Mulheres – 01/11/2010 – Por: Eve Ahmed – Fonte: Mail Online
Todas elas eram brilhantes, educadas e pensaram muito e com calma antes de decidirem converter-se ao Islão, mas agora são apaixonadas seguidoras da sua religião
Grande parte da minha infância foi passada em Londres a tentar fugir ao Islão. Nascida em Londres, de mãe inglesa e pai muçulmano paquistanês, fui educada para seguir a fé do meu pai sem perguntas. Mas em privado odiava-a. No momento em que saí de casa para ir à Universidade, com 18 anos, abandonei-a por completo. No que a mim me diz respeito, ser muçulmana significava ouvir a palavra “não” uma e outra vez.
As meninas da minha condição estavam excluídas de muitas das coisas que os meus amigos ingleses tinham por certo. De facto, parecia- -me que tudo o que era divertido era ‘haram’ (proibido) para as meninas como eu.
Havia muitas regras arbitrárias. Não assobiar. Não mastigar pastilha elástica. Não andar de bicicleta. Não ver o ‘Top Of The Pops’. Não usar maquilhagem nem roupa que marque a forma do corpo. Não comer na rua nem meter as mãos nos bolsos. Não levar o cabelo curto nem pintar as unhas. Não fazer perguntas nem contestar. Não ter cães como animais de estimação (eram sujos). E, claro, não sentar-se ao lado dos homens, não lhes estender a mão e até nem ter contacto visual com eles. Estas regras foram impostas pelo meu pai, e eu, portanto, supus que, com certeza, faziam parte integrante de quem era uma boa muçulmana.
Não é de estranhar então que, assim que tive a idade suficiente para exercer a minha independência, rejeitasse todo o pacote e virasse as costas ao Islão. Afinal de contas, que mulher moderna, britânica e livre, escolheria viver uma vida assim? Bem, pois parece que bastantes, incluindo a última conversão surpresa ao Islão: a cunhada de Tony Blair, Lauren Booth.
E, depois da ruptura com o meu próprio passado, acompanhei com fascínio a crescente tendência de mulheres ocidentais que resolvem converter-se ao Islão.
Booth, locutora e jornalista de 43 anos, diz que agora veste o hijab cada vez que sai de casa, que reza cinco vezes por dia e que visita a Mesquita local “quando posso’. Decidiu conver-ter-se em muçulmana há seis semanas, depois de visitar o santuário de Fátima al-Massumeh, na cidade de Qom, afirmando: “Foi numa terça-feira à noite, sentei-me e senti uma injecção de morfina espiritual, de felicidade absoluta e alegria”. Antes do seu despertar no Irão, “simpatizava” com o Islão e passara um tempo considerável a trabalhar na Palestina. “Sempre me impressionou a força que me deu e como foi reconfortante”, afirmou.
Perguntava-me como podiam as mulheres sentirem-se atraídas por uma religião que eu sentia que me mantivera num lugar tão baixo, tão submisso? Como podiam as suas experiências do Islão serem tão diferentes da minha? De acordo com Kevin Brice, da Universidade de Swansea, que se especializou no estudo da conversão de brancos ao Islão, estas mulheres fazem parte de uma tendência interessante. Explica da seguinte forma: ‘Procuram espiritualidade, um sentido superior e tendem a ser pensadoras profundas. O outro tipo de mulheres que abraça o Islão é as que eu chamo ‘convertidas por conveniência’. Vão assumir os símbolos da religião para comprazer os maridos, muçulmanos, e as famílias, mas não frequentarão, necessariamente, a Mesquita, rezarão ou jejuarão’.
Falei com uma variada selecção de ocidentais brancas convertidas, na tentativa de voltar a examinar a fé que eu rejeitara.
Mulheres como Kristiane Backer, de 43 anos, ex-apresentadora da MTV, com sede em Londres, levara o tipo de vida liberal ao estilo ocidental que eu anelava quando era uma adolescente, mas virou-lhe as costas e abraçou o Islão no seu lugar. A razão? A sociedade permissiva do “vale tudo” que eu cobiçava demonstrou ser um vazio superficial.
O ponto de inflexão para Kristiane chegou quando conheceu e esteve a sair por algum tempo com o ex-jogador de críquete, paquistanês e muçulmano, Imran Khan, em 1992, durante o apogeu da sua carreira. Ele levou-a ao Paquistão, onde ela diz que foi imediatamente tocada pela espiritualidade e a calidez das pessoas. Kristiane diz: “Ainda que a nossa relação não tivesse durado muito, comecei a estudar a fé muçulmana. E finalmente converti-me. Devido à natureza do meu trabalho, eu estivera a entrevistar estrelas do rock, a viajar por todo o mundo e a seguir todas as tendências; todavia, sentia-me vazia por dentro. Agora, por fim, estou satisfeita, porque o Islão deu-me um propósito na vida”.
