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Said ibn Aamir al-Jumahi (R.A.)

Said ibn Aamir al-Jumahi foi um dos milhares que partiu para a região de Tanim, nos arredores de Meca (ár. Makkah), convidado pelos dirigentes Coraixitas para assistir ao assassínio de Khubayb ibn Adiy, um dos companheiros de Muhammad (que Allah derrame bênçãos e paz sobre ele) que eles tinham capturado traiçoeiramente.

Com a sua exuberante juventude e vigor, Said empurrava procurando caminho através da multidão até alcançar os dirigentes Coraixitas, homens como Abu Sufyan ibn Harb e Safwan ibn Umayyah, que comandavam a procissão.

Agora ele podia ver o prisioneiro dos Coraixitas acorrentado, as mulheres e as crianças empurrando-o para o lugar preparado para a sua morte. A morte de Khubayb seria a vingança pelas perdas dos Coraixitas na batalha de Badr.

Quando a multidão chegou com o prisioneiro ao lugar marcado, Said ibn Aamir escolheu a sua posição num ponto elevado para observar Khubayb enquanto ele se aproximava da cruz de madeira. De lá, ele podia ouvir a voz firme, mas calma, de Khubayb, no meio dos gritos das mulheres e das crianças:

“Se puderem, deixem-me rezar dois rakaats antes de morrer”. Isto os Coraixitas permitiram.

Said olhou para Khubayb enquanto este voltava a face para a Caaba (ár. Kaabah) e rezava. Quão maravilhosos e tranquilizantes pareciam aqueles dois rakaats! Depois ele viu Khubayb voltando-se para os dirigentes Coraixitas: “Por Deus, se pensaram que eu pedi para rezar com medo da morte, vou pensar que a oração não valeu o trabalho”, disse ele.

Said viu depois o seu povo começar a desmembrar o corpo de Khubayb enquanto ele ainda estava vivo e a escarnecer dele.

“Gostarias que Muhammad estivesse no teu lugar enquanto tu ficavas em liberdade”?

Com o sangue escorrendo, ele respondeu: “Por Deus, eu não ia querer salvar-me e ficar em segurança com a minha família enquanto um espinho ferisse Muhammad”. O povo agitou os seus punhos no ar e gritando acrescentou: “Matem-no. Matem-no”!

Said viu Khubayb erguer os seus olhos para os céus por cima da cruz de madeira. “Conta-os todos, ó Senhor”, disse ele. “Destrói-os a todos e não deixes que escape algum”.

Depois disso, Said não conseguiu contar quantas lanças e espadas trespassaram o corpo de Khubayb.

Os Coraixitas voltaram para Meca e, nos dias cheios de acontecimentos que se seguiram, eles esqueceram Khubayb e a sua morte. Mas Khubayb nunca saiu do pensamento de Said, aproximando-se agora do espírito da natureza humana. Said via-o em sonhos enquanto dormia e visualizava Khubayb à sua frente rezando os seus dois “rakaats”, calmo e resignado, diante da cruz de madeira. E ele ouvia o eco da voz de Khubayb enquanto ele rezava para que os Coraixitas fossem punidos. Ele ficava com medo que um trovão que caísse do céu ou alguma calamidade o atingisse mortalmente.

Khubayb, com a sua morte, ensinara a Said aquilo que ele não tinha percebido anteriormente – a vida real era a fé e a convicção, e lutar no caminho da fé, mesmo até à morte. Também lhe ensinou que a fé que é profundamente tingida numa pessoa opera maravilhas e faz milagres. Ensinou-lhe ainda algo mais, que o homem que é amado por seus companheiros com um tal amor como o de Khubayb só podia ser um Profeta com apoio Divino.

Assim estava aberto o coração de Said para o Islão (ár. “Içlam”). Ele levantou-se na Assembleia dos Coraixitas e anunciou que era responsável pelos seus pecados e aflições. Ele renunciou aos seus ídolos e às suas superstições e proclamou a sua entrada na religião de Deus.

Said ibn Aamir migrou para Medina (ár. “Madinah”) e juntou-se ao Profeta Muhammad (que Allah derrame bênçãos e paz sobre ele). Ele tomou parte com o Profeta na batalha de Khaybar e noutras batalhas seguintes. Depois do Profeta ter falecido com a protecção do seu Senhor, Said continuou a fazer um serviço activo sob as ordens dos seus dois sucessores, Abu Bakr e Umar. Viveu uma vida única e exemplar do crente que consegue obter a Vida Futura com este mundo. Procurou a satisfação e bênçãos de Deus, acima dos desejos egoístas e prazeres corporais.

