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A condenação da escravatura no Islão

Coord. por: M. Yiossuf Adamgy

in Revista Al Furqán, nº. 142, de Novº./Dezº.2004

Entre muitos outros conceitos errados sobre o Islão está a ideia de que ele sanciona a escravatura e permite aos seus seguidores escravizar prisioneiros de guerra, em particular mulheres e estabelecer relações extra-matrimoniais com elas. Afirmamos veementemente que o Islão não tem sequer a mais leve ligação com escravatura e concubinagem. Pelo contrário, proíbe, absolutamente, estas práticas. È deveras ultajante associar tais barbaridades com uma religião revelada para elevar a humanidade.

O aspecto que precisa de ser analisado e o qual, talvez seja a causa de ideia errada, é o de que o Islão tenha adoptado um processo gradual para abolir a instituição da escravatura devido às condições sociais prevalecentes na Arábia nessa época.

Deve-se ter sempre em mente que a escravatura era parte integral da sociedade pré-Islâmica Árabe desse tempo. Havia muitos escravos, homens e mulheres em quase todas as casas. Isto devia-se especialmente a duas razões: Primeiro, durante esses tempos, era prática habitual repartir os prisioneiros de guerra em que eles eram distribuídos entre o exército que os capturara. Segundo, havia grandes mercados de escravos na Arábia, nessa época, onde sem terem de pagar direitos, homens e mu- lheres de todas as idades eram vendidos como animais.

Nestas circunstâncias, nas quais a escravatura se tinha tornado num constituinte essencial da sociedade Islâmica, o Islão adoptou um caminho gradual para eliminá-lo. Uma ordem imediata de proibição teria criado imensos problemas sociais e económicos. Ter-se-ia tornado impossível para a sociedade, providenciar as necessidades de um grande exército de escravos, que de outro modo estariam dependentes de várias famílias. Também o tesouro nacional não se encontrava em condições de os sustentar a todos numa base permanente. Um grande número entre eles eram idosos e incapazes de se sustentarem a eles mesmos. A única alternativa que lhes restava, se eles fossem instantaneamente libertados, teria sido voltarem-se para a mendicidade e tornarem-se um fardo para a sociedade. A questão de raparigas e mulheres escravas ainda era mais crítica, tendo em conta os seus baixos padrões morais. Libertá-las, de repente, teria apenas resultado num aumento tremendo dos bordéis.

Talvez a razão que está por trás desta gradual erradicação possa ser melhor compreendida se considerarmos a posição que o proveito lucrativo ocupa na nossa economia, hoje em dia. Ninguém pode refutar que a estrutura da nossa economia nacional é orientada para o interesse do proveito lucrativo (juros). É visível a qualquer olho arguto como o parasita dos juros tem mutilado a economia nacional. Contudo, não se pode negar o facto de que sem ele o nosso actual sistema económico não se pode auto-sustentar. Qualquer pessoa razoável reconhecerá que hoje em dia se um governo quiser ver-se livre desta ameaça, então, apesar da sua superior proibição no Islão, terá de adoptar uma metodologia gradual. Durante este entretanto os negócios baseados no juro terão de ser tolerados e leis temporárias terão de ser criadas para segurar esses negócios, do mesmo modo que o Alcorão deu certas directivas temporárias relativamente aos escravos durante o período que medeia entre a sua erradicação gra- dual. Uma estrutura de economia alternativa terá de ser incorporada de forma firme no lugar da (economia) existente. Uma abolição súbita sem a existência de outra base, apenas apressará o colapso total do sistema económico, o qual, certamente, será desastroso para o país.

Para afastar um desastre e para prevenir uma catástrofe semelhante o Islão adoptou um esquema progressivo e gradual, há mil e quatrocentos anos atrás, para lidar com desumana instituição da escravatura. De seguida, estão descritas algumas das medidas que tomou neste assunto:

