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O Ocidente deve promover o sistema bancário Islâmico

Por: Professor Rodney Wilson

O professor Rodney Wilson é Director dos Estudos de Pós-graduação do Instituto do Médio Oriente e Estudos Islâmicos da Universidade de Durham. É também co-editor da obra “The politics of Islamic Finance” e co-autor da obra ” Islamic Economics: A short history.”

O Sistema Bancário Islâmico, que implica não cobrar juros, tornou-se numa importante actividade nas últimas quatro décadas. Uma pergunta que se impõe relativamente a este fenómeno prende-se com o sabermos se esta proliferação acentua ou não a segregação dos muçulmanos relativamente aos valores e normas ocidentais, criando um gueto financeiro. Uma perspectiva diferente é aquela que defende que a disseminação do sistema bancário islâmico é benéfica, visto que este sistema é caracterizado por uma moral particular que se mostra mais positiva do que aquela que caracteriza o sistema ocidental. Com efeito, cada vez mais pessoas no Ocidente se mostram insatisfeitas ou cépticas relativamente aos serviços bancários a que têm acesso, considerando-os pouco éticos e uma forma de exploração. Muitos banqueiros ocidentais mostram-se, por isso, curiosos relativamente ao sistema financeiro islâmico, considerando-o uma possibilidade de negócio e raramente uma ameaça comparável aquela que constitui o extremismo muçulmano. Na verdade, os sistemas bancário e financeiro muçulmanos podem ser considerados como o lado brando da cultura islâmica, aquele que permite o diálogo entre as civilizações ocidental e muçulmana.

Os bancos islâmicos estão agora bem representados em vários países ocidentais. Alguns exemplos dessas instituições bancárias são: o Banco Islâmico do Reino Unido, o Banco de Investimento Islâmico Europeu e o Lariba Bank na Califórnia. Além disso, os mais importantes bancos a nível internacional (o Citibank, o HSBC Amanah, o Deutsche Bank e o USB da Suiça) disponibilizam o sistema de depósito islâmico e a Sharia como serviços financeiros adicionais. Na realidade, tem existido grande diálogo entre os banqueiros ocidentais que coordenam estas instituições bancárias e os eruditos da Sahari’a que lhes facultam orientações sobre o que é ou não permitido. Estas conversações abrangem igualmente a área dos seguros, na qual as empresas islâmicas de takaful se têm tornado cada vez mais activas, apresentando como característica particular o facto de não pratica- rem juros e de não adicionarem aos seus activos os prémios pagos pelos titulares de seguros, o que poderia constituir uma forma de exploração das seguradoras relativamente à desgraça dos seus clientes.

Da mesma forma, e visto que a Sharia é universal e inspirada por princípios divinos e não pelas leis nacionais de um país, também as principais empresas de advocacia internacionais se começaram a dedicar aos ramos financeiro e bancário islâmicos, pois os contractos precisam de ser delineados de acordo com a lei britânica ou americana e de forma a que respeitem a Shari’a. Com efeito, a principal função dos membros do comité da Shari’a que colaboram com as administrações dos bancos islâmicos ou com os bancos convencionais que disponibilizam serviços que se enquadram no sistema bancário islâmico é assegurar que os novos contractos estabelecidos respeitam os princípios da Shari’a e, se tal não se verificar, tentar conseguir junto dos advogados formas de rectificar esses contractos ou mesmo de redigir novos contractos onde esses preceitos se verifiquem.

O desejo de muitos muçulmanos é que a Shari’a, de inspiração divina, venha a substituir as leis criadas pelo homem, ou talvez mesmo, a implementação de um califado universal ao qual todos se submeteriam, fossem muçulmanos ou não-muçulmanos. Não é de todo surpreendente que muitos muçulmanos considerem este desejo intolerável. E, com efeito, muitos muçulmanos considerem-no uma restrição à liberdade de escolha. No entanto, os sistemas bancários e financeiros islâmicos podem ser o caminho a seguir, pois a sua essência é aumentar as nossas possibilidades de escolha e não reduzir as nossas opções.

