Al Furqán
A Hégira (ár. hijra). É a Emigração do Profeta Muhammad (s.a.w. = paz e bênçãos estejam com ele) do território de Meca (ár. Makkah) para a cidade de Yatribe, que, mais tarde, veio a chamar-se Medina (ár. Madinah)
Prezados Irmãos, Assalamu Alaikum:
A Hégira (ár. hijra). É a Emigração do Profeta Muhammad (s.a.w. = paz e bênçãos estejam com ele) do território de Meca (ár. Makkah) para a cidade de Yatribe, que, mais tarde, veio a chamar-se Medina (ár. Madinah)
Neste capítulo, relataremos as condições que levaram o Profeta a abandonar a Meca e a emigrar para Medina, um prelúdio ao triunfo do Islão em toda a Península Arábica.
Os muçulmanos foram perseguidos pelos pagãos coraixitas que atacaram, mais concretamente, as pessoas humildes, aquelas que não estavam abrangidas por nenhuma protecção por parte de um clã. A vida tornou-se cada vez mais difícil para todos os crentes que, por ordem do Profeta, tinham emigrado para Medina, cujo nome era, nessa época, Yathrib. É o ponto de partida da cronologia dos Muçulmanos, fundada na emigração de Muhammad (s.a.w.), de Meca a Medina, no ano de 622, da era Cristã.
Os muçulmanos abandonaram clandestinamente a Meca e fizeram- -no, em pequenos grupos, para passarem despercebidos e escaparem à vigilância dos pagãos que não hesitaram em recorrer a métodos ignominiosos para desencorajar os partidários do êxodo; foi o que sucedeu, entre outros, a Hachim-ibn-As: ‘Ao saberem que era muçulmano e que pretendia exilar-se, os Coraixitas prenderam-no’.
Em Meca não havia nenhuma prisão. A primeira prisão árabe foi construída em Kufah muito anos após a morte do Profeta Muhammad (s.a.w.), pelo seu genro ‘Ali. Nessa época, aqueles que eram presos, eram – como o abissínio Bilal – agrilhoados e abandonados, nus, na areia, ou então crucificados sobre um camelo e atados a uma caravana, ou então atirados para o fundo de um poço.
‘Hachim é despojado das suas vestes, acorrentado e trancado numa casa sem telhado para que a espada do sol o queime e golpeie a sua carne até aos ossos’.
No espírito dos Coraixitas germinou a ideia de que o único método de aniquilar o Islão consistiria em organizar o assassinato do Profeta. Para esse efeito, os chefes das dez famílias mais importantes que representavam a Meca, reuniram-se para elaborar um plano.
Foram consideradas três opções: a detenção, a expulsão da cidade e o assassinato. ‘E quando os incrédulos se valem de estratagemas contra ti, para te subjugar, para te matar ou para te expulsar. E se recorrem a estratagemas, Deus também usa estratagemas e Deus é o mais forte no que diz respeito a estratagemas’ (Alcorão, 8:30).
As duas primeiras soluções foram rejeitadas. No primeiro caso, os defensores do Profeta seriam capazes de fazer uso da força para o libertarem. O segundo caso apresentava um grave perigo para a segurança dos pagãos porque, longe da Meca, o Profeta poderia erguer um exército e atacá-los. Foi por estas razões que o projecto do assassinato foi o seleccionado.
‘Para a sociedade coraixita, o assassinato em si não era, de modo algum, um acto grave, do ponto de vista moral, religioso ou humano. A vida de um ser humano era exclusivamente um bem material. Se um ser humano fosse suprimido, podia ser substituído por outro, ou por camelos, por ovelhas, por dinheiro. O pecado do assassinato ainda não era conhecido. Neste sentido, o plano do assassinato de Muhammad (s.a.w.) não apresentava nenhuma desvantagem. A sua vida pertencia ao clã Abd-al-Mouttalib.
‘O chefe desse clã era Abu-Lahab. Excluiu Muhammad do clã devido a uma falta grave contra os antepassados. Por conseguinte, Abu-Lahab não iria pedir nenhuma indemnização aos assassinos pela vida de Muhammad. Pelo contrário, iria participar no assassinato do sobrinho.
Vendo o problema sob este prisma, a morte de Muhammad (s.a.w.) não representaria ne-nhum inconveniente. Se a família não pedir nenhuma indemnização em caso de assassinato, é porque a vida de Muhammad não tem nenhum valor. Não custa nada’.