‘No Ocidente, estamos em tensão por razões superficiais, como pela roupa que vestir. No Islão, todo o mundo olha para uma meta mais alta. Tudo é feito para agradar a Deus. É um sistema de valores completamente diferente. Apesar do meu estilo de vida, senti-me vazia por dentro e reparei em como era libertador ser muçulmana. Seguir um só Deus faz a vida mais pura. Sem estarmos a perseguir todos os caprichos’.
“Cresci na Alemanha, numa família protestante não muito religiosa. Bebia e ia às festas, mas reparei que temos que nos portar bem para termos uma boa vida depois da vida. Somos responsáveis pelas nossas próprias acções”.
Para uma quantidade significativa de mulheres, o primeiro contacto com o Islão vem ao namorar com um muçulmano. Lynne Ali, de 31 anos, de Dagenham, em Essex, livremente admite ter sido “uma típica adolescente ocidental muito festeira’. Diz: “Saía e embebedava-me com os amigos, usava roupa ajustada e atrevida e saía com rapazes. Também trabalhava a tempo parcial como DJ e por isso estava muito metida na cena das discotecas. Costumava rezar um pouco como cristã, mas usava Deus como uma espécie de médico, para arranjar as coisas da minha vida. Se alguém me tivesse perguntado, teria dito que, em geral, eu era feliz a viver a vida na forma mais rápida”.
Mas, quando conheceu o seu namorado, Zahid, na Universidade, algo dramático aconteceu.
Ela afirma: “A irmã começou a falar-me sobre o Islão, e foi como se tudo na minha vida se colocasse no seu lugar. Acho que, no fundo, estava à procura de algo e não me sentia plena com o meu estilo de vida de bebedora festiva’. Lynne converteu-se aos 19 anos. “A partir desse dia, comecei a usar o hijab”, explica, “e agora nunca mostro o cabelo em público. Em casa, visto roupa ocidental normal diante do meu marido, mas nunca fora da casa”.
Conhecendo a conclusão de uma recente sondagem do YouGov, a de que mais de metade dos britânicos pensam que o Islão é uma influência negativa que alenta o extremismo, a repressão das mulheres e a desigualdade, poderíamos perguntarmo-nos porque escolheriam elas esse caminho para si próprias. Todavia, as estatísticas sugerem que a conversão islâmica não é uma mera flor de um dia, mas sim um desenvolvimento significativo. O Islão é, afinal de contas, a religião que mais rápido cresce no mundo e os brancos que a adoptam são uma parte importante dessa história.
“As evidências sugerem que a proporção entre as mulheres e os homens ocidentais que se convertem poderia ser tão alta como 2:1″, diz Kevin Brice. ‘Além disso – afirma Brice, amiúde estas mulheres convertidas estão dispostas a mostrar os signos visíveis da sua fé – em particular, o hijab – enquanto muitas jovens muçulmanas crescidas na fé resolvem não fazê-lo. Talvez como resultado destas acções, que tendem a chamar à atenção, as muçulmanas brancas frequentemente reportam mais discriminação contra elas do que as que nasceram muçulmanas”, acrescenta Brice, tal como aconteceu a Kristiane Backer. Afirma o seguinte: ‘Na Alemanha existe a islamofobia. Perdi o meu trabalho quando me converti. Houve uma campanha na imprensa contra mim, com insinuações de que todos os muçulmanos apoiam os terroristas, fui desprezada. Agora sou uma apresentadora da NBC Europa. Chamo-me a mim própria uma ‘muçulmana europeia’, o que é diferente dos “nascidos’ muçulmanos. Eu era casada com um marroquino, mas não deu, porque me impôs restrições devido à forma como fora educado. Como muçulmana europeia, questiono tudo, não aceito nada às cegas’.
“Mas do que gosto é da hospitalidade e a calidez da comunidade muçulmana. Londres é o melhor lugar da Europa para os muçulmanos, há uma maravilhosa cultura islâmica aqui e estou muito feliz”. Para alguns convertidos, o Islão representa uma celebração dos valores da família tradicional.
“Alguns sentem-se atraídos pelo sentido de pertença e de comunidade, valores que foram corrompidos no Ocidente”, diz Haifaa Jawad, uma professora da Universidade de Birmingham, que estudou o fenómeno de conversão de ocidentais brancos.
