Coord. Por M. Yiossuf Adamgy (18/05/2009)
Imame Mawlud fala-nos da liberdade, que é alcançada quando o indivíduo compreende os benefícios da vergonha e humildade e quando põe de parte os sentimentos que, radicalmente, se opõem aos anteriores (a indignidade e a arrogância). É através destas qualidades que o Homem alcança a verdadeira liberdade, riqueza e dignidade, qualidades que requerem a nossa emancipação em relação aos laços que nos prendem aos caprichos. O indivíduo pode afirmar a sua liberdade, mas, ainda assim, não ser capaz de controlar a gula quando lhe é apresentada comida ou ter relações sexuais ilícitas sempre que surge a oportunidade para tal. Ora, esta noção de liberdade está desprovida de conteúdo.
A liberdade tem um significado real. Por exemplo, quando surge uma situação em que o indivíduo se sente tentado mas se mantém fiel a Deus (ár. Allah), ele mantém, com firmeza, o controlo sobre as suas acções. Esta situação mantém-se mesmo que a tentação o faça tremer de desejo, pois, ainda assim, ele irá abster-se de se entregar. Imame al-Ghazali refere, a certa altura, que o estômago e os órgãos genitais são os “órgãos dominantes”. Se os soubermos controlar, todas as outras fontes de desejo estarão controladas. Poderíamos incluir igualmente nes te lote a língua, pois esta poderá constituir um notável obstáculo.
Existem, por exemplo, pessoas que parecem ser incapazes de se abster de falar mal dos outros e de os caluniar, fazendo-o muitas vezes sem sequer se aperceber.
É normal que as pessoas não gostem de empobrecer ou de ser humildes, pois consideram que estas qualidades são uma forma de servilismo. Ainda assim, o Profeta, paz esteja com ele, preferiu a pobreza à riqueza. Com efeito, o Profeta não tinha dinheiro em casa e dormia no chão, numa cama feita de cabedal e estofada com fibras de palmeira, não possuía jóias e tinha apenas duas almofadas no seu quarto para receber os convidados. Actualmente, viver desta forma seria viver em pobreza extrema. O que o Imame Mawlud pretende salientar é que Deus concede a sua dignidade àqueles que se mostram humildes na Sua presença, àqueles que, acima de tudo, prezam a forma como serão recebidos pelo seu Criador e não o julgamento que sobre eles será feito, de acordo com as normas efémeras do mundo terreno. A dignidade e a honra são bênçãos: “Ó Deus! Exaltas a quem queres e humilhas a quem queres.” (Alcorão 3:26). São muitas as provas desta lei Divina. Contam-se, por exemplo, muitas histórias de pessoas que exerciam cargos de autoridade e que eram abastadas e que, de um momento para o outro, se viram pobres e totalmente desprovidas da glória que antes haviam possuído, ficando muitas vezes dependentes da protecção do Estado. Deus tem poder sobre todas as coisas e sobre tudo quanto é bom, seja o poder ou a riqueza, que dependem d`Ele e não de nós.
Do que atrás foi dito, podemos retirar um importante princípio: se o indivíduo tentar conseguir um privilégio por formas ilícitas, Deus conceder-lhe-á exactamente o oposto do que pretende.
Mas se, pelo contrário, o indivíduo se mostrar humilde perante Deus, Deus retribuir-lhe-á de forma honrada. De modo oposto, Deus humilha e rebaixa os arrogantes, aqueles que, altivamente, procuram ascensão e glória junto dos outros homens. O Alcorão dá os exemplos do Faraó e de Korah e a forma infame e calamitosa como caíram em desgraça, para demonstrar esta realidade.
Imame Mawlud refere em seguida que: “Não existe salvação como a do coração, tendo em conta que todos os nossos membros a ele obedecem. Assim, se o nosso coração está são, também o estarão os nossos membros, pois são eles que executam os desejos do nosso coração. Contrariamente, os membros daqueles que estão corrompidos tornam-se o veículo pelo qual a corrupção se propaga: “Neste dia Nós selamos as suas bocas, e as suas mãos falam para Nós e os seus pés dão testemunho sobre isso que costumavam fazer” (Alcorão, 36:65); “Empregai a vossa riqueza na causa de Deus e não caveis a vossa ruína com as vossas próprias mãos” (Alcorão 2:195). “E Nós diremos: “Experimentai o castigo do fogo! Isto é por conta do que as vossas próprias mãos mandaram antes de vós, para o julgamento. E Deus não é opressor dos Seus servidores”. (Alcorão 3:181-82). Eles sofrerão um horrendo tormento, no dia em que as suas línguas, mãos e pernas testemunharem contra eles, devido às suas acções.(Alcorão, 24:23-24).
Existe um Hadith onde se subentende que a língua é “porta-voz do coração”. A hipocrisia é miserável porque o hipócrita não diz o que lhe vai no coração. Ele procede mal com a sua língua e oprime o seu coração. Mas se o coração estiver saudável, a condição da língua será idêntica. É-nos exigido que tenhamos um discurso honesto, pois pelo que dizemos pode ser aferido o estado do nosso coração. Segundo uma tradição profética, todas as manhãs, quando os nossos membros despertam no mundo espiritual estremecem e dizem à língua: “Teme a Deus, pela nossa saúde! Se tiveres um procedimento correcto, nós também o teremos. Mas se falhares, também nós falharemos”.
Comprometermo-nos a recordar Deus com frequência é algo que protegerá a língua e que substituirá as nossas conversas inúteis por palavras e frases que fazem crescer a nossa honra. A língua é algo essencial no desenvolvimento da cortesia relativamente a Deus, que é o sentido da nossa existência.