Por Siraj Wahab
in Arab News
ARAFAT, 30 de Dezembro de 2006 – A realidade ultrapassa de facto a ficção. Este lugar comum ouve-se frequentemente e permanecerá um lugar comum até nos depararmos com uma história que decididamente nos provoca uma agradável comoção.
A história real de Mahboo Hasan poderá parecer uma excepção para aqueles que não estão familiarizados com as tradições interconfessionais da Índia. Para outros, que têm uma consciência aguda dos horrendos conflitos comunais de Gujarat, no oeste da Índia, onde muçulmanos foram queimados vivos por hindus, constituirá certamente uma surpresa.
Hasan é natural de Aurangabad, no estado indiano de Maharashtra, e é um dos milhares de peregrinos que se encontram unidos como muçulmanos aqui nas planícies de Arafat, onde o profeta Maomé (que a paz esteja com ele) proferiu o seu último sermão. A presença de peregrinos em Arafat representa o auge da peregrinação a Meca (Haj).
Hasan pôde estar aqui ontem graças ao apoio de uma família que regressava a casa – uma família de brâmanes.
A relação entre Hasan e a Família Jagtap começou nos anos 60, quando ele tinha um cargo humilde no Departamento de Cooperativas do Governo. O seu chefe era então Harishandra Jagtap. A família Jagtap viria a ter um filho, chamado Surendra, e ofereceram a Hasan um trabalho como ama da criança. Era Hasan que levaria Surendra à única escola inglesa existente na cidade. Agora, com quase 40 anos de idade, Surendra exerce a profissão de engenheiro, no Dubai.
A família Jagtap nunca se esqueceu da lealdade de Hasan, após este se ter reformado. A Sra. Jagtap decidiu enviar Hasan a Meca, com todas as despesas pagas. Explicou a decisão ao seu filho e relembrou-lhe tudo o que Hasan havia feito por ele na altura em que andava na escola. Surendra disse que iria suportar todos os custos da peregrinação de Hasan, mas a Sra. Jagtap insistiu em pagar todas as despesas, e assim foi.
“Ouvir uma história como esta é comovente”, afirmou um jornalista que cobria a Peregrinação a Meca (Haj). “Na nossa sociedade há quem desaprove qualquer tipo de associação entre muçulmanos e não-muçulmanos. Na verdade, vivemos numa comunidade global e se a intenção de um ser humano para com o outro é boa, então deveríamos agradecer a Deus por tal benção.”
Para muitos indianos é habitual gastarem as poupanças de uma vida inteira para rumarem a Meca, mas Hasan, que sempre recebeu salários baixos e quase não tinha poupanças para garantir o seu sustento após a reforma, concluiu a determinada altura da sua vida que teria simplesmente de desistir da sua peregrinação.
Porém, graças ao gesto da Sra. Jagtap, Hasan pôde ir a Meca sem gastar o dinheiro de que precisaria para a sua velhice.
“Como poderia esquecer a sua prova de afecto”, terá dito ontem aos seus amigos.
“São pessoas muito simpáticas. O Sr. Jagtap era uma pessoa muito simpática. Morreu há alguns anos. Ele partilhou da minha felicidade e da minha dor naqueles tempos difíceis. Trataram-me como sendo um deles. Eles são um prolongamento da minha família e eu faço parte do prolongamento da família alargada deles.” Dez dias após Hasan ter partido para Meca, a Sra. Jagtap faleceu. Um dos últimos gestos da mulher hindu foi oferecer a Hasan 300,000 rupias para pagar a viagem da sua vida. Hasan diz que a família Jagtap está presente nas suas orações, aqui em Arafat.
“As pequenas coisas podem não ser nada, mas transmitem paz, como aquelas flores de prado que individualmente aparentam não ter cheiro, mas que em conjunto perfumam o ar.”