Abu Bakr e Umar conheciam bem Said pela sua honestidade e piedade. Eles ouviriam o que quer que ele tivesse para dizer e seguiriam o seu conselho. Uma vez, Said foi ter com Umar no início do seu Califado e disse:

“Aconselho-te a temer a Deus quando lidares com o povo e não temeres o povo na tua relação com Deus. Não deixes que as tuas acções se desviem das tuas palavras, pois o melhor dos discursos é aquele que é confirmado pelos actos. Considera aqueles que foram escolhidos para os assuntos dos Muçulmanos, em alto grau e como íntimos. Deseja para eles aquilo que gostas para ti próprio e para a tua família e não desejes para eles aquilo que desgostarias para ti próprio e para a tua família. Supera qualquer obstáculo para alcançar a verdade e não despedaces as críticas daqueles que criticam as matérias prescritas por Deus”.

“Quem pode avaliar isso (cabalmente), Said”? perguntou Umar. “Um homem como tu, de entre aqueles que Deus escolheu para os assuntos da Ummah (Povo, Comunidade) de Muhammad (s.a.w.) e que se sente responsável para com Deus só”, respondeu Said.

“Said”, disse ele, “eu nomeio-te para seres governador de Homs (na Síria)”. “Umar”, alegou Said, “eu suplico-te por Deus, não me obrigues a desviar-me do caminho preocupando-me com assuntos mundanos”.

Umar ficou aborrecido e disse:

“Colocaste em mim a responsabilidade do califado e agora abandonas-me.” “Por Deus, eu não te abandonarei”, respondeu Said rapidamente.

Umar nomeou-o governador de Homs e ofereceu-lhe uma gratificação. “O que devo fazer com isto, ó Amir al Muminin”? Perguntou Said. “O salário proveniente dos haveres do “al-mal” (tesouro) será mais que suficiente para as minhas necessidades”. Dizendo isto, ele prosseguiu para Homs.

Não muito tempo depois, uma delegação de Homs, composta por pessoas da confiança do Califa Umar (r.a.), veio visitá-lo a Madinah. Ele pediu-lhes que escrevessem os nomes dos pobres para que pudesse aliviar as suas necessidades. Prepararam-lhe uma lista onde o nome de Said ibn Aamir aparecia.

“Quem é este Said ibn Aamir”? Perguntou Umar.

“É o nosso amir (chefe – governador)”, responderam eles.

“O vosso amir é pobre”? indagou Umar, confuso.

“Sim”, afirmaram eles, “Por Deus, inúmeros dias se passam sem se acender o fogo na sua casa”.

Umar ficou muito comovido e choroso. Ele pegou em mil dinares, colocou-os numa carteira e disse:

“Levai-lhe os meus cumprimentos e dizei-lhe que o Amir al Muminin lhe mandou este dinheiro para o ajudar a cuidar das suas necessidades”.

A delegação foi ter com Said com a carteira. Quando ele descobriu que continha dinheiro, começou a repeli-lo, dizendo: “De Deus proviemos e a Ele certamente voltaremos”.

Disse-o de tal maneira que parecia que alguma desgraça tinha caído sobre ele. A sua esposa alarmada correu para ele e perguntou: “O que se passa, Said? Morreu o Califa (ár. Khalifah)”?

“É algo muito pior que isso”.

“Os Muçulmanos foram derrotados na batalha”?

“Algo muito pior que isso. O mundo veio a mim para corromper o meu dia de amanhã e criar a desordem na minha casa”.

“Então vê-te livre disso”, disse ela, não sabendo nada sobre os dinares.

“Queres ajudar-me nisso”? Perguntou ele.

Ela concordou. Ele pegou nos “dinares”, colocou-os em sacos e distribuiu-os pelos Muçulmanos pobres.

Não muito tempo depois, o Califa Umar ibn al-Khattab (que Allah esteja satisfeito com ele) foi à Síria para examinar as condições de lá. Quando chegou a Homs que era chamado “o pequeno Kufah”, porque, como Kufah, os seus habitantes se queixavam muito dos seus dirigentes, ele perguntou o que pensavam eles do seu Amir. Eles queixaram-se dele mencionando quatro das suas acções, cada uma mais séria que a outra.

