Por Tariq Ramadan – 25 de Julho de 2006, in Oumma
Versão Portuguesa de Yiossuf Adamgy para Revista Al Furqán
“A partir de que momento poderemos nós começar a utilizar o termo “Crime de Guerra”? Quantas mais crianças terão de perecer entre os escombros causados pelos ataques aéreos Israelitas, para que rejeitemos a obscena fórmula de “danos colaterais”, e comecemos a falar de perseguições e de crimes contra a humanidade?” – Depois de Beirute – Robert Fisk, jornalista, The Independent, 20 de Julho de 2006
O poeta Francês Charles Baudelaire era dono de uma determinada fórmula feliz de dizer as coisas: ‘A mais bela astúcia do Diabo consiste em persuadir-nos que não existe’. Tendo em conta o mesmo ponto de vista, podemos afirmar que o mais diabólico sucesso dos conspiradores de hoje consiste em persuadir-nos que os cons
piradores e respectivas conspirações não existem…
A instrumentalização da ‘guerra contra o terrorismo’ obteve inúmeras respostas, incluindo a hipocrisia e o terror intelectual e político, como nunca antes vistos. Todos ouvimos, e desconfiámos, dos objectivos de Ariel Sharon logo após os ataques do 11 de Setembro de 2001, ao afirmar que Yasser Arafat era o ‘(seu) terrorista’ , dizendo – com se de uma premonição se tratasse – que um dia os Palestinianos haveriam de pagar o preço pelo que Nova Iorque estava a sofrer. Havia, então, que meditar na perda de alguns civis inocentes – ‘danos colaterais’ de uma estratégia de confronto global – no Afeganistão, seguidamente no Iraque, isto antes que a ira se abatesse sobre os Palestinianos, habitantes dos ‘territórios desbastados’.
Há já alguns meses que Israel previa atacar o Sul do Líbano . Os observadores sabiam-no, assim como o sabia o Hezbollah. Este último escolheu antecipar o ataque, de modo a transferir o centro de gravidade do conflito e fazer deste uma questão regional e global. Isto sem contar com a indolência dos governos Árabes e a sua cumplicidade silenciosa, enquanto centenas de civis inocentes perecem sob o peso das bombas.
Mas, tal nós bem o sabemos, o conceito de ‘civis inocentes’ não existe, a não ser marginalmente no léxico das autocracias Árabes.
Seria lógico esperarmos que as Nações Unidas, a voz proclamada da sabedoria das nações, interferisse e pusesse cobro ao massacre…São inúmeras as más memórias que nos é possível invocar. Há pouco mais de dez anos, em Srebrenica, as Forças da Paz abandonaram aqueles que deveriam proteger e que encontraram desarmados. No Ruanda, as forças das Nações Unidas foram enviadas para proteger e ajudar a fugir os Brancos, ‘os estrangeiros’, tendo ainda abandonado os Tutsis à loucura assassina dos Hutus. Há uma semana, famílias e civis Libaneses pediram refúgio no quartel-general das forças das Nações Unidas, composto por Ganianos, os quais se negaram a protegê-los…no caminho para o exílio, poucas horas depois, estas famílias – 27 pessoas no total – foram dizimadas pelas bombas Israelitas. A quem servem os representantes das Nações Unidas? A quem servem estas, afinal uma vergonha…a repetir.
Israel anunciou necessitar de uma semana a dez dias para completar as suas operações. O G8 pediu um cessar-fogo, depois, nada mais, seguindo-se o silêncio e o desconforto. Por um feliz acaso dos calendários assassinos, eis que Condolezza Rice anuncia a sua visita à região…precisamente dez dias depois das minúcias formuladas pelo Primeiro-Ministro Israelita. Isto a acreditar que Telavive possui a agenda da Secretária de Estado Norte-Americana. Não nos esqueceremos de aqui citar esta questão – e respectiva fórmula – de Nicolas Sarkozy ao Ministro Israelita para a Integração, o qual pretendia ‘abençoar’ de uma vez por todas, todos os Franceses que haviam decidido exilar-se em Israel e o corajoso Exército Israelita: ‘De quanto tempo necessita o Estado de Israel para dar a tarefa por terminada?’ (Le Monde, 20 de Julho). Dar a tarefa por terminada? Assassinar inocentes, saquear um país? Ao conjunto de fotos que recebemos relativamente às mortíferas consequências desta ‘tarefa a terminar’, os objectivos de Sarkozy são muito mais chocantes do que as fórmulas ‘rudes’ ou dignas da ‘ralé’. Uma vergonha, uma vez mais. Mas uma vergonha que tantos ecos teve nos meios de comunicação em massa.
A Agence France Presse acaba de informar-nos que, nos últimos dias, os Estados-Unidos têm vendido armas aos Israelitas: ‘uma encomenda de bombas de comando à distância’. Para evitar o assassinato de mais civis, sem dúvida alguma! Que bela é, a Humanidade! Tanto para os Estados-Unidos, como para a Grã-Bretanha, todos estes mortos são de vítimas de uma ‘guerra contra o terrorismo’, necessária e imperativa. De facto, esta guerra permite…o terrorismo de Estado, o assassinato, a tortura, os raptos, as leis liberticidas e, como se isso não fosse suficiente, a criminalização dos imigrantes e daqueles que procuram e pedem asilo.
Àqueles que observam e, mesmo assim permanecem impassíveis, aos horrores do Médio Oriente, à injusta opressão de que são vítimas os Palestinianos, ao sofrimento dos Libaneses, e que acreditam ser suficiente manterem-se neutros, pois assim estarão protegidos e salvos do marasmo, tal como o estão os ‘estrangeiros’ do Líbano, a quem o seu respectivo país protege e repatria aos milhares quando os ‘Libaneses’, os ‘Árabes’, são abandonados à sua miserável sorte…a esses, há que dizer que a loucura ou a cumplicidade assassina dos Estados-Unidos e dos seus aliados tem, e terá, consequências que não se deterão nas fronteiras dos seus ricos países, tal como aí detêm os imigrantes ‘de todo o lado’.
No nosso quotidiano, na nossa paz social, no nosso círculo de amizades, na nossa segurança, com as nossas leis, os nossos direitos, as nossas liberdades nas nossas vidas…depressa e concretamente sentiríamos as consequências da nossa cobardia perante a barbárie. O silêncio daqueles que não sabem mais como denunciar os ‘terrores oficiais’, ou erguer a voz contra tantas injustiças ou semelhantes horrores é, de facto, uma vergonha. Uma de muitas. Sem dúvida alguma, seremos um dia convidados – de uma maneira ou de outra – para a mesa daqueles que têm contas a prestar e teremos, tal como tantos outros, de beber a substância da nossa vergonha e da nossa resignação desumanizada.
Tenho estado pensativo nestes últimos dias. A quem pode interessar ‘vetar ao silêncio’ a Comunidade Internacional, face à opressão continuada do povo Palestiniano e aos massacres perpetuados no Líbano…A quem pode, de facto, interessar? Talvez se lhe auto-conceda o direito – em nome da coerência – ao silêncio, quando as potências mundiais se movimentarem para ‘condenarem’ as consequências do seu silêncio! Talvez…haja alguma lógica nisto.