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Carta a Obama

Autor: Adolfo Pérez Esquivel
Fonte: http://www.cubadebate.cu/opinion/2011/05/09/carta-a-obama-de-perez-esquivel/?TB_iframe=true&height=500&width=940

O Prémio Nobel da Paz em 1980, Adolfo Pérez Esquivel (Opinião – 13/05/2011 -)

Estimado Barack:

Ao dirigir-te esta carta, faço-o fraternalmente para, ao mesmo tempo, te expressar a preocupação e a indignação de ver como a destruição e a morte ensombram vários países, em nome da “liberdade e da democra-cia”, duas palavras prostituídas e vazias de conteúdo, que terminam justificando um assassinato que é celebrado como se de um evento desportivo se tratasse.

Indignação pela atitude dos sectores populacionais dos EUA, de chefes de Estado europeus, e de outros países que vieram apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado pelo teu governo e pela tua complacência, em nome de uma pretensa justiça.

Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes alegadamente cometidos, o que gera ainda mais dúvidas, o objectivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e o medo do executado, que poderia dizer coisas não convenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa senão incrementá-la.

Quando te outorgaram o Prémio Nobel da Paz, do qual somos fiéis depositários, enviei-te uma carta que dizia: “Barack, muito me surpreendeu que te tenham outorgado o Nobel da Paz, mas, agora que o recebeste, deves colocá-lo ao serviço da Paz entre os povos, tens todas as possibilidades de o fazer, de terminar as guerras e começar a reverter a situação em que vive o teu país e o mundo”.

No entanto, ao invés disso, incrementaste o ódio e traíste os princípios assumidos na campanha eleitoral perante o teu povo, como colocar um final às guerras no Afeganistão e no Iraque, e fechar as prisões em Guantá-namo e Abu Graib no Iraque. Nada disso lograste fazer, pelo contrário, decides começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela NATO e pela vergonhosa resolução das Nações Unidas em apoiá-la; quando esse alto organismo, diminuído e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e se submete aos caprichos e interesses das potências dominantes.

A base funcional da ONU é a defesa e a promoção da Paz e da Dignidade entre os povos. No seu preâmbulo destaca-se: “Nós, os povos do mundo (…)”, hoje ausentes desse alto organismo.
Quero recordar um místico, e mestre, que tem uma grande influência na minha vida, o monge trapista da Abadia de Getsemaní, no Kentucky, Thomas Merton, que diz: “A maior necessidade dos nossos tempos é limpar a enorme massa de lixo mental que entope as nossas mentes e converte toda a vida política e social numa enfermidade das massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos, não podemos pensar”.

Eras muito jovem Barack, durante a guerra do Vietnam, e talvez não te recordes da luta do povo norte-americano contra a guerra.

Os mortos, os feridos e os mutilados no Vietnam sofrem as consequências até aos dias de hoje.
Thomas Merton dizia, frente a um carimbo dos Correios que acabava de chegar ‘The U.S. Army, key to Peace’ (Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é a chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com a paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam a paz e a destroem.”

Partilhei e acompanhei os veteranos da guerra do Vietnam, incluindo Brian Wilson e os seus companheiros, os quais foram vítimas indefesas dessa e de todas as outras guerras.

A vida tem esse não-sei-quê de imprevisto e da surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade, e que deve-mos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, res-tabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra. Se não agirmos para mudar o actual estado de soberba suicida, que arrasta actualmente os povos a abismos profundos onde a esperança morre, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor.

Sabes que a esperança é como essa flor de Lótus, que cresce no lodo e floresce em todo o seu esplendor mostrando a sua beleza.

Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, sai-se por cima”.

E creio Barack, que depois de seguires a tua rota errando caminhos, te encontras agora num labirinto do qual não encontras saída, enterrando-te mais e mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado por grandes corporações, pelo complexo militar-industrial, e acreditas ter todo o poder e que tudo podes, posto que o mundo está aos pés dos EUA, porque invadem países e impõem a força das armas com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

São tão grandes as atrocidades cometidas pelo teu país no mundo que dariam assunto para muito tempo, é um desafio para os historiadores que necessitarão investigar e compreender os comportamentos, políticas, gran-dezas e pequenezes políticas, que levaram os EUA à monocultura das mentes de tal forma que não lhes permite ver outras realidades.

A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gémeas, identificam-no como um Satanás encarnado, que aterrorizava o mundo, e a propaganda do teu governo apontava-o como o “eixo do mal”, e isso serviu-lhes de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar precisa para colocar os seus produtos de morte.

Sabes que os investigadores do 11 de Setembro indicam que o atentado possui muito de “autogolpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévio de escritórios das torres; atentado que deu motivo para lançar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão e agora contra a Líbia; argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da ‘liberdade e defesa da democracia’, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são ‘danos colaterais’. Isso vivi-o no Iraque, em Bagdad, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico, e no refúgio de crianças que foram vítimas desses ‘danos colaterais’.

A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte”, dizendo que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não tento justificá-lo por qualquer premissa, sou contra qualquer forma de terrorismo, tanto o desses grupos armados, como o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo, apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para se manter através do terror no eixo do poder mundial. Existe apenas um só “eixo do mal”? Como o chamarias?

Será por essa razão que a população dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles a que chamam de “eixo do mal”? O simplismo e a hipocrisia de justificar o injustificável.

A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio para a consciência da humanidade, o seu caminho é trabalhoso, quotidiano e esperançoso, onde os povos são construtores das suas próprias vidas e da sua própria história. A Paz não se dá de presente, ela contrai-se, e é isso que te está a faltar rapaz, coragem para assumir a responsabilidade histórica com o teu povo e com a humanidade.

Não podes viver no labirinto do medo e da dominação dos que governam os EUA, ignorando os Tratados Internacionais, os Pactos e Protocolos, de governos que assinam mas não cumprem nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas que falam em nome da liberdade e do direito.

Como podes falar de Paz quando não queres cumprir com nada, salvo com os interesses do teu país?

Como podes falar da Liberdade quando tens inocentes encarcerados em Guantánamo, nas prisões dos EUA, nas prisões do Iraque, como Abu Ghraib, e no Afeganistão?

Como podes falar de Direitos Humanos e da dignidade dos povos quando os violas a ambos permanentemente e bloqueias aqueles que não partilham a tua ideologia, obrigando-os a suportar os teus abusos?

Como podes enviar Forças Militares para o Haiti após o devastador terramoto, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?

Como podes falar de Liberdade quando massacras os povos do Médio Oriente e propagas a guerra e a tortura, em conflitos intermináveis, que sangram palestinos e israelitas?

Barack, olha para cima nesse teu labirinto, podes encontrar a estrela que te guiará, ainda que saibas que jamais a poderás alcançar, como tão bem o disse Eduardo Galeano.

Procura ser coerente entre o que dizes e o que fazes, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.

O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.

Desejo-te muita força e esperança, e espero que tenhas coragem de corrigir o caminho e assim encontrar a sabedoria da paz.

Adolfo Perez Esquivel. Nobel da Paz de 1980. Buenos Aires, 5 de Maio de 2011.

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