“Vou reunir-vos com ele”, prometeu Umar.

“E vou rezar a Deus para que a minha opinião sobre ele não fique danificada. Eu costumava confiar muito nele”.

Quando o encontro foi convocado, o Califa Umar (r.a.) perguntou quais eram as queixas que eles tinham.

“Ele só sai para vir ter connosco quando o sol já vai alto”, disseram eles.

“O que tens a dizer a respeito disto, Said”? Perguntou Umar.

Said ficou silencioso por um momento, depois disse: “Por Deus, eu realmente não queria dizer isto mas parece que não há outra saída. A minha família não tem quem ajude em casa, por isso eu tenho que me levantar todas as manhãs e preparar a massa de farinha para o pão. Espero um pouco até que suba e fique o pão cozido no forno, para eles. Depois faço wudu e vou ter com o povo”.

“Qual é a vossa outra queixa “? Perguntou Umar.

“Ele não responde a ninguém à noite”, disseram eles.

Sobre isto Said disse relutantemente: “Por Deus, eu gostaria de não ter que revelar isto também, mas eu tenho deixado o dia para eles e a noite para Deus – Grande e Sublime Ele é”.

“Então qual é a vossa outra queixa dele”? Perguntou Umar.

“Ele não passa connosco um dia em cada mês”, disseram eles.

Sobre isto Said replicou: “Eu não tenho quem ajude em casa, ó Amir al-Muminin, e não tenho mais roupa alguma a não ser esta que trago comigo. Esta, eu lavo-a uma vez por mês e espero que ela seque. Depois saio quando o dia está a acabar”.

“Mais alguma queixa dele”? Perguntou Umar.

“De tempos a tempos ele desmaia nas reuniões”, disseram eles.

A isto Said respondeu: “Eu testemunhei a morte de Khubay Adiy quando eu era um mushrik (politeísta). Eu vi os Coraixitas trespassando-o e dizendo: `Gostarias que Muhammad estivesse no teu lugar?` ao que Khubayb respondeu: `Eu não ia querer salvar-me e ficar em segurança com a minha família enquanto um espinho ferisse Muhammad`. Por Deus, sempre que me lembro disso e da maneira como falhei quando lhe ia prestar auxílio, eu apenas penso que Deus não me perdoará e eu desmaio”.

Em consequência disto, Umar disse: “Louvado seja Deus. A minha impressão sobre ele não foi manchada”.

Mais tarde ele enviou mil dinares a Said para o ajudar. Quando a sua esposa viu a quantia disse: “Louvado seja Deus que nos enriqueceu por seu serviço. Compra-nos alguns mantimentos e procura quem nos ajude em casa”.

“Não há uma forma de o gastar melhor”? Perguntou Said. “Vamos gastá-lo em quem vier recorrer a nós e faremos melhor assim dedicando isto a Deus”. “Isso será melhor”, concordou ela.

Ele colocou os “dinares” em pequenos sacos e disse a um membro de sua família: “Leva isto à viúva deste e daquele, e aos órfãos de tal pessoa, para os pobres daquela família e para os indigentes da família daquela pessoa”.

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Carta de Jean-Moise Braitberg

Jean-Moise Braitberg

Escritor judeu, ao presidente de Israel
Apaguem o nome do meu avô em Yad Vashem

Nesta carta ao presidente de Israel, Jean-Moise Braitberg, escritor judeu, a quem foi assassinado o avô em Treblinka, deportado com outros familiares em campos de concentração pede ao presidente de Israel que retire o nome dos seus familiares do Memorial em Israel, dedicado à memória das vítimas judias do nazismo.

Senhor Presidente do Estado de Israel

Escrevo-lhe pedindo-lhe que intervenha junto de quem de direito, para que seja retirado do Memorial de Yad Vashem, dedicado à memória das vítimas judias do nazismo, o nome do meu avô, Moshe Brajtberg, gaseado em Treblinka em 1943, assim como os dos outros membros da minha família mortos na deportação em diferentes campos nazis durante a II Guerra Mundial. Peço-lhe que atenda o meu pedido, senhor presidente, porque o que se passou em Gaza e dum modo geral, a sorte reservada ao povo árabe da Palestina desde há sessenta anos, a meu ver, desqualifica Israel como centro da memória do mal feito aos judeus, e portanto, a toda a Humanidade.

