionais e desinformadas do Papa Bento XVI.

Estamos particularmente desapontados porque o antecessor do Papa Bento XVI, João Paulo II, falou mais das similitudes do que das diferenças. Enquanto discursava para a comunidade Católica de Ankara, Turquia, no dia 29 de Novembro de 1979, o João Paulo II disse o seguinte:

“Irmãos, quando penso nesta herança espiritual (Islão) e no valor que esta tem para o Homem e para a sociedade, na sua capacidade de oferta, especialmente na juventude, no preenchimento do hiato deixado pelo materialismo, e na sua concessão de uma fundação fiável à organização social e jurídica, pergunto-me se não é urgente, precisamente hoje, quando Cristãos e Muçulmanos iniciam um novo período de História, reconhecer e desenvolver os laços espirituais que nos unem, de modo a preservar e a promover para benefício de todos, “paz, liberdade, justiça social e valores morais””.

Nas suas infelizes e inoportunas observações feitas recentemente na Alemanha, o Papa Bento XVI pode ter cometido um erro de julgamento quando escolheu citar um imperador medieval.

Seguidamente, falou a respeito “desse diálogo genuíno de culturas e religiões tão urgente hoje em dia”. Esse diálogo só terá sentido quando aprendermos, não apenas a respeitarmo-nos uns aos outros, mas também quando desejarmos erguer a nossa própria voz e controlarmos o nosso próprio sacerdócio, aprendendo a censurá-lo por observações ofensivas que sejam prejudiciais e façam regredir os esforços empreendidos para a paz mundial. Pode não ter sido intenção do Papa causar os danos que causou a nível mundial, motivo pelo qual se desculpou, mas a natureza das observações por si feitas e as perigosas consequências que daí advieram devem ser entendidas no contexto dos nossos tempos. Isto foi melhor explicado por Giles Fraser, o vigário de Putney e professor de Filosofia em Wadham College, Oxford, que escreveu o seguinte:

“… são Cristãos renascidos, que estiveram na frente de apoio da invasão do Iraque, das terras da Palestina por parte de Israel, e de toda a reorganização do Médio Oriente – uma catástrofe na qual vários milhares de Muçul- manos perderam a vida. Quaisquer comentá- rios por parte de um líder Cristão que toque nessa ferida está sujeito a ser interpretado a partir de todo e qualquer ângulo possível. O Papa deveria saber disto. Se os Muçulmanos ficaram ofendidos pelos rabiscos de um caricaturista Dinamarquês, é mais que óbvio o enor- me potencial de ofensa que poderia fluir de alguns comentários desajustados do vigário de Roma”.

Ao dizer aquilo, a resposta obtida a partir da liderança conservadora Muçulmana, à Irmandade Muçulmana no Egipto e aos ayatollahs no Irão, consistiu no uso deste infeliz incidente para o armazenamento de mais raiva e ódio; de uma razão mais para marcharem pelas ruas, atacarem Igrejas e contra-insultarem o Papa.

Alguns líderes Muçulmanos deveriam ter resistido a esta tentação. Agora, não é o momento de pôr mais lenha na fogueira; agora, é o momento para extinguir estas chamas com compaixão e paciência. Temos que usar isto como uma oportunidade para seguirmos o exemplo do nosso Profeta Muahmmad, paz esteja com ele, que ignorava os insultos que lhe eram dirigidos.

As observações do Papa foram criticadas a nível Mundial e ele lamentou-as. Isto deveria ter sido o suficiente. Nesta situação de crise, afigura-se uma oportunidade para os Muçulmanos.

O “Guardian” expressá-lo melhor, ao escrever:

“Não pode existir diálogo sem rigor e abertura …”.

Agora, é altura de os Muçulmanos seguirem o Alcorão e perdoarem. Agora, é altura de os Muçulmanos oferecerem a outra face. Esta seria, de facto, a maior das jihads.

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