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Avareza

Coord. Por Yiossuf Adamgy

A origem desta doença é o amor a este mundo e a mais nada para além dele, a não ser aos bens que o indivíduo pode adquirir para satisfazer os seus efémeros prazeres.

Definição e causas

Imame Mawlud avança com as definições destas doenças, a sua etiologia (origem e causas) e as suas formas de tratamento.

A primeira doença que refere é a avareza (“bukhl)”. Mawlud deu prioridade a esta doença do coração, não por ser a mais grave, mas porque organizou a sua enumeração das doenças do coração de acordo com ordem alfabética da língua árabe.

O escolástico começa por expor dois aspectos da avareza. O primeiro dos aspectos respeita à Lei Sagrada, Shari`a, ou seja, os deveres que o indivíduo tem para com Deus e a Sua criação. O segundo aspecto está relacionado com a “muru`a”, que constitui um importante conceito da cultura árabe, conotado com a avareza e o valor. Na cultura pré-islâmica árabe, o valor era uma característica que definia o carácter, idêntica aos ideais de cavalaria e virtude ocidentais. (A palavra latina vir significa homem. Ana- logamente, a raiz árabe para o conceito de virtude é “muru`a”, um cognato da palavra homem. Ainda assim, os escolásticos acrescentam igualmente que a palavra pode respeitar àquilo que é próprio do Homem e da Humanidade.)

No que respeita ao primeiro aspecto referido relativamente à avareza, a Lei Sagrada obriga ao pagamento da “Zakat” (uma forma de caridade para com os necessitados). A avareza quando se manifesta pelo não pagamento da “Zakat” é explicitamente proibida. O mesmo se aplica à obrigação de providenciar o sustento à esposa e aos filhos. Mesmo em caso de divórcio do casal, o homem continua obrigado a providenciar o sustento das crianças. A forma mais grave de avareza é exactamente o não cumprimento das Leis Sagradas.

No que respeita ao valor, o Imame descreve-o com alguma profundidade. Defende que o indivíduo deve evitar criar conflitos por assuntos mesquinhos. No que concerne a questões de dívidas, é bastante mais valoroso ser um credor flexível e magnânime do que ser exigente e intolerável. Esta realidade torna-se ainda mais evidente quando o credor não tem necessidade do pagamento enquanto que o devedor enfrenta grandes dificuldades. O credor compreensivo e dotado de compaixão é aquele que tem valor, pois a Lei Sagrada não obriga o indivíduo a ser magnânime, visto que o credor tem o direito de receber aquilo que lhe é devido.

No entanto, condena-se o credor que se mostra indiferente às necessidades do devedor e insiste no pagamento da dívida.

De acordo com a ética islâmica, o indivíduo abastado deve ser magnânime, generoso e clemente.

Existe um “hadith” que relata a história de um homem abastado que ordenou aos seus servos que mensalmente cobrassem um imposto em seu nome. “Se [os devedores] não tiverem meios para pagar o imposto, dizei-lhes que estão isentos do mesmo.”

Quando este abastado homem faleceu, não lhe eram conhecidas outras boas acções para além da sua clemência para com os seus devedores. No entanto, este “hadith” relata que Deus terá dito aos Seus anjos: “Este homem perdoava aqueles que falhavam para com ele. Ora, Eu sou ainda mais digno de perdoar aqueles que falham para comigo, por isso, perdoo-o.”

Quando recebemos os nossos convidados, devemos evitar ser somíticos, afirma Imame Mawlud. Se, por exemplo, um convidado derramar algo no tapete, o anfitrião não deve demonstrar raiva ou, pior ainda, repreender o convidado. Demonstramos possuir muito mais valor e humanidade se fizermos com que o nosso convidado não sinta qualquer tipo de consternação.

O Imame refere ainda que não devemos regatear o preço da mortalha, pois a mortalha deve recordar-nos da morte e não dos bens mundanos. Também não devemos discutir o preço, quando compramos gado, com o objectivo de doar carne aos mais necessitados (ou qualquer outro tipo de bens destinados à caridade.)