“Muitas pessoas, de todos os quadrantes, lamentam a perda na sociedade actual do tradicional respeito aos mais velhos e às mulheres, por exemplo. Estes são valores que estão consagrados no Alcorão e com os quais os muçulmanos têm que viver”, acrescenta Brice. Trata-se de valores como os que atraíram para o Islão Camilla Leyland, de 32 anos, uma professora de ioga que mora em Cornwall. É mãe solteira com uma filha, Inaya, de dois anos, e converteu-se aos vinte e poucos por ‘razões intelectuais e feministas’.
Explica-nos: “Sei que as pessoas se surpreenderão ao ouvir as palavras “feminismo” e “islão” juntas, mas, de facto, os ensinos do Alcorão dão igualdade às mulheres e, na época em que nasceu a religião, os ensinamentos iam contra a corrente de uma sociedade misógina. O grande erro que as pessoas cometem é confundir cultura com religião. É verdade, há culturas muçulmanas que não permitem liberdade individual às mulheres; todavia, quando eu era menina, senti-me mais oprimida pela sociedade ocidental”.
Ela fala da pressão sobre as mulheres para actuar como homens: bebendo e tendo relações sexuais ocasionais. “Não havia nenhum significado real para tudo isso. No Islão, se uma pessoa começa uma relação, isso pressupõe um compromisso”.
Nascida em Southamptom – o pai era o director do Instituto de Educação de Southampton e a mãe uma professora de economia domestica – o interesse de Camila pelo Islão começou na escola. Foi para a Universidade e mais tarde frequentou um mestrado em Estudos do Médio Oriente. Mas foi enquanto morava e trabalhava na Síria que teve uma epifania espiritual. Ao reflectir sobre o que lera no Alcorão, reparou que se queria converter. A decisão foi recebida com desconcerto pelos amigos e pela família. “As pessoas acham difícil acreditar que uma mulher branca, educada, de classe média, opte por converter-se em muçulmana” – afirma. Se bem que a fé de Camilla continue a ser forte, já não usa o hijab em público. Mas várias das mulheres com as quais falei disseram que a estrita vestimenta islâmica era motivadora e libertadora.
Lynne Ali lembra a noite em que viu tudo de forma muito clara. “Fui a um bar à festa de aniversário de um velho amigo que fazia 21 anos”, revela. “Entrei, com o hijab e com a minha roupa modesta, e vi como todos os outros mostravam muita carne. Estavam bêbedos, a arrastar as palavras e a dançar de forma provocante. Pela primeira vez, pude ver a minha vida anterior através dos olhos de um estranho e soube que nunca poderia voltar a aquilo’.
“Estou muito agradecida por ter encontrado a minha via de escape. Este é o meu verdadeiro eu, estou feliz por rezar cinco vezes por dia e de frequentar aulas na Mesquita. Já não sou escrava de uma sociedade rota nem das suas expectativas”.
Kristiane Backer, que escreveu um livro sobre a sua própria viagem espiritual, intitulado ‘Da MTV a Meca’, acha que a nova geração de muçulmanos modernos e independentes pode unir- -se para mostrar ao mundo que o Islão não é a fé com que eu cresci: aquela que rejeita os direitos das mulheres. Ela afirma o seguinte: “Sei de mulheres que nasceram muçulmanas que se desiludiram e se rebelaram contra o Islão. Cavando mais fundo, vê-se que não se voltaram contra a fé, mas contra a cultura. Regras como casar dentro da mesma seita ou casta ou que a educação é menos importante para as meninas (já que, ao fim e ao cabo, vão casar)… Onde se dizem tais coisas no Alcorão? Não se dizem’.
“Muitos jovens muçulmanos que abandonaram a versão “infernal” com que nasceram, redescobriram um enfoque mais espiritual e intelectual, livre dos dogmas culturais da velha geração. Assim é como tenciono passar a vida: mostrando ao mundo a beleza do verdadeiro Islão’.
Ainda que não concorde com os seus sentimentos, admiro e respeito as mulheres que entrevistei para este artigo. Todas elas eram brilhantes e instruídas, e pensaram muito e com calma antes de decidir converter-se ao Islão e agora são seguidoras apaixonadas da sua religião. Desejo-lhes boa sorte. E boa sorte para Lauren Booth. Mas há uma palavra que resume a diferença entre a sua experiência e a minha: escolha. Talvez se me tivesse sentido com controlo em lugar de ser controlada, se me tivesse sentido motivada em lugar de dominada, ainda estaria a praticar a religião com que nasci e não carregaria a culpa que tenho, por ter rejeitado a fé do meu pai.