  1. No inicio do período de Meca declarou que a emancipação dos escravos era um grande acto de piedade. As suras iniciais da Meca apelavam aos Muçulmanos para libertarem tantos escravos quanto possível.
  2. O Profeta (s.a.w.) inequivocamente apelou aos Muçulmanos que elevassem o nível de vida dos escravos e o colocassem ao seu próprio nível. Isto, certamente tinha como objectivo desencorajá-los de persistirem em tê-los.
  3. Era divinamente ordenado para a expiação dos pecados, a libertação dos escravos (alforria).
  4. Todos os escravos, homens e mulheres, que tivessem meios para se sustentarem na sociedade eram encaminhados para que se casassem entre si a fim de elevar os seus padrões morais e sociais.
  5. Era nomeada uma pessoa permanente do tesouro público para libertar homens e mulheres escravos.
  6. Era totalmente proibida a prostituição, a qual era largamente praticada entre escravas, que eram maioritariamente forçadas pelos seus senho- res a fazê-lo.
  7. Os nomes insultuosos de ‘abd e amah’ pelos quais os escravos homens e mulheres eram chamados, foram revogados para que as pessoas parassem de os olhar como escravos. Em seu lugar foram introduzidas as palavras fata (rapaz) e fatat (rapariga)
  8. Finalmente a lei de mukatibat forneceu aos escravos um acesso muito fácil para o portão da liberdade. Cada escravo que fosse capaz de se sustentar era permitido por lei que se libertasse desde que ou ele desse uma determinada quantia em dinheiro ao seu senhor ou fizesse determinados recados para ele. Depois disto ele poderia viver como um homem livre. Uma pessoa especial no tesouro, era nomeada com este propósito; também pessoas ricas eram solicitadas para que ajudassem os escravos neste assunto. O resultado liquido desta lei foi que apenas os escravos aleijados ou demasiado velhos foram deixados para que os seus senhores os sustentassem, o que não só foi um factor em seu favor, como também evitou que eles se tornassem um peso económico para a sociedade.

No que diz respeito ao caso dos prisioneiros de guerra, o Alcorão orientou os Muçulmanos para que os libertassem, quer por generosidade quer mediante resgate. Não havia nenhuma segunda opção:

“E quando vos enfrentardes com os incrédulos, (em batalha), golpeai-lhes os pescoços, até que os tenhais dominado, e tomai (os sobreviventes) como prisioneiros. Libertai-os, então, por generosidade ou mediante resgate, quando a guerra tiver terminado. Tal é a ordem. E se Deus quisesse, Ele mesmo ter-Se-ia livrado deles; porém, (facultou-vos a guerra) para que vos provásseis mutuamente)…”. (47:4)

Como o Profeta (s.a.w.) continuou a obedecer a esta directiva constitui um capitulo de ouro da História Islâmica, e nós iremos agora descrever brevemente alguns dos seus aspectos mais importantes.

È um facto histórico bem conhecido que na batalha de Badr – o primeiro grande encontro com os Coraixitas – cerca de setenta prisioneiros foram capturados pelo exército vitorioso Muçulmano.

A maioria destes prisioneiros foram libertados contra o pagamento de uma certa quantia em dinheiro de resgate enquanto os que não conseguiam arranjar este dinheiro eram libertados se ensinassem um certo número de crianças da tribo de Ansar, a escrever.

Na batalha de Bani Mustaliq, alguns prisioneiros capturados foram libertados no campo de batalha, por generosidade, enquanto outros foram libertados sob resgate. O Profeta (s.a.w.) trouxe os restantes prisioneiros para Medina e enquanto esperavam que as suas famílias os procurassem, deixou-os sob custódia temporária dos seus Companheiros. Entre eles encontrava-se também Sayyidah Jawairiyah. O seu pai chegou com alguns camelos como resgate. O Profeta (s.a.w) questionou-o relativamente a dois camelos bem constituídos que ele tinha escondido atrás. Isto surpreendeu-o tanto – pois ele sabia que não havia maneira de o Profeta (s.a.w.) ter sabido deles – que ele aceitou a fé islâmica. Ao mesmo tempo Sayyidah também aceitou a fé. O Profeta (s.a.w.) propôs casamento à jovem ao que o pai deu o seu consentimento. Após isto o casamento foi realizado . O resultado deste casamento foi que todos os prisioneiros de guerra que restavam foram libertados pelos soldados Muçulmanos, uma vez que acharam não ser apropriado manter os parentes do Profeta em cativeiro.

Na batalha de Khaibar, após um tratado de paz com o inimigo ter ficado concluído, as forças Muçulmanas cruzaram-se com Saffiyah bint Huyee – uma viúva indefesa de uma família aristocrata. O seu pai, Huyee bin Akhtab – um proeminente líder dos Judeus – tinha sido morto na batalha de Quraizah. O Profeta (s.a.w.) libertou-a e deu-lhe a escolher entre regressar à sua família ou de casar com ele se ela quisesse. Saffiyah deu-lhe o consentimento. Em consequência, o casamento realizou-se.