Visto que cada instituição bancária tem a sua própria comissão de Shari’a, a leitura e concordância que cumprem em relação a esta é efectivamente particular, não se tratando de uma questão de obediência a uma lei nacional. Com efeito, cada comissão de Shari’a formula as suas próprias fatwas ou regras religiosas, o que torna ainda mais vasto o campo das escolhas a nível de orientação religiosa que cada um pode seguir. As religiões têm tendência a prosperar quando existe uma situação de competição, ao contrário do que acontece quando as suas leis são nacionalizadas, levando os seus seguidores a dispersarem-se, e o Islão não é excepção a isto.

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ONU comemora os 800 anos de Rumi

Educación – 30/09/2007 | Inra, Unesco
Fonte: www2.inra.ir
Versão Portuguesa – In Revista Al Furqán, nº. 159, de Setembro/Outubro.2007

Teve lugar na sede da ONU, em Nova Iorque, um acto oficial para a comemoração dos 800 anos do nascimento do célebre poeta místico, Moulana Jalal Al Din Balji (Moulavi), cerimónia a que assistiu o Secretário-geral da dita organização, Bani Ki-moon.

Em discurso, Ki-moon afirmou que, mais do que nunca, o mundo de hoje necessita da propagação das ideias de Moulavi, sublinhando que a paz e o diálogo entre as civilizações são conceitos salientes na poesia deste poeta, e que a comunidade mundial deveria tê-los como exemplo para o seu comportamento.

Em seguida, eruditos do Irão, Afeganistão, Turquia, EUA e autoridades da ONU estudaram as dimensões culturais e místicas de Rumi, nome pelo qual é conhecido este bardo do século XIII.

Por ocasião deste oitavo centenário, os EUA emitiram um selo dos correios com a imagem de Moulavi, obra do professor Hosein Behzad, pintor e miniaturista Iraniano.

O doce sabor e o ambiente cálido originado por este acontecimento cultural foi um tanto ou quanto perturbado pelo facto do Governo Norte-Americano ter recusado o visto de entrada no país a uma delegação Iraniana, cuja intenção era a de participar na comemoração, gesto que não é praticado pela primeira vez.

MOULAVI (1207-1273)

Jalal al-Din Mohammad Rumi, também conhecido por Moulavi, ou simplesmente Rumi (Bizantino, em Árabe e Persa), é, juntamente com ‘Attar, o maior poeta místico nascido na Pérsia. A sua posição enquanto Sufi é de tal forma elevada, que é igualmente chamado de Moulana (nosso senhor, em Árabe).

O seu nascimento teve lugar em Balj (actualmente no Afeganistão) no ano de 1207. O sobrenome Rumi deve-se ao facto de grande parte da sua vida ter sido passada na cidade de Konya (situada na actual Turquia), e de aí ter falecido, embora sempre se tenha considerado a si mesmo um Persa Jorasani.

O pai, Baha al-Din Valad, foi um grande mestre e orador, respeitado pelo povo e, inclusive, pelo Sultão Mohammad Jarezmshah. Baha al-Din e a família deixaram a Pérsia quando Rumi era ainda criança. Durante algum tempo, permaneceram em Samarcanda, tendo depois partido em direcção a Meca, em peregrinação.

Diz-se que, aquando desta viagem, ao passar por Neyshabur, Baha al-Din recebeu a visita de ‘Attar, já ancião, o qual o presenteou com uma cópia do seu “Asrar Nameh” (Livro dos Segredos). Ao ver Moulavi, criança ainda, ‘Attar disse o seguinte: ‘Em breve, este menino inflamará os apaixonados deste Mundo’.

Ao regressarem de Meca, passaram pela Síria, acabando por estabelecer-se na Ásia Menor. Aí deu-se o casamento de Rumi com Gouhar Jatun e, quatro anos depois, partiram em direcção a Konya, pai, filho e toda a restante família, por desejo expresso do Sultão Seljúcida de Rum.

Quando o substituto do seu pai faleceu em 1240, Rumi substitui-o na confraria, onde se dedicou à instrução, ensino e orientação dos jovens fiéis, até que, cinco anos depois, Shams Tabrizi surgiu em Konya.

Após conhecer este grande e efusivo dervixe, cujo verdadeiro nome era Mohammad b. Ali b. Malekdad, a vida de Rumi mudou drasticamente.