Veja, vivi desde a minha infância rodeado de sobreviventes dos campos da morte. Vi os números tatuados nos braços, ouvi os relatos das torturas; conheci os lutos impossíveis e partilhei os seus pesadelos.

Ensinaram-me que é necessário que estes crimes jamais se repitam; que jamais um homem, sentindo-se superior pela sua pertença a uma etnia ou a uma religião, despreze outro, o ultraje nos seus direitos mais elementares, que são uma vida digna em segurança, a ausência de entraves, e a esperança, por mais longínqua que seja, dum futuro de serenidade e de prosperidade.

Ora, senhor presidente, observo que, apesar das muitas dezenas de resoluções decididas pela comunidade internacional, apesar da gritante evidência da injustiça cometida contra o povo palestiniano desde 1948, apesar das esperanças nascidas em Oslo e apesar do reconhecimento do direito dos judeus israelitas a viver em paz e segurança, muitas vezes reafirmado pela Autoridade palestiniana, as únicas respostas dos sucessivos governos do seu país têm sido a violência, o sangue derramado, o encarceramento, os controlos incessantes, a colonização, as espoliações.

Dir-me-á, senhor presidente, que é legítimo, ao seu país, defender-se contra os que lançam roquetes sobre Israel, ou contra os kamikazes que arrastam consigo nu

merosas vidas israelitas inocentes. A isto responder-lhe-ei que o meu sentimento de humanidade não varia conforme a nacionalidade das vítimas.

Pelo contrário, senhor presidente, o senhor dirige os destinos de um país que pretende, não só representar todos os judeus, mas também a memória dos que foram vítimas do nazismo. Isso é que me diz respeito e que me é insuportável. Mantendo no Memorial de Yad Vashem, no coração do Estado judeu, o nome dos meus próximos, o seu Estado retém a minha memória familiar prisioneira detrás do arame farpado do sionismo, para a tornar refém de uma pretensa autoridade moral que comete todos os dias a abominação que é a negação de justiça [1]

Assim sendo, faça o favor de retirar o nome do meu avô do santuário dedicado à crueldade feita aos judeus, de modo que não sirva para continuar a justificar a que é feita aos palestinianos.

Queira aceitar, senhor presidente, a minha respeitosa consideração.

Notas:

[1] No original “déni de justice”, que na língua francesa tem o significado de recusa, pelo Juiz ou pelo Tribunal, de realizar o acto de justiça, que é parte integrante da sua função (N.T.)

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Aamir ibn Abdullh ibn al-Jarrah (r.a.) – conhecido como Abu Ubaydah

Traduzido e adaptado por: M. Yiossuf Adamgy

A sua aparência era impressionante. Era magro e alto. Tinha a face luminosa e uma barba dispersa. Era agradável olhar para ele e vivificante conhecê-lo. Extremamente cortês e humilde, e um pouco tímido. Todavia, numa situação dura, tornava-se tremendamente sério e alerta, parecendo a lâmina cintilante duma espada com a sua severidade e agudeza.

Ele era descrito como o Amin ou Guarda da Comunidade de Muhammad (s.a.w. = paz e bênçãos de Deus estejam com ele). De seu nome completo Aamir ibn Abdullh ibn al-Jarrah (r.a.), era conhecido como Abu Ubaydah. A seu respeito disse Abdullah ibn Umar (r.a.), um dos companheiros do Profeta (s.a.w.):

“Não encontrarás povo algum que creia em Deus e no Dia do Juízo Final, que tenha relações com aqueles que contrariam Deus e o seu Mensageiro, ainda que sejam seus pais ou seus filhos, seus irmãos ou parentes. Para aqueles, Deus lhes firmou a fé nos corações e os confortou com o Seu Espírito, e os introduzirá em jardins, sob os quais correm os rios, onde habitarão eternamente. Deus está bem contente com eles, e eles estão bem contentes com Ele. Eles são o partido de Deus. Não é o partido de Deus que prospera?” (58:22).