Os ” sábios guias”, ou seja, os escolásticos, afirmaram que o indivíduo que raciona os bens, passando dificuldades, sem ter disso necessidade, rompe com os preceitos da dignidade. É igualmente lamentável que o indivíduo cumpra uma obrigação ou conceda um empréstimo sem sentir alegria por isso. Quando, por exemplo, fazemos caridade, devemos sorrir e ser humildes, permitindo que a pessoa indigente não se sinta inferior ao credor. É um privilégio estar-se em posição de dar e um honra cumprir uma obrigação divina.

No Islão, é anátema doar por caridade aquilo que é inferior e de má qualidade, pois isso é um acto de parcimónia e avareza. De acordo com a tradição muçulmana, o indivíduo deve doar aquilo de que mais gosta. Deus abençoa este tipo de acções e amplia a generosidade que nelas está implícita: “Ó vós que credes! Contribuí com as melhores coisas que ganhastes, e daquilo que temos feito brotar da terra, para vós; e não escolhei o pior para fazerdes a caridade, quando vós não o aceitaríeis para vós mesmos, excepto com os olhos fechados. E sabei que Deus é sempre rico e digno de louvor”. (Alcorão 2:267) “E jamais alcançareis a virtude, até que façais caridade com aquilo que mais apreciardes” (Alcorão, 3:92).

A generosidade é uma das ilustres virtudes do Islão e uma das qualidades que o Profeta (s.a.w.) demonstrou possuir, tendo mesmo sido considerado a mais generosa das pessoas. A palavra que designa o conceito de generosidade deriva de “Karam”, que também significa nobreza. Com efeito, um dos mais excelsos nomes de Deus é al-Karim, o Generoso. O melhor é ir-se para além do que é considerado mínimo pela Lei Sagrada no que respeita à caridade. Na realidade, a caridade é a expressão da nossa gratidão para com Deus, que nos faculta todos os nossos bens e provisões.

A etiologia da avareza degrada o indivíduo a ponto de este só prezar os bens efémeros deste mundo. O avarento une-se à riqueza com ardor e amealha-a. A palavra que define unir na língua árabe é “masak”, que deriva de outra palavra árabe que significa obstipação. Os somíticos são pessoas que não são capazes de deixar algo que os vai destruir. O Profeta (s.a.w.) afirmou: “Deus fez daquilo que é evacuado pelo filho de Adão uma metáfora para o mundo [dunya].” Quando temos fome, procuramos comida, comemos e ficamos satisfeitos. Mas a forma pela qual esse alimento abandona o nosso corpo é a mais horrível das coisas. Ao pagar a “Zakat”, estamos a abdicar de parte da nossa riqueza a fim de purificar todos os nossos bens e, em última instância, a nossa alma. Com efeito, é possível que os ganhos do indivíduo sejam impuros, tenham uma origem duvidosa. Através da “Zakat”, o indivíduo pode purificar as suas provisões de qualquer impureza desconhecida que possa ter corrompido essas provisões.

Imam Ali (r.a.) afirmou: “A pior das pessoas é o avarento. Ele perderá os seus bens neste mundo e será castigado no Além.” A principal vítima da avareza é o próprio avarento. Na nossa sociedade, muitas pessoas abastadas vivem como se fossem pobres, apesar de terem milhões depositados no banco. A opção de vida destas pessoas não é inspirada pela austeridade espiritual. Deve-lhes custar muito, certamente, terem de gastar dinheiro nelas próprias ou com a família, quanto mais com os outros. A natureza do avarento não lhe permite usufruir da sua riqueza neste mundo. Por outro lado, no Além ele viverá em bancarrota e será humilhado por se ter recusado auxiliar os mais necessitados, recusando-se a purificar a sua riqueza e impedindo-a assim de se tornar a sua fonte de luz e alívio no Além. O avarento pode alegar que acumula a sua riqueza para se precaver contra a pobreza. O que é mais extraordinário neste quadro mental é que o avarento nunca sente verdadeiro alívio em relação a esta ansiedade. O avarento está constantemente preocupado com o dinheiro e dedicado a saciar essa preocupação.

Conta-se que o Profeta (s.a.w.) terá questionado alguns homens do clã sobre quem era o seu chefe. Eles referiram o seu nome e terão dito: “Mas ele é um pouco avarento”. E o Profeta (s.a.w.) afirmou: “Um líder nunca deverá ser avarento” e acrescentou ainda: “Conheceis alguma doença pior que a avareza?”