Sabe-se que a sua morte deu-se em 1247 e, tal como o seu nome indica, era natural de Tabriz. A sua chegada a Konya deu-se em 1244 e, no ano seguinte, mudou-se para Damasco, o que foi causa de um desgosto enorme para Rumi, abatendo-se sobre ele uma enorme melancolia, devido ao desaparecimento do seu amigo. Ao saber que este se encontrava em Damasco, começou a escrever-lhe cartas e poemas, e a enviar-lhe mensagens.

Pouco tempo depois, Rumi enviou a Damasco o seu próprio filho, Sultán Valad, acompanhado de vários amigos, incumbindo-o de procurar Shams Tabrizi e convencê-lo a retomar a Konya. O convite foi aceite. No entanto, esta nova permanência em Konya pouco durou, pois viu-se confrontado com os preconceitos do povo da cidade, sendo obrigado a abandoná-la no ano seguinte, com destino incerto. Rumi fez tudo o que estava ao seu alcance para encontrá-lo, tendo, inclusive, viajado por duas vezes a Damasco. No entanto, a sua busca foi em vão.

A chama e a paixão pela amizade de Shams Tabrizi e a melancolia que sentia, inspiraram-no a escrever uma das mais maravilhosas e extensas obras místicas da literatura Persa, o “Divan-e-Shams-e-Tabrizi” (O Poemário de Shams Tabrizi), escrito em versos monorrimos (gazal).

Shams Tabrizi, a quem Rumi tinha como exemplo de homem perfeito, fê-lo descurar as suas ocupações na confraria Sufita, facto a que o próprio Rumi fez referência nos seus poemas.

Anos mais tarde, escreveu o Masnavi, o seu segundo livro e a obra-prima da sua vida. Rumi faleceu em 1273. Todos em Konya, grandes e pequenos, Muçulmanos, Cristãos e Judeus, assistiram ao seu funeral. O seu mausoléu encontra-se na dita cidade e, até hoje, a sua confraria, a Ordem dos Dervixes Dançantes, os quais dançam até entrarem em transe, mantêm-no em funcionamento.

Moulana é tido pelos literatos e poetas Persas, e pelos Orientais também, como um dos grandes poetas da Pérsia, ocupa um lugar especial e cada um elogia-o, tendo por base um ponto de vista diferente.

É conhecido entre Persas e não Persas como um dos mais importantes místicos da Humanidade, poeta de imenso talento, filósofo arguto e elogiado pelas suas qualidades pessoais. A sua posição no mundo da poesia é de tal maneira elevada, que alguns o consideram o maior poeta do Mundo, outros, o maior poeta da Pérsia e, outros, um dos 4 ou 5 poetas Persas mais importantes. O seu túmulo na Turquia é um importante centro de peregrinação, a que acorrem religiosos de todo o mundo Islâmico. O Masnavi (Dístico) é, como o seu título indica, uma obra escrita em versos emparelhados.

Trata-se da sua obra-prima, a qual é também apelidada de ‘O Alcorão em língua Persa’. O que nela mais chama a atenção é a sua variedade temática e a quantidade de alegorias utilizadas por Rumi para exprimir o seu sentir místico. Por detrás da linguagem simples (por vezes, quase coloquial) do Masnavi, esconde-se uma multiplicidade de acepções, as quais dão motivo a várias interpretações, algo muito característico das obras Sufitas.

No Masnavi, deparamos com a ‘história sagrada’, versículos Alcorânicos, tradições ou ditos do Profeta (s.a.w.), tudo isso narrado de maneira tal, que destila misticismo. Podemos também encontrar histórias de natureza íntima, algo que surpreende imenso, especialmente os Ocidentais.

Algumas das suas histórias foram retiradas de “Calila y Dimna”, e outras das obras do poeta Nezami de Ganjeh, ‘Attar e, inclusive, de Avicena. A sua outra obra é o “Divan-e-Shams-e-Ta- brizi” (o Poemário de Shams Tabrizi), também conhecido pelo nome de ‘Divan-e-Kabir” (Grande Poemário). Outras obras mais pequenas são ‘Robayyat” (quadras) e “Fihi ma fihi”, em prosa.

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Palestina – Gritando contra o horror

Fazendo minhas as palavras do ilustre Emir Sader, transcrevo-as, aqui, para reflexão:

“Há alguns dias, desde a Secretaria Executiva de CLACSO (Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais) distribuíamos nosso tradicional cartão de final de ano. Nele, reproduzíamos um belíssimo mural do artista equatoriano Pavel éqüez, Grito pela Vida. Poucas horas após o início do envio do cartão, começava na Faixa de Gaza um novo e brutal ataque do governo israelense contra o povo palestino.

