Coord. por M. Yiossuf Adamgy In revista Al Furqán, nº. 181, de Maio/Junho.201
A total dependência da Revelação e da submissão a Deus (ár. Allah):
Embora cada Profeta fosse um ser inteligente e dotado de um amplo entendimento e de uma alma pura, estas características não desempenham nenhum papel no que diz respeito à es-colha de um Profeta por Allah. A maior parte dos Profetas (paz esteja com eles), inclusive Muhammad (s.a.w.), eram iletrados (ou quase) e, por conseguinte, foram instruídos por Allah.
O Profeta Muhammad (s.a.w. = paz e bênçãos de Deus estejam com ele), apesar do seu analfabetismo, tinha conhecimento do passado e do futuro, e perspicácia em cada ramo do conhecimento. Não assistiu a nenhuma aula, nem teve nenhum professor humano, e até mesmos os seus inimigos admitiram – e, continuam, ainda a admiti-lo – que demonstrou aplicar uma justiça perfeita em assuntos familiares, ser perfeitamente competente na administração estatal e no comando dos exércitos.
Os Profetas foram criados por Allah. Para citar um exemplo, o último Profeta recordou o seguinte: ‘Durante a minha infância, pensei, em duas ocasiões, assistir a uma cerimónia de casamento. Em ambas as ocasiões, fui vencido pelo sono a meio do caminho – e, portanto, estava protegido contra qualquer pecado que eu mesmo proibiria mais tarde’. [1]; e ‘quando estávamos a reparar a Caaba, antes da minha Profecia, eu levava pedras. Como todos faziam, enrolei a parte de baixo da minha roupa sobre o ombro para evitar ferimentos. A minha coxa ficou destapada. De repente, o anjo que eu já tinha visto várias vezes na minha infância apareceu em toda a sua grandeza. Caí e desmaiei. Isto acontecera porque tinha destapado uma parte do corpo que Allah ordena que tapemos’. [2].
Os Profetas foram protegidos por Allah contra todos os erros, pois, foram criados com um propósito singular. Foram protegidos para não se desviarem da sua missão, pois, o menor desvio poderia causar a perdição de toda a humanidade.
A Profecia é dignificada pela Revelação Divina:
‘E também te inspiramos com um Espírito, por ordem nossa, antes do que não conhecias o que era o Livro, nem a fé; porém, fizemos dele uma Luz, mediante a qual guiamos quem Nos apraz dentre os Nossos servos. E tu, certamente, te orientas para uma senda recta’. (Alcorão, 42:52).
Por conseguinte, os Profetas nunca falaram pela sua própria iniciativa: ‘Nem fala por capricho. Isso não é senão a inspiração que lhe foi revelada’. (Alcorão, 53:3-4).
O Profeta Muhammad (s.a.w.), em particular quando lhe perguntavam coisas sobre os fundamentos da crença, aguardava a Revelação. Por vezes, os politeístas pediam-lhe que alterasse o Alcorão. Mas, como se trata de uma Escritura Divina, cuja expressão e significado pertencem por completo a Allah, o Profeta respondia como tinha sido instruído por Allah: ‘Mas, quando lhes são recitados os Nossos lúcidos versículos, aqueles que não esperam o comparecimento perante Nós, dizem: Apresenta-nos outro Alcorão que não seja este, ou, por outra, modificado! Dize: Não me incumbe modificá-lo por minha própria vontade; atenho-me somente ao que me tem sido revelado, porque temo o castigo do dia aziago, se desobedeço ao meu Senhor’. (Alcorão, 10:15).
Os Profetas submeteram-se totalmente a Allah e cumpriram a sua missão apenas porque Allah lhes ordenou que assim o fizessem. Jamais transgrediram ou se desviaram do seu caminho para terem êxito. Quando se depararam com ameaças ou ofertas sedutoras, responderam com palavras similares àquelas do Profeta Muhammad (s.a.w.): ‘Juro por Allah que embora pusessem o sol na minha mão direita e a lua na minha mão esquerda para que abandonasse esta missão, eu não a abandonaria’. Ele sabia que o Alcorão é a Palavra de Allah e, assim, também suportou a dificuldade e a oposição. [3].
A fidelidade e a boa vontade:
Os Profetas eram completamente dignos de confiança e não pediram nenhum salário pelos seus serviços; esta característica tão importante é mencionada cinco vezes no capítulo dos Dourados. Todos os Profetas disseram o mesmo: ‘Na verdade, eu sou para vós um Mensageiro fidedigno. Por isso, temei a Allah e obedecei-me. Não vos exijo nenhuma remuneração por isso; a minha recompensa apenas virá do Senhor dos Mundos’. (Alcorão, 26:107-9, 125-127, 143-45, 162-64, 178-80).
No seio do seu próprio povo, o Profeta Muhammad (s.a.w.) era conhecido pela sua honestidade, mesmo antes da sua proclamação da Profecia. Era conhecido como ‘al-Amin, que diz a verdade’. Como os seus antepassados, não pediu nenhum salário por chamar as pessoas para Allah.