A resposta de Abu Ubaydah em Badr quando confrontado por seu pai não foi inesperada. Ele tinha obtido uma força de fé em Deus, devoção à sua religião e um nível de interesse pela ummah de Muhammad (s.a.w.) que eram aspirados por muitos.
É relatado por Muhammad ibn Jafar (r.a.), um companheiro do Profeta (s.a.w.), que uma delegação Cristã veio ter com o Profeta e disse:

“Ó Abu-l Qassim, manda um dos teus companheiros connosco, um em quem tu estejas bem satisfeito, para julgar entre nós sobre questões peculiares com as quais discordamos. Temos uma elevada consideração pelo povo Muçulmano”.
“Vinde ter comigo esta noite”, respondeu o Profeta, “e eu vos mandarei um que é forte e merecedor de confiança”.

Umar ibn al-Khattab (r.a.) ouviu o Profeta dizer isto e mais tarde disse: “Eu fui cedo ao Zuhr (Oração do Meio-Dia) esperando desde logo ser aquele que corresponderia à descrição do Profeta. Quando o Profeta terminou a Oração, ele começou a olhar para a direita e para a esquerda, e eu levantei-me para que ele me pudesse ver. Mas ele continuou olhando entre nós até parar em Abu Ubaydah ibn al-Jarrah (r.a.). Ele chamou-o e disse: `Vai com eles e julga entre eles com verdade sobre aquilo em que estão em desacordo’. E assim Abu Ubaydah conseguiu a nomeação”.

Abu Ubaydah não era apenas merecedor de confiança. Ele manifestava muito empenho no cumprimento do seu cargo. Este empenho foi demonstrado em várias ocasiões.

Um dia o Profeta enviou um grupo de seus Sahabah (Companheiros) para encontrar a caravana dos Coraixitas. Ele nomeou Abu Ubaydah como amir (líder) do grupo e deu-lhes um saco de tâmaras e nada mais como provisão. Abu Ubaydah deu a cada homem sob seu comando apenas uma tâmara por dia: chuparia essa tâmara como uma criança chupa no peito de sua mãe. Beberia depois alguma água e isso seria suficiente durante todo o dia.

No dia de Uhud, quando os Muçulmanos estavam a ser derrotados, um dos muchrikin começou a gritar: “Mostrem-me Muhammad, mostrem-me Muhammad”. Abu Ubaydah foi um dos dez Muçulmanos que cercara o Profeta para o proteger das lanças dos muchrikin. Quando a batalha terminou, descobriu-se que um dos dentes molares do Profeta estava partido, a sua testa tinha levado pancadas e dois dos discos do seu escudo tinham penetrado nas suas faces. Abu Bakr correu apressadamente com a intenção de extrair os discos mas Abu Ubaydah disse:

“Por favor, deixa isso comigo”.

Abu Ubaydah tinha medo que ele pudesse causar dor ao Profeta se retirasse os discos com a sua mão. Ele puxou fortemente com os dentes um dos discos, que conseguiu extrair, mas um dos seus dentes incisivos caiu ao chão durante o processo. Com o outro incisivo, extraiu o outro disco mas perdeu também esse dente. Abu Bakr fez a seguinte observação: “Abu Ubaydah é o melhor dos homens a partir dentes incisivos”.

Abu Ubaydah continuou a envolver-se completamente em todos os importantes acontecimentos durante a vida do Profeta. Depois do amado Profeta ter falecido, os companheiros reuniram-se para escolher um sucessor no Saqifah, ou ponto de encontro de Banu Saadah. O dia é conhecido na história como o Dia de Saqifah. Neste dia, Abu Bakr as-Siddiq (r.a.) disse a Abu Ubaydah (r.a.):

“Estende-me a tua mão e eu juro fidelidade a ti, pois eu ouvi o Profeta, que a paz esteja com ele, dizer: “Toda a ummah tem um guarda e tu és o guarda desta ummah”.

“Eu não vou”, declarou Abu Ubaydah, “pôr-me em evidência na presença de um homem, a quem o Profeta, que a paz esteja com ele, ordenou que nos dirigisse na Oração e que nos dirigiu mesmo até à morte do Profeta”.

Ele fez então o juramento de fidelidade a Abu Bakr as-Siddiq. Continuou a ser um conselheiro íntimo de Abu Bakr e seu forte apoiante na causa da verdade e da virtude. Depois surgiu o Califado de Umar, e Abu Ubaydah deu-lhe igualmente o seu apoio e obediência. Não lhe desobedeceu em nenhum assunto, excepto num.