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O Ódio

Al Furqán

Definição e Tratamento

A próxima doença a ser estudada é o ódio. O ódio não é em si próprio um sentimento negativo. É recomendável odiar-se a corrupção, o mal, a descrença, o homicídio, a luxúria e tudo o mais que Deus tenha considerado vil. O Profeta Muhammad (p.e.c.e.) nunca deixou de gostar de algo por causa da sua essência, mas sim pelo aquilo que manifestava.

O ódio ou o forte desagrado injustificado em relação a alguém constitui a doença bughd. O Profeta (p.e.c.e.) terá dito uma vez aos seus Companheiros: “Pretendeis conhecer um homem que esteja no Paraíso?” Passou por ali um homem e o Profeta (p.e.c.e.) terá continuado, dizendo: “Este homem pertence ao povo do Céu.”

Houve então um Companheiro do Profeta que decidiu descobrir o que tinha feito aquele ho-mem para merecer tamanho elogio do Mensageiro de Deus. Passou algum tempo com o ho-mem e observou-o de perto. Constatou que ele não rezava a Prece da Vigília da Noite (Tahaj-jud) e que não havia nada de extraordinário no seu comportamento. Era em tudo semelhante a um homem comum de Medina. O Companheiro do Profeta acabou por lhe contar o que o Profeta (p.e.c.e.) havia dito dele e perguntar-lhe se ele tinha feito alguma coisa de excepcional. Ao que o homem lhe respondeu: “A única que me ocorre, e em que sou diferente de todos os outros, é que nunca me deito guardando rancor a ninguém.” E era esse o seu segredo.

A cura para o ódio é a frontalidade. Devemos rezar por aquele que odiamos, suplicar, mencio-nando o seu nome, pedir que Deus conceda a essa pessoa coisas boas nesta e na outra vida. Quando o indivíduo desenvolve este comportamento com sinceridade, o seu coração é sarado. Com efeito, se queremos verdadeiramente purificar o nosso coração e erradicar estas doenças, deve haver total convicção e sinceridade da nossa parte para que estas curas sejam efectivas.

Existe quem defenda, embora seja discutível, que o ódio é uma das forças mais devastadoras do mundo. Mas a força que infinitamente mais poder tem é o amor. O amor é uma caracterís-tica de Deus, enquanto que o ódio não o é. Com efeito, um dos nomes de Deus que é menciona-do no Alcorão é al-Wadud, aquele que ama. O ódio é a ausência de amor e é apenas através do amor que o ódio pode ser extraído do coração.

Num hadith belo e profundo, o Profeta (p.e.c.e.) disse:

“Nenhum de vós conhecerá a fé até que ameis o vosso irmão tanto quanto vos amais a vós próprios.”

O escolástico do séc. XIII, Imame Nawawi, fez o seguinte comentário acerca deste hadith:

“Quando o Profeta (p.e.c.e.) utiliza a palavra irmão, refere-se a uma irmandade universal, que inclui os muçulmanos e os não-muçulmanos. Ao irmão não-muçulmano, o muçulmano deve desejar que este se renda ao estado de submissão perante o seu Senhor. Ao irmão muçulmano, deve antes desejar que ele se mantenha no bom caminho e que permaneça servo de Deus”.

É por isso que é extremamente recomendável e garante de recompensa divina rezar pela orientação do não-muçulmano. A referência à palavra “amor” respeita ao desejo de bem-aven-turança e graça ao próximo. Este amor tem natureza espiritual ou celestial e não um carácter terreno ou humano. A natureza humana causa no indivíduo o desejo que o mal caia sobre o seu inimigo e a tendência para discriminar aqueles que são diferentes (na cor, religião ou personalidade). Mas a pessoa deve contrariar a sua natureza, rezar pelos seus irmãos e desejar ao próximo aquilo que deseja para si. Além disso, quando a pessoa se abstém de desejar o bem ao seu próximo, fá-lo motivado pela inveja. E a inveja é a rejeição da distribuição de bens feita por Deus. Assim sendo, o indivíduo estará a opor-se à forma como Deus distribuiu o nosso sustento, de acordo com a Sua sabedoria.

Por conseguinte, devemos contrariar os desejos do nosso ego e procurar o tratamento para esta doença, através da força redentora da aceitação dos desígnios divinos e da prece pelos nossos inimigos, como forma de subjugar o ego [nafs].

