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Onde vai a Nação Árabe?

Fonte: Oumma.com – Versão portuguesa: Al Furqán

Onde vai o Egipto? Onde vai a Nação árabe? Gilles Munier fornece algumas respostas numa entrevista concedida ao site islâmico francês, a Oumma.com. Este eminente especialista do mundo árabe aborda a situação política do Egipto, nomeadamente a personalidade do vice-pre-sidente Omar Suleiman, detestado pelo povo egípcio, ‘figura emblemática para a CIA’ neste país, autêntico torcionário ‘que tem as mãos manchadas com o sangue de milhares de dissidentes que não resistiram às torturas praticadas’. Gilles Munier afima, ainda, que ‘todos os países árabes, sem excepção, sobretudo aqueles ligados ao Ocidente, serão ou são afectados, de diversas maneiras, por um protesto popular’.

Como vê a evolução política no Egipto após a partida de Mubarak?

Todos os amigos do povo egípcio questionam-se quanto ao facto de saber se o Conselho Supremo das Forças Armadas honrará, ou não, os seus compromissos até ao fim. O passado do marechal Muhammad Hussein Tantawi, de 75 anos, o seu dirigente, não abona a favor da mudança. Foi nomeado Ministro da Defesa após ter participado, como chefe do Estado-Maior, na guerra do Golfo, em 1991, do lado dos Americanos, e é um dos principais defensores de Israel no seio das forças armadas egípcias. No início desta revolta, encontrava-se em Washington, nos Estados-Unidos, para desenvolver, juntamente com os seus oficiais, cenários que permitiriam canalizar a ira popular.

De regresso ao Cairo, manteve contacto telefónico, durante todo o tempo em que durou a crise, com o ‘amigo’ Robert Gates, chefe do Pentágono e antigo director da CIA. Quais fo-ram os planos que ambos arquitectaram? Em breve ficaremos a saber. O futuro dirá se os egípcios aceitam as modificações da constituição que serão propostas, se as eleições anunciadas serão livres e se os meios de comunicação aparecerão sem medo da censura. A-guardemos pelos próximos acontecimentos, em-bora haja motivos para que sejamos, a curto prazo, pessimistas.

Quem é Omar Suleiman?

No Egipto, Omar Suleiman é odiado. Tem as mãos manchadas com o sangue de milhares de dissidentes que não resistiram à tortura. Era uma ‘figura emblemática para a CIA’ no Egipto, encarregado de interrogar os suspeitos sequestrados pela agência americana no mundo. Enquanto chefe do EGIS – o principal serviço secreto egípcio – pôs, como se costuma dizer, ‘a mão na massa’. Por exemplo, torturou pessoalmente Mandouh Habib, de nacionalidade australiana, detido no Paquistão em 2001. Na sua obra, intitulada My Story: The Tale of a Terrorist Who Wasn’t, o supliciado, encarcerado numa prisão secreta da CIA no Egipto, afirma que o reconheceu e narra que foi ‘electrocutado, afogado e pendurado em ganchos metálicos’.

Omar Suleiman também interrogou Ibn al-Sheikh Al-Libi, um parente de Osama Ben Laden, também ele entregue pela CIA. Segundo um relatório do Senado americano, Ibn al-Sheikh Al-Libi foi trancado numa jaula e espancado. Nessa época, os Estados Unidos necessitavam de ‘provas’ relativamente às relações entre Saddam Hussein e Osama Ben Laden para justificar a invasão no Iraque. A ‘confissão’ do militante, mediante tortura, permitiu que Colin Powell declarasse às Nações Unidas, em Fevereiro de 2003, que membros da Al Qaeda tinham sido treinados no Iraque para o uso de armas químicas e biológicas. Expulso e encarcerado a seguir na Líbia, o seu país de origem, Ibn al-Sheikh ‘suicidou-se’ na sua cela, em Maio de 2009, durante a estadia de Suleiman em Tripoli.

No passado dia 9.Fevereiro.2011, o jornal diário israelita Yediot Aharonot apresentava Omar Suleiman como ‘o homem da estabilidade’. É um dos orquestradores do bloqueio de Gaza. Perseguiu palestinianos suspeitos de serem simpatizantes do Hamas. Esta é uma descrição sucinta de Omar Suleiman. O Conselho Supremo das Forças Armadas afastou-o. E ainda bem. Os egípcios escaparam por pouco: um telegrama diplomático americano que data de Maio de 2007, revelado pela WikiLeaks, descrevia-o como o sucessor ideal de Hosni Mubarak; outro, datando de 2008, descrevia-o como o candidato preferido de Israel. Espero que este torcionário seja, um dia, julgado pelos crimes que cometeu.

Qual o nível de intervenção dos Estados Unidos nos actuais acontecimentos no Egipto?

Os Estados Unidos intervêm no Egipto a todos os níveis desde que o Presidente Anwar al-Sadate expulsou, em 1976, os conselheiros soviéticos que aí se encontravam. Estavam portanto em situação de saber que, mais cedo ou mais tarde, o povo revoltar-se-ia contra o regime que fora imposto, e preparavam-se caso isso sucedesse.