O incidente aconteceu quando Abu Ubaydah se encontrava na Síria liderando as forças Muçulmanas duma vitória a outra até a totalidade da Síria se encontrar sob o controlo Muçulmano. O rio Eufrates dispunha-se à sua direita e a Ásia Menor à sua esquerda. Foi então que uma praga atacou a terra de Síria, como nunca ninguém tinha visto antes. Devastou a população. O Califa Umar enviou um mensageiro para Abu Ubaydah com uma carta que dizia: “Preciso de ti urgentemente. Se a minha carta chegar a ti de noite, solicito-te veementemente para que partas antes da madrugada. Se esta carta chegar a ti durante o dia, solicito-te veementemente para que partas antes do anoitecer e venhas ter comigo depressa”.

Quando Abu Ubaydah recebeu a carta do Califa Umar (r.a.), ele disse: “Sei porque o Amir al-Muminin precisa de mim. Ele quer preservar a sobrevivência daquele que, contudo, não é eterno”.Então ele escreveu a Umar:

“Eu sei que precisas de mim. Mas eu estou num exército de Muçulmanos e não desejo salvar-me daquilo que os aflige. Não me quero separar deles até à vontade de Deus. Por isso, quando esta carta chegar a ti, liberta-me da tua ordem e dá-me permissão para aqui ficar”.

Quando Umar leu esta carta os seus olhos encheram-se de lágrimas e aqueles que estavam com ele perguntaram: “Abu Ubaydah morreu, ó Amir al-Muminin?”

“Não”, disse ele. “Mas a morte anda perto dele”.

A intuição de Umar não estava errada. Em pouco tempo, Abu Ubaydah foi afectado pela praga. Enquanto a morte o rodeava ele falou ao seu exército:

“Deixem-me dar-vos alguns conselhos que vos conduzirão sempre pelo caminho da bondade. Estabelecei a Oração. Jejuai no mês de Ramadan. Dai Sadaqah. Fazei Hajj e Umrah. Permanecei unidos e apoiei-vos uns aos outros. Sejais sinceros com vossos chefes e não escondei nada deles. Não deixeis o mundo destruir-vos pois mesmo que o homem vivesse mil anos ele acabaria sempre neste estado que vedes em mim. Que a paz e a misericórdia de Deus estejam convosco”.

Abu Ubaydah virou-se então para Muadh ibn Jabal e disse: “Ó Muadh, faz a Oração com o povo (sê o seu líder)”. Aí, a sua pura alma partiu. Muadh levantou-se e disse:

“Ó Povo! Vós estais impressionados com a morte de um homem. Por Deus, eu não sei se alguma vez terei visto um homem com um coração mais justo, que estivesse além de todo o mal e que fosse mais sincero para o povo que ele. Pedí a Deus que derrame a Sua misericórdia sobre ele e Deus será misericordioso convosco”.

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O caso do assassínio de Theo Van Gogh

Por Yiossuf Adamgy

Segundo a Comunicação Social, Van Gog era “um desbocado – ganhou cartel como livre-pensador, foi sistematicamente despedido dos principais jornais de referência holandeses. Ofensas aos leitores. O próprio Van Gogh gostava de exemplificar: “escrevi um dia que sou muito religioso e que o meu ser supremo é um porco cujo nome é Alá”.”. Agente provocador, qualificou um Imame de Amesterdão como “Chulo de Alá”. Definia os Muçulmanos como “fornicadores de cabras”, afirmação que é seguramente deveras forte, quiçá abusiva e insultuosa. Mas – como dizia Joaquim Vieira num artigo publicado na revista mensal da Grande Reportagem – “só deve viver na Europa e na democracia quem aceita que tais termos fazem parte da liberdade de expressão que assiste a qualquer cidadão, e que é legítimo rebatê-los por meios pacíficos, mas não pelo assassínio”. A violência gera violência. Por outro lado, deverá ter-se em conta, também, que a nossa liberdade termina onde co- meça a do outro.