Um massacre que atenta contra os mais elementares direitos humanos, arrancando sem compaixão toda esperança de paz em uma das regiões mais injustas do planeta. Um massacre que pretende, pela propetência de bombardeios assassinos, negar o direito dos palestinos a um Estado independente.

Nosso “grito pela vida”, modesto e alegre, ganhava uma dimensão inesperada, contaminada de horror e espanto, de indignação e revolta, de impotência e repulsão. Ninguém pode ficar indiferente ante qualquer massacre, nem sequer os indolentes. Todo massacre interpela a humanidade e nos obriga a tomar partido.

Hoje, novamente, perdemos um pouco de nossa já maltratada humanidade em Gaza. Ali, junto com esses meninos e meninas, seus pais e mães, nossos irmãos reduzidos a escombros, gritando pela vida, com seu silêncio de morte e humilhação.

Neste marco, a destruição da Universidade Islâmica de Gaza não faz mais do que agregar uma pérfida marca de brutalidade ao ataque israelense. Nós, desde este lado do mundo, gritamos hoje, mais do que nunca, pela vida, pela paz e pela justiça. Gritamos pela dignidade e pelos direitos negados ao povo palestino. E, gritando, somamos nossa voz e nossa solidariedade com todos aqueles que não aceitam fazer da vida de um povo uma montanha de escombros”.

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Perguntas e respostas sobre o Médio Oriente

Fonte: Charles Reese do Sentinel Staff, The Orlando Sentinel, Domingo, 8 de Fevereiro de 1998. (Cortesia de Islamic Future, n.º 80 – Arábia Saudita)

Para que estejais sempre a par da perpétua crise no Médio Oriente, temos um pequeno formulário para vós.
(Dedicado a Palestina/Jerusalém, aquando do 17º. Aniversário da Revista Al Furqán)

Que país do Médio Oriente e só ele possui armas nucleares? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente se recusa a assinar o tratado de não proliferação e obstrui inspecções internacionais? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente anexou território soberano de outras nações pela força das armas e continua a ocupá-lo, desafiando as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente habitualmente viola as fronteiras internacionais de outros estados soberanos com caças, artilharia e forças navais? Resposta: Israel.

Que aliado americano no Médio Oriente enviou durante anos assassinos a outros países para matar seus inimigos políticos (uma prática algumas vezes chamada de exportação de terrorismo)? Resposta: Israel.

Em que país do Médio Oriente altas patentes militares admitiram publicamente que prisioneiros de guerra desarmados foram executados? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente recusa processar seus soldados que souberam da execução de prisioneiros de guerra? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente criou 762.000 refugiados e recusa permitir que eles regresem aos seus lares, terras e negócios? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente recusa pagar indemnizações a pessoas cujas terras, contas bancárias e negócios foram confiscados? Resposta: Israel.

Em que país do Médio Oriente foi assassinado um diplomata de alta patente das Nações Unidas? Resposta: Israel.

Em que país do Médio Oriente se tornou primeiro ministro um homem que mandou assassinar um diplomata de alta patente das Nações Unidas? Resposta: Israel (Yitzhak Shamir).

Que país do Médio Oriente fez explodir uma instalação diplomática Americana no Egipto e atacou um barco americano em águas internacionais, matando 33 e ferindo 177 marinheiros americanos? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente deu emprego a um espião, Jonathan Pollard, para roubar documentos secretos e depois entregar alguns destes à União Soviética? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente primeiramente negou ligações oficiais com Pollard, e depois votou para o tornar seu cidadão e tem continuadamente solicitado ao presidente americano para lhe conceder o perdão total? Resposta: Israel.

Que país do Planeta Terra tem o segundo grupo de influências mais poderoso nos Estados Unidos, de acordo com a recente pesquisa do magazine Fortune, acerca dos elementos internos de Washington? Resposta: Israel.

Que país do Médio Oriente está a desafiar 69 Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e tem sido protegido de outras 29 pelos vetos dos Estados Unidos? Resposta: Israel.

Que país os Estados Unidos ameaçam bombardear para que as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas se façam obedecer? Resposta: IRAQUE.