Os cibe dissidentes egípcios, inspirados pelo sucesso da ‘revolução de jasmim’, na Tunísia, formados nos Estados Unidos no âmbito do projecto ‘Novo Médio Oriente’ – uma cópia do ‘Grande Médio Oriente’ de George W. Bush, versão Barack Obama – desencadearam, através do Facebook, uma insurreição que, um dia, inevitavelmente, teria acontecido. Perante a magnitude das perguntas suscitadas, que já nda tinham a ver com os sonhos ingénuos daqueles que as tinham causado, Obama enviou urgentemente o seu conselheiro Frank Wisner (aparentado com Nicolas Sarkozy). A sua missão: garantir que ‘tudo mude para que nada mude’! O resto é história. Caso o Conselho Supremo das Forças Armadas venha a trair a confiança do povo egípcio, é de prever novos tumultos mais graves. Restará apenas uma coisa a fazer: aguardar a chegada na cena política, como sucedeu em 1952, de novos ‘oficiais livres’.

Qual será o impacto das relações com Israel no caso de uma verdadeira democra-tização do Egipto?

A esmagadora maioria dos egípcios apoia a luta do povo palestiniano e considera que o bloqueio de Gaza é um crime. No dia 9 de Fevereiro, durante o jantar anual da Crif, o organismo representativo da comunidade judaica em França, Nicolas Sarkozy declarou que os manifestantes egípcios não gritaram ‘Abaixo o Ocidente’, ‘Abaixo os Estados Unidos’ ou ‘Abaixo Israel’. Mentira. As objectivas das câmaras de televisão estavam apenas viradas para outro lado! É bom falar de liberdade de imprensa no Egipto… Mas seria preferível interrogarmo-nos também quanto à margem de manobra deixada aos jornalistas franceses para comentarem os acontecimentos no estrangeiro e quanto ao tratamento da informação Made in Occident em geral.

No caso de uma verdadeira democratização do Egipto, se Israel continuar a recusar a descolonização dos territórios árabes ocupados, o Tratado da Paz entre Israel e o Egípcio será posto em causa e os regimes árabes que mantêm relações, discretas ou não, com o Estado hebraico estarão na berlinda. A ‘paz’ permitiu que Israel atacasse o Líbano e Gaza, sem recear a abertura de uma frente na fronteira com o Egipto. O questionamento da validade do tratado assinalará o fim da paralisia árabe na questão árabe palestiniana e lidará com a anexação dos montes Golã sírios.

O que acha da ameaça islâmica no Egipto ostentada pelo Ocidente?

Não há nenhuma ‘ameaça islâmica’ no Egipto, embora haja, como em tantos outros lugares, extremistas religiosos. O Islão não é, por natureza, uma ameaça. A suposta ameaça islâmica é uma invenção neoconservadora americana para manter a presença dos Estados Unidos na região, sobretudo nos países que professam um nacionalismo árabe desviado. É ostentada consoante os interesses americanos. Senão, como podemos nós explicar que Washington jamais se tenha aventurado a dar conselhos sobre uma boa governação à família Saud, da Arábia, e que os Estados Unidos tenham instalado em Bagdad um regime confessional xiita pró-iraniano.

A Irmandade Muçulmana não tem nada a ver com a caricatura veiculada pelos meios de comunicação ocidentais. O movimento não é estático, evolui em conformidade com a época. É possível que não concordemos com o seu programa, que a combatamos politicamente, mas, por que razão proibi-la? Isso não é, certamente, democracia. A não ser que seja traída, a revolução egípcia deverá ainda permitir que os progressistas e nacionalistas árabes, nasserianos ou baathistas se regenerem.

Ontem foi a Tunísia e o Egipto, hoje a Líbia; quais os outros países que poderão ser afectados por uma contestação popular?

A juventude árabe já está cansada das velhas badernas que se agarram ao poder, enriquecem às custas do povo, liquidam as riquezas do país. O protectorado americano relativamente ao mundo árabe, estabelecido progressivamente desde a Segunda Guerra Mundial, resultou num imobilismo político-social sufocante. Todos os países árabes, sem excepção, sobretudo aqueles que estão ligados ao Ocidente, serão ou são afectados, de diversas maneiras, por um protesto popular. Não acredito na teoria dos dominós, alguns dirigentes árabes dificultarão as tentativas de mudança, mas durante quanto tempo e, sobretudo, a que preço?

Enquanto especialista reconhecido do Iraque, considera que os tumultos políticos no Egipto terão, também eles, uma influência sobre a situação do Iraque?

Já estão a influenciar o Iraque. Quem sabe que no passado dia 4 de Fevereiro (2011) milhares de iraquianos irados se deslocaram em direcção à Zona verde gritando: ‘Abaixo o parlamento’, ‘Abaixo o governo’? A contestação popular estendeu-se a várias cidades. Em Kut, no dia 16 de Fevereiro, os manifestantes incendiaram a sede da administração provincial. Balanço: três mortos e cerca de trinta feridos. No dia 17 de Fevereiro, em Sulaimaniya, um milhar de manifestantes atacou a sede do Partido Democrático do Curdistão de Massoud Barzani, o presidente da região. A polícia abriu fogo. Balanço: um morto e 35 feridos a tiro.

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