Veja-se a conjuntura actual do mundo Islâmico. Veja-se a conjuntura actual do que é a actual Comunicação Social, dita ocidental e poderosa. Todos os dias, na Comunicação Social ouvimos, vimos e lemos o seguinte: ‘Um bombista suicida faz-se explodir num autocarro cheio de mulheres e crianças, em Telavive: Turistas estrangeiros são massacrados, pelos fundamentalistas islâmicos, numa estância balnear em Luxor. Carro armadilhado explode em Falluja, Iraque. Etc. etc.. A lista dos acontecimentos em todo o mundo que vieram a simbolizar o “Terror Islâmico”, são infindáveis. Desde os anos 70 e 80 todos estes incidentes viriam a ser identificados com a religião do Islão. Tais incidentes desde o passado até ao presente têm, sem dúvida, afectado os Muçulmanos em todo o Mundo e ainda mais no Ocidente. Qualquer Muçulmano que queira praticar a sua religião e expressar o desejo pio de viver islâmicamente é catalogado de fundamentalista ou extremista. Qualquer homem Muçulmano que cami- nhe ao longo de uma movimentada rua em Londres ou Paris (e em Paris ainda mais) com uma barba e um topi ou outra coberta na sua cabeça, é olhado como “terrorista islâmico” …. As mulheres Muçulmanas que usem véu (lenço) não podem ir a nenhum lado no mundo Ocidental sem serem criticadas como sendo oprimidas ou estarem loucas ou atrazadas (pelo facto de se cobrirem).

Uma das grandes falhas que tem surgido no Ocidente é julgarem o Islão pela conduta de uma minoria de pessoas islâmicas. Segmentos da sociedade Ocidental têm muitas vezes empolado as acções desesperadas de alguns Muçulmanos e deram-lhe o nome do Islão. Tal catalogação claramente que não é objectiva e procura distorcer a percepção do Islão. São tais crenças e opiniões sobre o Islão realmente justificadas? E como devem ser combatidas?

É certo que, com a ocupação ilegal do território Palestiniano e com a invasão ilegítima do Iraque, porque foi ao arrepio das leis internacionais, a Co- munidade Islâmica mundial também se sente, pelo seu lado, humilhada e violada, o que só veio agra- var as tensões civilizacionais e culturais, originando um perigoso espírito de cruzada e anticruzada.

Os Muçulmanos e as Comunidades Islâmicas devem combater tudo isso com informação correcta, através de todos os meios de difusão, do que verdadeiramente diz a mensagem do Islão: uma religião de tolerância, amor, fraternidade, justiça e compaixão, rejeitando a violência, o extremismo e o terrorismo.

Por sua vez, os governos na Europa devem tomar as medidas para um maior e equilibrado acompanhamento da comunidade imigrante. Não há dúvidas de que o caminho do extremismo começa quando outros são marginalizados da sociedade.

Está de parabéns, pois, Portugal que, recentemente, por intermédio do secretário de Estado Adjunto do ministro da Presidência, Feliciano Barreiras Duarte, anunciou em Argel a criação em Portugal de uma unidade de missão para o diálogo com as religiões, que, na verdade, “poderá revelar-se um instrumento precioso para a compreensão da diversidade religiosa e para o fomento de um espírito de tolerância religiosa no nosso país”.

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Liberdade e Purificação

Coord. Por M. Yiossuf Adamgy (18/05/2009)

Imame Mawlud fala-nos da liberdade, que é alcançada quando o indivíduo compreende os benefícios da vergonha e humildade e quando põe de parte os sentimentos que, radicalmente, se opõem aos anteriores (a indignidade e a arrogância). É através destas qualidades que o Homem alcança a verdadeira liberdade, riqueza e dignidade, qualidades que requerem a nossa emancipação em relação aos laços que nos prendem aos caprichos. O indivíduo pode afirmar a sua liberdade, mas, ainda assim, não ser capaz de controlar a gula quando lhe é apresentada comida ou ter relações sexuais ilícitas sempre que surge a oportunidade para tal. Ora, esta noção de liberdade está desprovida de conteúdo.

A liberdade tem um significado real. Por exemplo, quando surge uma situação em que o indivíduo se sente tentado mas se mantém fiel a Deus (ár. Allah), ele mantém, com firmeza, o controlo sobre as suas acções. Esta situação mantém-se mesmo que a tentação o faça tremer de desejo, pois, ainda assim, ele irá abster-se de se entregar. Imame al-Ghazali refere, a certa altura, que o estômago e os órgãos genitais são os “órgãos dominantes”. Se os soubermos controlar, todas as outras fontes de desejo estarão controladas. Poderíamos incluir igualmente nes te lote a língua, pois esta poderá constituir um notável obstáculo.