Na batalha de Hunain, milhares de prisioneiros foram capturados pelo exército Muçulmano. O Profeta (s.a.w.) esperou durante muitos dias que o seu povo viesse buscá-los mas eles nunca apareceram. Assim sendo, o Profeta (s.a.w.) regressou a Medina e distribuiu-os entre os soldados. Porém, após um intervalo de muitos dias, os seus parentes apareceram. O Profeta (s.a.w.) disse que não tinha nenhuma objecção em lhes devolver a sua parte, mas no que respeitava às outras tribos, ele apenas lhes poderia pedir que o fizessem. Mais tarde, quase todas as pessoas entregaram os seus prisioneiros quando o Profeta (s.a.w.), subsequentemente, ofereceu seis camelos por cada prisioneiro dos despojos que eles obteriam na próxima batalha. Isto foi para eles o suficiente para suprir a indemnização da sua parte.

Por conseguinte, o Profeta Muhammad (s.a.w.), ao longo da sua missão, seguiu as directivas do Alcorão de libertar os prisioneiros de guerra, tanto por generosidade ou mediante resgate. Porém, há talvez apenas uma situação na vida do Profeta que se pode tornar uma fonte de má interpretação neste campo. Isto aconteceu quando da batalha com a tribo Judaica de Banu Quraizah, em que todos os prisioneiros homens foram executados e as mulheres e crianças foram feitas escravas. Uma análise de todo o assunto mostra que o exército Muçulmano tinha sitiado o forte deles durante quase um mês. Finalmente, eles pediram para ser nomeado Sa’ad bin Mu’aaz, líder da tribo de Aus, como árbitro e prometeram aceitar de boa vontade a sua decisão. Mas Sa’ad bin Um’azz, para grande tristeza deles, tomou a sua decisão de acordo com a Shariah Judaica. De acordo com a Shariah Judaica os prisioneiros homens eram executados enquanto as mulheres e crianças eram tornadas escravas.(1) É, portanto, claro que a Shariah Islâ- mica não podia vir em socorro deles neste assunto uma vez que confrontaram o assunto de acordo com a sua própria lei e através de uma pessoa que eles mesmo tinham nomeado como mediador.

Durante o final do reinado dos Califas Piedosos também a prática da abolição da instituição da escravatura continuou com toda a força. Contudo, apesar de todas estas medidas extensivas terem atra- vessado quase metade de uma década, é um facto adquirido que não foi senão na viragem deste século que a humanidade foi capaz de se livrar completamente desta instituição. Acreditamos que a razão para tal, deve ser procurada nas complexidades sociais que existem numa comunidade. È extremamente difícil erradicar hábitos e tradições que estão profundamente enraizados numa sociedade. A sociedade como um todo não aceitou a reforma come- çada pelo Islão. Uma situação semelhante pode ser observada no caso do quadro político enfrentado pelo Islão. Ele condenou totalmente a instituição da ditadura na qual um governante déspota e os seus poucos homens de confiança exerciam poderes absolutos. Estabeleceu um governo que era demo- crático no sentido de que alcançou o governo atra- vés de um mandato maioritário. Ao longo do reinado dos Califas Piedosos este princípio permaneceu em força para a eleição do governante. Contudo, depois do fim do reinado dos Califas Piedosos, a sociedade Árabe rejeitou este sistema e retrocedeu para a ditadura.

(1) – Quando marcharem para atacarem uma cidade, façam uma oferta de paz ao seu povo. Se eles aceitarem e abrirem os seus por- tões, todas as pessoas nela se devem submeter a trabalhos forçados e trabalhar para vós. Se eles recusarem a fazer a paz e vos enfrentarem em batalha, façam cerco a essa cidade. Quando o Senhor vosso Deus a entregar na vossa mão, ponham sob a espada (matem) todos os homens dela (cidade). Quanto às mu- lheres e crianças, o gado e tudo o resto da cidade, podeis tomá-los como produto de saque para vós mesmos. E podem usar o saque que o Senhor vosso Deus vos dá dos seus inimigos. É assim que devem tratar todas as cidades que estão distantes de vocês e que não pertençam a países vizinhos. – (Deuteronómio, 20:10-15)

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