Os Profetas nunca pensaram na ganância material, na recompensa espiritual, nem no Paraíso; esforçaram-se apenas para agradar a Allah e ver a humanidade a dirigir-se em direcção à verdade. O Profeta Muhammad (s.a.w.) era, neste sentido, o mais importante. Assim, como dedicou a sua vida ao bem-estar da humanidade neste mundo, também o fará no lugar de reunião no Dia do Juízo Final. Enquanto todos os demais se preocuparão apenas com eles mesmos, ele prostrar-se-á perante Allah, suplicará pela salvação dos muçulmanos, e inter-cederá perante Allah a favor dos outros. [4].
Aqueles que pretendem difundir os valores eternos do Islão deveriam seguir estas práticas. Qualquer mensagem baseada numa intenção impura, independentemente da eloquência, não terá nenhum efeito sobre as pessoas. Este aspecto é frequentemente sublinhado no Alcorão: ‘Segui aqueles que não vos exigem recompensa alguma e são encaminhados’! (Alcorão, 36-:21).
O Imame Busiri expressa o altruísmo, a sinceridade e a paciência do Mensageiro de Allah: ‘As montanhas desejariam correr sobre as ladeiras de montes de ouro, mas ele recusou’. Aisha (r.a.) relatou que, às vezes, em sua casa, não preparava nenhuma refeição durante quatro dias consecutivos. [5] Abu Hurayra (r.a.) também relata o seguinte: ‘Uma vez, entrei no quarto do Profeta. Estava a fazer salat (oração) sentando e a chorar. Perguntei-lhe se estava doente. Respondeu-me que tinha muita fome para poder estar de pé. Comecei a soluçar amargamente mas detive-me, dizendo: ‘Não chores, aquele que suporta a fome neste mundo estará a salvo do castigo de Allah no outro mundo” [6].
Um dia, um anjo apareceu e perguntou ao Mensageiro de Allah: ‘Ó Mensageiro de Allah! Allah saúda-te e pergunta se gostarias de ser um rei-Profeta ou um escravo-Profeta!’. Gabriel recomendou-lhe humildade. O Profeta levantou a voz e respondeu: ‘Desejo ser um escravo-Profeta, que um dia suportará a forme com pa-ciência e um dia derramar-me-ei em elogios ao meu Senhor, adquirindo, assim, a recompensa da paciência e do louvor.’ [7].
O Mensageiro de Allah costumava comer na companhia de escravos e servos. Um dia, uma mulher viu-o a comer com eles e disse: ‘Come como se fosse um escravo’. O Mensageiro de Allah respondeu-lhe: ‘Haverá um escravo melhor que eu? Sou um servo de Allah’. [8].
O Mensageiro de Allah é, por esta virtude, o Seu servo, o nosso mestre e o da criação, como o disse, com eloquência, Ghalib Dada:
Um rei exaltado,
O Rei dos Mensageiros, o meu Mestre.
É uma fonte interminável de ajuda
Para o indefeso, meu Mestre.
Allah honrou-te jurando por tua vida
No Alcorão, meu Mestre.
Na Presença Divina,
És o maior, meu Mestre.
És o amado, o louvável,
O louvado de Allah, meu Mestre.
És o nosso Rei Eterno,
Enviado a nós por Allah, meu Mestre.
Sinceridade completa:
Outra característica indispensável é a sinceridade, que, neste contexto, significa ‘a pureza da intenção, fazer tudo apenas por Allah’. Pedem-nos que adoremos a Allah com sinceridade: “E lhes foi ordenado que adorassem sinceramente a Allah, fossem monoteístas [seguidores da religião da Tawhid – Unicidade – do Profeta Abraão (a.s.)], observassem a oração e pagassem zakat; esta é a verdadeira religião.” (Alcorão, 98:5).
Allah também menciona a sinceridade como o principal atributo dos Profetas e faz referência a Moisés (a.s.). ‘E menciona Moisés, no Livro, porque foi leal e foi um Mensageiro e um Profeta’. (Alcorão, 19:51). Adoramos a Allah apenas porque somos os Seus servos e Ele disse-nos que assim procedêssemos. Obedecer-lhe permite que asseguremos o Seu beneplácito e que sejamos recompensados no Além. Said Nursi, o grande pensador turco do século XX, disse: ‘Faz tudo o que fazes apenas por Allah, começa por Allah, trabalha por Allah, e actua procurando obter a Sua aprovação’. [9].
O Último Profeta de Allah adorou-O com tanta sinceridade que as pessoas podiam dizer: ‘Ninguém podia permanecer tão humilde como ele era no início da sua carreira, e continuar assim depois de alcançar o topo. Muhammad (s.a.w.) foi um homem excepcional’. Ele é tão grande e sublime que estaremos em pé, diante dele, mostrando-lhe respeito, embora ele costumasse advertir os seus Companheiros dizendo-lhes: ‘Quando eu chegar, não vos levanteis como o fazem os persas (relativamente às pessoas mais velhas)’. [10].