Existem, por exemplo, pessoas que parecem ser incapazes de se abster de falar mal dos outros e de os caluniar, fazendo-o muitas vezes sem sequer se aperceber.

É normal que as pessoas não gostem de empobrecer ou de ser humildes, pois consideram que estas qualidades são uma forma de servilismo. Ainda assim, o Profeta, paz esteja com ele, preferiu a pobreza à riqueza. Com efeito, o Profeta não tinha dinheiro em casa e dormia no chão, numa cama feita de cabedal e estofada com fibras de palmeira, não possuía jóias e tinha apenas duas almofadas no seu quarto para receber os convidados. Actualmente, viver desta forma seria viver em pobreza extrema. O que o Imame Mawlud pretende salientar é que Deus concede a sua dignidade àqueles que se mostram humildes na Sua presença, àqueles que, acima de tudo, prezam a forma como serão recebidos pelo seu Criador e não o julgamento que sobre eles será feito, de acordo com as normas efémeras do mundo terreno. A dignidade e a honra são bênçãos: “Ó Deus! Exaltas a quem queres e humilhas a quem queres.” (Alcorão 3:26). São muitas as provas desta lei Divina. Contam-se, por exemplo, muitas histórias de pessoas que exerciam cargos de autoridade e que eram abastadas e que, de um momento para o outro, se viram pobres e totalmente desprovidas da glória que antes haviam possuído, ficando muitas vezes dependentes da protecção do Estado. Deus tem poder sobre todas as coisas e sobre tudo quanto é bom, seja o poder ou a riqueza, que dependem d`Ele e não de nós.

Do que atrás foi dito, podemos retirar um importante princípio: se o indivíduo tentar conseguir um privilégio por formas ilícitas, Deus conceder-lhe-á exactamente o oposto do que pretende.
Mas se, pelo contrário, o indivíduo se mostrar humilde perante Deus, Deus retribuir-lhe-á de forma honrada. De modo oposto, Deus humilha e rebaixa os arrogantes, aqueles que, altivamente, procuram ascensão e glória junto dos outros homens. O Alcorão dá os exemplos do Faraó e de Korah e a forma infame e calamitosa como caíram em desgraça, para demonstrar esta realidade.

Imame Mawlud refere em seguida que: “Não existe salvação como a do coração, tendo em conta que todos os nossos membros a ele obedecem. Assim, se o nosso coração está são, também o estarão os nossos membros, pois são eles que executam os desejos do nosso coração. Contrariamente, os membros daqueles que estão corrompidos tornam-se o veículo pelo qual a corrupção se propaga: “Neste dia Nós selamos as suas bocas, e as suas mãos falam para Nós e os seus pés dão testemunho sobre isso que costumavam fazer” (Alcorão, 36:65); “Empregai a vossa riqueza na causa de Deus e não caveis a vossa ruína com as vossas próprias mãos” (Alcorão 2:195). “E Nós diremos: “Experimentai o castigo do fogo! Isto é por conta do que as vossas próprias mãos mandaram antes de vós, para o julgamento. E Deus não é opressor dos Seus servidores”. (Alcorão 3:181-82). Eles sofrerão um horrendo tormento, no dia em que as suas línguas, mãos e pernas testemunharem contra eles, devido às suas acções.(Alcorão, 24:23-24).

Existe um Hadith onde se subentende que a língua é “porta-voz do coração”. A hipocrisia é miserável porque o hipócrita não diz o que lhe vai no coração. Ele procede mal com a sua língua e oprime o seu coração. Mas se o coração estiver saudável, a condição da língua será idêntica. É-nos exigido que tenhamos um discurso honesto, pois pelo que dizemos pode ser aferido o estado do nosso coração. Segundo uma tradição profética, todas as manhãs, quando os nossos membros despertam no mundo espiritual estremecem e dizem à língua: “Teme a Deus, pela nossa saúde! Se tiveres um procedimento correcto, nós também o teremos. Mas se falhares, também nós falharemos”.

Comprometermo-nos a recordar Deus com frequência é algo que protegerá a língua e que substituirá as nossas conversas inúteis por palavras e frases que fazem crescer a nossa honra. A língua é algo essencial no desenvolvimento da cortesia relativamente a Deus, que é o sentido da nossa existência.