Mas os Coraixitas eram pessoas prudentes. Visto que Abu-Lahab não era eterno, um outro chefe do clã poderia, mais tarde, decidir vingar a afronta. ‘Para fugir de uma eventual contestação futura, uma contestação que poderia surgir daí a dez anos, daí a cinquenta anos, e que poderia suscitar dissabores para os descendentes dos assassinos, decidiu-se que a equipa de assassinos seria composta por representantes de todas as famílias coraixitas, bem como por representantes das tribos associadas e de todas as categorias de clientes e de aliados.
Desta forma, o número de assassinos, que deveriam, eventualmente, justificar-se, seria bastante elevado para desencorajar qualquer reclamação. Era preciso que o assassinato de Muhammad fosse, de certa forma, anónimo. Este assassinato devia ser levado a cabo como um linchamento.
Tabari fornece-nos um relato bastante deta-lhado da reunião do conselho que decidiu a eliminação física do Profeta: ‘Walîd, filho de Moghaira; Sofyân, filho de Omayya; Abou-Djahl, filho de Hischâm, e Abou-Sofyân, filho de ‘Harb, reuniram-se em segredo para deliberar de que maneira levariam Muhammad à morte, o qual, diziam eles, insulta-nos, a nós e aos nossos convidados, e pretende impedir-nos que adoremos os ídolos.
Walîd, filho de Moghaira, disse: Fechemo-lo numa casa e deixemo-lo morrer de forme e de sede. Abou-Djahl disse: Isso não é uma boa decisão, porque Muhammad tem familiares em Meca que partirão à sua procura e que, se o encontrarem, suspeitar-nos-ão; então, haverá sangue derramado entre nós e os Banî-Hâschim. Abou-Sofyân, filho de ‘Harb, disse: Temos de o colocar sobre uma camela, amarrar com força mãos e pés, e deixar essa camela correr pelo deserto, pois esta levá-lo-á até uma tribo estrangeira, onde terá os mesmos discursos, e estes matá-lo-ão.
Wâlid, filho de Moghaira, tomou a palavra e disse: Essa decisão não é conveniente, porque Muhammad é um homem cuja palavra é persuasiva, afável e agradável; se se deparar com as tribos árabes, seduzirá as pessoas, as quais concertar-se-ão e virão atacar-nos. Isso não seria prudente. Seguidamente, foi solicitada a opinião de Abou-Djhal. Este disse: Penso que devemos escolher quarenta homens, oriundos de todas as tribos, homens valentes, de trinta a quarenta anos, que deveremos enviar até a porta de Muhammad. Vigiá-lo-ão e, quando sair, à noite, para rezar e para fazer as suas rondas ao redor do templo, saltarão para cima dele com as suas espadas e matá-lo-ão. Quando os Bani-Hâs-chim ficarem a saber da sua morte, diremos que, como foi assassinado por quarenta homens e que não podemos matar quarenta pessoas devido apenas a uma, consentiremos a pagar o preço do sangue, tal como estes o determinarão. Seguidamente, dividiremos essa quantia por nós todos, a qual pagaremos. Desta forma, ficaremos livres de qualquer dificuldade devido a seu assassinato.
O Profeta (s.a.w.) foi informado do conluio pelo anjo Gabriel. Dirigiu-se imediatamente até a casa de Abu-Bakr (r.a.) e informou-o que um grupo de assassinos estava a preparar-se para atentar contra a sua vida ao nascer do sol.
O dinâmico Abu-Bakr (r.a.) não perdeu tempo. Organizou rapidamente a sua partida para Medina. Para esse efeito, comprou duas camelas que escondeu fora da cidade, prontas a lançar-se para o deserto no momento certo. Levou então o Profeta até uma gruta do monte de Thaur, localizada a cerca de uma hora, a pé, da Meca.
Entretanto, solicitou-se a ‘Ali (r.a.) que se instalasse na casa do Profeta (s.a.w.) e que se mantivesse de costas para a janela para que o inimigo acreditasse que o Enviado de Deus ainda se encontrava aí. ‘Ali foi também instruído no sentido de dormir na cama do Profeta ao anoitecer.
‘A noite já ia avançada quando, diz Tabari, os quarenta homens vieram colocar-se nas imediações da casa do Profeta, cada um num recanto, com a intenção de matar Muhammad (s.a.w.), quando este saísse, de manhã, para a oração. Mas, por volta da meia-noite, disseram entre eles: vá, vamos entrar na casa dele para o matar porque é possível que, já de dia, os Bani-Hâschim tenham sido informados e que, ao verem-nos, percebam que pretendemos matar Muhammad. Precipitaram-se então, todos juntos, na casa do Profeta. Ao depararem-se apenas com ‘Ali, que estava deitado, ficaram desapontados’.
Ao amanhecer, quando os Coraixitas perceberam que tinham sido iludidos, lançaram- -se atrás do Profeta e de Abu-Bakr na esperança de os capturar. Durante a busca, que durou três dias consecutivos, os dois fugitivos permaneceram escondidos no seu refúgio.