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O que quer Israel?

Por Carlos Peixoto, jornalista e editor do “Tribuna do Norte “, jornal de Natal, Rio Grande do Norte

A mais recente agressão militar de Israel contra Gaza, desencadeada no dia 27 do mês passado, tão logo foi anunciado o acordo entre as lideranças das principais facções palestinas em torno do chamado ‘Plano dos Prisioneiros’ – que entre outras coisas leva ao reconhecimento do Estado judeu -, surpreende e estarrece apenas àqueles que esqueceram a história. As supostas ‘razões de segurança e autodefesa’, alegadas agora pelo primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, mostram que nada mudou nos objectivos e na acção política dos israelitas desde os tempos de Ben-Gurion.

O ponto central desses objectivos é a ideia por trás de todo o movimento sionista: a ocupação e manutenção do domínio de todas as terras entre a margem leste do Jordão e o Mediterrâneo, exclusivamente para os colonos judeus . A linha mestra da estratégia usada para alcançá-los foi fixada há mais de 70 anos, quando no final da década de 30 do século passado Ben-Gurion reflectia sobre as alternativas de expulsão de todos os árabes da Palestina e considerava que ‘aquilo que é inconcebível em tempos normais torna-se possível em períodos revolucionários; e se neste momento a oportunidade é perdida e o que é possível nestes momentos de exaltação não vem a ser concretizado, todo um mundo é perdido’ (Shabtai Teveth, Ben-Gurion and the Palestinian Arabs). O instrumento por excelência para o Estado judeu pôr em prática essas ideias sempre foi a força, reservando-se a atuação política apenas para justificar o uso e os resultados obtidos.

Um breve retrospecto de apenas três episódios, na história do conflito Israel/Palestina, são ilustrativos de como o sionismo soube adaptar essa orientação às várias circunstâncias político-militares que se apresentaram.

Um: em 1948, Israel aproveitou-se do ‘clima revolucionário’ da primeira guerra árabe-israelense e recorreu aos massacres em massa e à intimidação psicológica para expulsar populações inteiras de aldeias e cidades palestinas (Ein az Zeitun, Lydda, Deir Yassin, Haifa, Acre e outras), alegando que quebrar a resistência civil era uma necessidade de autodefesa essencial à sobrevivência do novo Estado.

Dois: o mesmo argumento foi reutilizado em 1967, quando Israel levou a contra-ofensiva para além das fronteiras judaicas estabelecidas pela ONU e expandiu o seu território até o litoral e sobre o Sinai.

E, três: em 1982, quando para sabotar os esforços de paz iniciados por Yasser Arafat e a OLP, invadiu o Líbano.

Analistas menos atentos à política de expansão e domínio israelita poderão conjecturar que os ‘acordos de paz’ de Oslo I (1993) e Oslo II (1995) constituem interrupções nesta seqüência e/ou mudanças na estratégia sionista. Mas essa é uma observação que pode ser tida como verdadeira apenas pela metade. Os acordos de Oslo, efectivamente, representam uma troca da opção sionista original – a ‘expulsão’ pura e simples dos árabes palestinos – pela ‘via do apartheid’. Como já foi descrito por inúmeros críticos de Oslo e constatado pela opinião pública internacional, os acordos não resultaram em nenhuma ‘autonomia real’ palestina nos ‘bolsões’ da Cisjordânia e de Gaza onde se instalaram os representantes da ANP criada por Arafat/Rabin. Nestes territórios, a Justiça, o abastecimento de água e de eletricidade, o recolhimento de impostos e o tráfego de mercadorias, veículos e pessoas continuam sob controle israelita. A segregação dos palestinos gerou uma situação de colapso económico, condições sanitárias precárias nas cidades, falhas nos serviços públicos e, por último, mas não com menor intensidade, de corrupção dos dirigentes e de revolta entre os jovens (as duas Intifadas foram expressões de tudo isso). O modelo preconizado por Oslo tem sua melhor representação histórica no antigo regime sul-africano, mas na prática foi muito além dele, uma vez que Israel não abriu mão do terrorismo estatal que viabiliza milhares de prisões arbitrárias e assassinatos de líderes palestinos. Em última circunstância, é melhor ser palestino em qualquer outra parte do mundo do que em Ramallah, o que na prática é uma ‘sugestão psicológica’ extremamente eficaz para se ir embora. Além disso, a troca de opção que esse modelo representou, por um breve período de tempo, parece estará chegar ao fim.