Embora os seus Companheiros o respeitassem de modo absoluto, este considerava ser um pobre servo de Allah. O mesmo se verificou no dia da conquista da Meca (ár. Makkah), quando iniciou a sua missão humildemente. No início da sua missão, sentava-se e comia com os pobres e com os escravos. Quando entrou triunfalmente em Meca, estava montado no dorso de uma mula com tamanha submissão e humildade profunda perante Allah que a sua face tocava a albarda. Prostrou-se perante Allah e refugiou-se n’Ele para não ser um conquistador tirânico e arrogante. O Mensageiro tinha apenas um objectivo: agradar a Allah e adorá-Lo com sinceridade. Fazia-lo conforme o mencionou num hadith famoso: ‘A virtude é adorar a Allah como se O visses, porque, certamente, embora não O vejas, Ele certamente te vê a ti’. [11].
Apelar as pessoas com sabedoria e amabilidade:
Outro atributo dos Profetas é apelar as pessoas, com sabedoria e boa exortação, para o caminho que conduz até Allah. Nunca recorreram à demagogia e à retórica, mas actuaram e falaram sabiamente. Allah ordenou ao Seu Maior e Último Mensageiro: ‘Chama para o caminho do teu Senhor através da sabedoria e da boa exortação, e convencendo-os da melhor forma’. (Alcorão,16:125). As pessoas são muito mais do que mente e coração. Somos seres complexos dotados de muitas faculdades, incluindo a mente, o intelecto, o coração e a alma. Todas as nossas faculdades, até as mais íntimas, requerem satisfação. Os Profetas dirigiram-se a todas elas. Aqueles que foram instruídos pelos Profetas adquiriram certeza e a sua perspectiva diferiu daqueles que tinham uma visão limitada do exterior e careciam de perspicácia e de perspectiva espiritual. A sua convicção nas verdades religiosas era inquebrantável e eram continuamente alimentados através da Revelação Divina. Associaram o discurso à acção, o conhecimento à prática, e a acção à contemplação. Ali ibn Abu Talib (r.a.), entre outros, disse: ‘Se se levantasse o véu do Invisível, a minha certeza não aumentaria’. [12]. Não havia mais nenhum grau de certeza que tivessem de alcançar. A instrução dada pelos Profetas aos seus discípulos, a função dos Profetas, é descrita com exactidão: ‘Assim também escolhemos, dentre vós, um Mensageiro de vossa raça para vos recitar Nossos versículos, purificar-vos, ensinar-vos o Livro e a sabedoria, bem como tudo quanto ignorais’. (Alcorão, 2:151).
Chamar a humanidade para a Unidade de Allah:
A pedra angular da missão profética é pregar a Unidade Divina. Todos os Profetas concentraram-se neste princípio básico: ‘Minha gente, adorai à Allah; não tenhais nenhum outro deus além d’Ele’ (Alcorão, 11:84) . Allah enviou pelo menos um Profeta a cada grupo humano. O facto de todos eles, ao longo do tempo, e para lá do lugar, concordarem com este princípio básico demonstra que não falaram nem actuaram sozinhos; tudo o que fizeram foi ensinar a Mensagem recebida de Allah. Os filósofos e os pensadores, não importa quão importantes possam ser, discordam entre eles porque dependem do seu próprio intelecto e conclusões. Muitas vezes, a mesma escola filosófica ou sociológica contem diferentes opiniões. Este fenómeno não se verifica entre os Profetas, o que prova que um Só, Eterno Mestre – Allah – os instruiu e que não foram dirigidos pelo raciocínio deficiente do ser humano. Esta unidade da crença é uma prova evidente da Unidade Divina, o princípio fundamental da sua missão, como foi declarada por Muhammad (s.a.w.): ‘A mais meritória das palavras ditas por mim e pelos Profetas antes de mim é: ‘Não há nenhuma divindade além de Allah, Ele é Uno, não tem nenhum companheiro”. [13]
NOTAS:
- Ibn Kaçir, Al-Bidaya, 2:350.
- Bukhari, “Hayy”, 42; Ibn Kaçir, Al-Bidaya, 2:350
- Ibn Hisham, “Sira”, 2:285.
- Bukhari, “Tauhid”, 36; Muslim, “Iman” 326.
- Bukhari, “Riqaq”, 17; Muslim, “Zuhd,” 28.
- Muttaqi al-Hindi, Kanz al-‘Ummal, 7:199.
- Ibn Hanbal, 2:231; Al-Hindi, 7:191; Hayzami, Mayma’al-Zawa’id, 9:18-19.
- Hayzami, 9:21.
- Bediüzzaman Said Nursi, Kalimat, 1:5.
- Abu David, “Adab”, 152; Ibn Hanbal, 5:253.
- Bukhari, “Iman”, 47; Muslim, “Iman,” 5:7.
- ‘Ali al-Qari, Al-Asrar al-Marfu’a, 286.
- Imam Malik, Muwatta, “Hayy”, 246; Hindi, Kanz al-‘Ummal, 5:73.