Na verdade, os Coraixitas, não têm qualquer hipótese de encontrar o Profeta, como veremos.
Mobilizaram centenas de homens e centenas de camelos velozes para explorar os caminhos do deserto, as grutas e os desfiladeiros, confiando apenas no facto de serem numerosos, na sua força e na sua habilidade. Ignoraram que tinham, também, de lutar contra Deus. Não crêem em Deus. Mas Deus – mais uma vez – salvou o Profeta (s.a.w.).
Quando a primeira equipa de perseguidores chegou à gruta, o Senhor enviou algumas aranhas que teceram, à pressa, uma teia à entrada. Ao verem a teia de aranha intacta, os homens que procuravam o Profeta continuaram o seu caminho, persuadidos que há já muito tempo que ninguém entrava naquela gruta.
A segunda equipa a chegar pretendia entrar na caverna, mas o Senhor enviou um pássaro que fez o seu ninho e pôs ovos mesmo à entrada. E, mais uma vez, os perseguidores prosseguem o seu caminho. À terceira vez, são pedras que rolam e tapam a entrada.
Quando acorda, Abu Bakr (r.a.) está deprimido. O cansaço, a fuga, a mordida da cobra, a fome, tudo pesava. Muhammad (s.a.w.) encoraja o seu companheiro. Diz-lhe para não ficar deprimido. ‘Não são dois, são três, visto que Deus está com eles’. O Alcorão diz: ‘Se não o socorrerdes (o Profeta), Deus o socorrerá, como fez quando os incrédulos o desterraram. Quando estava na caverna com um companheiro, disse-lhe: Não te aflijas, porque Deus está connosco! Deus infundiu nele o Seu sossego, confortou-o com tropas celestiais que não poderíeis ver, rebaixando ao mínimo a palavra dos incrédulos, enaltecendo ao máximo a palavra de Deus, porque Deus é Poderoso, Prudente’. (9:40).
Confiantes que a vigilância dos pagãos tinha afrouxado, o Profeta e Abu-Bar abandonaram a gruta e dirigiram-se para Medina, não sem passarem por imensas dificuldades e terem escapado a alguns seguidores atraídos pela recompensa avultada, em troca da sua captura, prometida pelos Coraixitas.
A chegada a Medina, após uma dezena de dias a caminharem penosamente sob um calor tórrido, ocorreu no dia 24 de Setembro de 622. É a partir desta data que começa o calendário muçulmano. ‘Poderíamos, à primeira vista, ficar surpreendidos com esta escolha mas, porém, nenhum outro acontecimento, na existência do Profeta, teve uma influência tão decisiva para o sucesso mundial da sua obra.
‘Se tivesse permanecido em Meca, mesmo admitindo o seu triunfo definitivo, o Islão teria ficado por aqui com ele. Os Árabes de toda a Arábia, temendo o poder que o Islão teria dado aos Coraixitas apenas, ter-se-iam aliado para impedi-lo de sair da Cidade Sagrada. Ao passo que, tendo em primeiro lugar, apesar de todos os rancores, estabelecido firmemente as raízes da sua religião na sua cidade natal, foi fácil o Profeta entrar aí após ter levado os outros Árabes a aderirem à sua causa’, escreve Étienne Dinet.
Medina foi o ponto de partida para uma nova era para o Islão. ‘Uma nova era acabara, de facto, por iniciar-se’, diz Emile Dermenghen. Uma nova comunidade, além das organizações tribais tradicionais da Arábia, acabara de nascer.
A Hégira é percebida por vários ocidentais como uma fuga. Não é o caso. Trata-se, melhor dizendo, de um ‘exílio voluntário’. Se Deus o quisesse, teria ordenado ao Profeta e aos seus companheiros que permanecessem em Meca e tê-los-ia fortificado para superar a hostilidade, as violências e as afrontas do inimigo e teria feito com que o Islão triunfasse noutras condições.
Deus decidiu que as coisas ocorressem de forma diferente e a Hégira adquire um signi-ficado completamente distinto. E, o Alcorão é claro: ‘a Hégira é um acto do Islão, ou seja, de abandono em Deus, de confiança n’Ele’. Assim, a ordem de expatriação veio de Deus como o demonstra, de facto, este relato de Aisha (r.a.), esposa do Profeta (s.a.w.): ‘O Profeta chegou à nossa casa a uma hora tardia. (Meu pai) Abu Bakr percebeu que a razão desta visita se prendia com um assunto sério. O Profeta (s.a.w.), após ter-se sentado, disse então: Deus autoriza-me a abandonar a Meca e a emigrar também’.