Por: M. Yiossuf Adamgy (06/05/09 – in Revista Al Furqán, nº. 168, de Março/Abril.2009)
O Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele) estava certa vez sentado com os seus companheiros, quando foram abordados por alguns homens a cavalo, que eram delegados da tribo de Banu Tamim. Como com qualquer tribo que vinha para abraçar o Islão, o Profeta quis seleccionar-lhes um líder. Naturalmente, aconselhou-se junto dos seus companheiros mais chegados, Abu Bakr e Umar (que Allah esteja com eles agradado) sobre quem seria o ho- mem mais indicado para o cargo.
Abu Bakr (r.a.) recomendou que o Profeta (s.a.w.) nomeasse Al-Qa`qa` Bin Ma`bad (r.a.), membro da Banu Mujashi`, para o cargo. Umar (r.a.) discordou, sugerindo que o Mensageiro de Allah (s.a.w.) escolhesse Al-Aqra` Bin Habis (r.a.). (Tafssir Ibn Kathir)
O desacordo entre eles transformou-se num debate, depois numa discussão e rapidamente os dois começaram a falar tão alto que as suas vozes se sobrepuseram à do Profeta (s.a.w.).
Foi nessa altura que Deus (ár. Allah) revelou o seguinte versículo ao Profeta (que a paz esteja com ele).
“Ó crentes! Não eleveisas vossas vozes acima da do Profeta, nem lhe faleis em voz alta, como fazeis entre vós, senão as vossas acções serão inúteis sem que disso se apercebam.” (Alcorão, 49:2)
Respeito pelo Profeta (s.a.w.)
Deus estava a dizer tanto a Abu Bakr (r.a.) como a Umar (r.a.) que aquilo que estavam a fazer era inoportuno. Quando se fala perto do Profeta (s.a.w.), não se pode falar mais alto do que ele, devido ao respeito e reverência pelo homem que é o Mensageiro do próprio Deus.
Esta ordem vai bem para além do que respeita ao volume. Quando surgem problemas nas questões da “Sunnah”, não nos podemos pronunciar sobre elas ou contra as mesmas. Tal como disse Ibn `Abbas (r.a.), tal significa não contradizer a “Sunnah” nas nossas acções, declarações ou até intenções.
A nossa atitude perante a “Sunnah” deve ser idêntica à do Imame Malik. Quando iam estudantes a sua casa, com o objectivo de aprender “Fiqh” ou “`Aqidah”, ele vinha para a rua para os ensinar. No entanto, se quisessem aprender “Hadith”, ele fazia a “Ghusl” antes de sair e recitava o versículo: “Ó crentes! Não eleveis as vossas vozes acima da do Profeta , nem lhe faleis em voz alta…” antes de iniciar as suas aulas, para recordar aos seus alunos e a si próprio que aquilo que estavam prestes a estudar devia ser tra- tado com todo o respeito.
A reacção de Umar (r.a.)
Depois da revelação deste versículo, conta-se que sempre que Umar (r.a.) se dirigia ao Profeta (s.a.w.), falava tão baixo que mal se conseguia ouvir o que dizia. Com efeito, Abdullah Bin Al-Zubair (r.a.) afirma que o Profeta (s.a.w.), por vezes, pedia a Umar (r.a.) que repetisse o que tinha dito, devido ao facto de ter falado tão baixo.
Com a vinda de uma ordem de Deus, Umar (r.a.) cumpriu-a de imediato e pô-la em prática na sua vida. Não a pôs em causa, não a tentou seguir apenas parcialmente, não adiou o seu cumprimento nem a seguiu apenas de forma temporária. Cumpriu-a de imediato de forma plena e permanente.
A abordagem de Thabit (r.a.)
Quando, Thabit Ibn Qays Al-Shammas (r.a.), um sahabi (companheiro) que costumava falar em voz alta devido ao facto de ouvir mal, ouviu este versículo, ficou inconsolável, uma vez que o versículo dizia que aqueles que falavam mais alto que o Profeta (s.a.w.) iriam perder todas as suas acções sem sequer disso se aperceberem. De imediato, Thabit foi para casa desesperado e não saiu até que o Profeta e os “sahabah” (companheiros) deram pela sua falta.
Quando o foram visitar e lhe perguntaram onde tinha estado, ele disse-lhes que tinha ficado aterrorizado com a ideia de perder as suas acções, na me- dida em que também ele falava mais alto que o Profeta, embora apenas falasse alto devido ao seu problema de audição. Mais tarde, o Profeta (s.a.w.) reconfortou-o, dizendo-lhe que ele pertencia ao povo que iria para o Paraíso.
A forma como Satanás se aproveita das discussões
Quando Abu Bakr e Umar (r.a.) discutiram, fizeram-no na pior das alturas e na pior das situações. À sua frente tinham o Profeta (s.a.w.) e estavam rodeados pelos delegados de uma nova tribo que queria abraçar o Islão. “Shaitan” (Satanás) iria fazer tudo o que fosse preciso para deitar por terra qualquer oportunidade de o Islão prosperar.
Nesta situação, fez com que dois irmãos muçulmanos se desentendessem ao ponto de um aspecto mais importante do que a escolha de um líder (isto é, o respeito pelo Profeta) ter sido ignorado.
Quando os humores se exaltam nas discussões com a família, amigos, ou no trabalho de “da`wah”, nunca deixem que “Shaitan” aproveite das vossas diferenças em seu benefício.
Corrigir-nos a nós próprios
Os “sahabah” não eram super-homens, livres de cometer qualquer erro. O que os tornou extraordinários e em modelos para nós, foi antes a forma como corrigiam os seus erros.
Imagine que descobria que você e a sua família tinham perdido tudo que tinham e que estavam na bancarrota. Deixaram de ter bens, casa ou carros e não tinham dinheiro.
Agora imagine que perdia todas as suas boas acções. Qual das perdas o deixaria mais devastado?
Os “sahabah” consideravam que perder as boas acções era das piores coisas que lhes podia acontecer.
Da próxima vez que discutirmos com os nossos irmãos ou irmãs muçulmanos, devemos lembrar-nos da forma como agiram e reagiram Abu Bakr e Umar (r.a.) e assegurar o respeito pelo Profeta (que a paz esteja com ele) e pela sua Sunnah, sem nos deixarmos afectar pelas circunstâncias em que nos encontramos.