Antes mesmo das eleições de Dezembro de 2005, quando o Hamas assumiu pelo voto a maioria no Parlamento palestino e nomeou Ismail Haniyeh primeiro-ministro, Israel já vinha sinalizando que preferia descartar a presença de uma ANP ‘autêntica’ nos territórios. A invasão da Cisjordânia em Março/Abril de 2002 e o cerco a Arafat em Ramallah, mantido até a sua morte em Novembro de 2004, foi um marco significativo. O nome militar com que a invasão foi batizada – ‘Operação Escudo de Defesa’ – escondia, na realidade, o objectivo político de sufocar a ANP e inviabilizar a construção de um Estado palestino independente. O desmantelamento de algumas colónias em Gaza e na Cisjordânia, tampouco significa devoluções reais de territórios. As áreas desocupadas – e ainda assim, interditadas aos palestinos – não dão a ANP em ‘autonomia política e auto-suficiência económica’ qualquer ganho real. O desmantelamento foi, apenas, mais uma ‘representação midiática’ montada pelos israelitas. Assim como, agora – reocupando Gaza, destruindo equipamentos de infra-estrutura, estações de fornecimento de energia elétrica e prendendo, sem amparo legal, dezenas de líderes palestinos eleitos pelo voto direto – Israel se furta a examinar e dar uma resposta, perante a opinião pública internacional, a mais significativa iniciativa de paz dos últimos anos para a Palestina.

O chamado ‘Plano dos Prisioneiros’, para o qual o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, conseguiu a aprovação do primeiro-ministro Ismail Haniyeh apenas 24 horas antes dos ataques israelitas, têm os seguintes pontos:

– o povo palestino trabalha para a libertação de sua terra e a realização de seus direitos à liberdade, ao retorno dos refugiados, à independência e à autodeterminação para a criação de seu Estado independente em todos os territórios ocupados em 1967, com Jerusalém como capital.

– a aceleração da aplicação de tudo o que foi assinado (durante o diálogo entre palestinos) no Cairo, em março de 2005, no que diz respeito à modernização e à reativação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e a adesão do Hamas e da Jihad a esta organização como único representante legítimo do povo palestino.

– a fidelidade ao direito do povo palestino de resistir por todos os meios e a centralização da resistência em todos os territórios ocupados em 1967, enquanto as negociações e a acção política e diplomática continuam.

– a protecção e o fortalecimento da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que é o núcleo do futuro Estado.

– a formação de um governo de união nacional sobre uma base que garanta a participação de todos os grupos parlamentares, sobretudo o Fatah e o Hamas.

– as negociações com Israel competem à OLP e ao presidente da ANP com a condição de que todo acordo crucial seja aprovado pelo Conselho Nacional Palestino (CNP, o Parlamento da OLP) ou submetido a referendo.

– rechaçar o lugar injusto imposto pelos Estados Unidos e Israel contra o nosso povo e convocar os povos e o governo árabe a apoiar o povo palestino, a OLP e a ANP.

– a recusa das divisões e das divergências, assim como da proscrição do uso das armas entre palestinos, independentemente da razão.

– a necessidade de reformar e modernizar o aparelho de segurança palestino para permitir-lhe defender a pátria e os cidadãos contra as agressões e a ocupação, garantir a segurança e a ordem e acabar com a anarquia em matéria de segurança.

O texto do plano foi elaborado por Marwan Barghuti, o chefe do Fatah na Cisjordânia, Abdeljaleq al Atche, um alto dirigente do Hamas, Abdelrahim Maluh, número dois da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Bassam al Aadi, um dirigente do grupo extremista Jihad Islâmico, e Mustafah Bardarneh, da Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP). Todos eles estão detidos em prisões israelitas.·

Que um grupo de prisioneiros palestinos tome tal iniciativa (a simples menção de Israel no documento implica, na prática, no reconhecimento legal do Estado judeu por todos os signatários) e que essa iniciativa seja obliterada, na política e na mídia, por uma acção violenta do governo que os mantêm presos, diz muito do que se pode esperar da ‘política de boa-vontade’ israelita em relação à paz.