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11 de Setembro – cinco anos depois

Coord. por Yiossuf Adamgy

Trabalhar para o Caminho do Encontro

Prezados Irmãos, Assalamu Alaikum:

Cinco anos se passaram desde os atentados de Nova Iorque, o 11 de Setembro.

Os acontecimentos deram-se da maneira prevista. As invasões de países organizados muito antes dos atentados encontraram uma justificação aos olhos do público, insensibilizado peran- te a dor alheia. Leis anti-terroristas impróprias de um estado de direito foram promulgadas pelos defensores da liberdade. A guerra é a paz e o terror a democracia. Violações de mulheres iraquianas, assassinatos de civis sem motivo, talvez pelo prazer de ver como a vida se esvai. Prisões secretas onde se tortura meros suspeitos, detidos sem necessidade de provas, testemunhas, tribunais ou advogados. Campo de concentração onde o poder afoga toda a dissidência enquanto proclamam a liberdade de expressão como um valor inalienável. Falsas operações anti-terroristas onde se detêm muçulmanos pelo simples facto de o serem, para manter viva entre a opinião pública a ameaça que justifica o massacre de novos inocentes. A chamada “luta contra o terrorismo” está a semear a destruição e o ódio, dando azo a que outros justifiquem os seus ataques perante outro público também anestesiado perante a dor alheia. Os atentados de Londres e de Atocha são a prova disso. A violência gera a violência. Há interesse em que tudo continue na mesma, como estava previsto desde há muito tempo.

A cidadania no Ocidente debate-se entre a aceitação e a impotência. O pensamento crítico, que no século passado pertenceu a alguns dos maiores pensadores da era moderna, está em franca retirada. Assistimos à difusão crescente de um pensamento único, que se acredita superior e destinado a impôr-se ao conjunto dos povos. Assistimos à consolidação de uma corrente de opinião auto complacente com “os enganos do ocidente” que descarta toda a crítica como uma traição.

A política deixou de ser o reino do possível. Os verdadeiros problemas estruturais das nossas sociedades não fazem parte da agenda política, nem aparecem nos meios de informação. A democracia deixou de ser um meio para ser um fim em si mesma, desvinculado da ânsia de justiça que a viu nascer. O poder aquisitivo da maioria baixa abruptamente, de forma imparável, enquanto alguns, acumulam imensas fortunas à custa do trabalho da cidadania. Aproximamo-nos de uma situação de paralisia institucional, do beco sem saída da economia de mercado, do poder sem limite dos especuladores. A maioria dos meios de comunicação estão cheios de analistas ao serviço das multinacionais que lutam pela hegemonia, relegando para segundo plano os verdadeiros intelectuais.

E nada é o que parece, entramos numa espiral onde a representação que o poder faz de si mesmo passa por ser a própria Realidade, zelando por todo o bem e beleza contidos na Criação, cegando os corações e enchendo as nossas mentes de lixo. Ruído mediático que deverá desvanecer-se um dia, incha’Allâh.

Apesar do tempo passado, os acontecimentos sucederam-se desde o 11 de Setembro sem nos dar tempo a assimilá-los, levando-nos a um estado onde a visão interior fica turva. Alguns permanecem presos às emoções do primeiro momento, convenientemente recordadas em cada nova cena. Para outros, a impotência perante a fome e o massacre dos afegãos, dos iraquianos, dos palestinianos, dos libaneses e de tantos outros povos, confundem-se com o sentimento de libertação que experimentaram ao ver cair as Torres. Libertação de uma raiva largamente contida, de um desalento perante a impunidade com a qual o terror se impõe nas nossas vidas, em nome da civilização e democracia. Mas a manipulação desvanece-se. Muito depressa a falsa euforia de se ter “ferido o império” se dissipou na imensa maioria da , que se apercebia perfeitamente que nos mentiam e que se estavam a utilizar dos atentados para promover a destruição do mundo islâmico e a apoderar-se do petróleo afegão e iraquiano. Também nos demos conta de que o sucedido era o assassinato cruel de milhares de pessoas em nome de não se sabe o quê, sem que chegássemos a conhecer reivindicação alguma.

As imagens das Torres Gémeas desvanecendo-se converteram-se já num ícone do século XXI, através do qual as emoções mais primárias saem a jorros, para serem apanhadas e postas ao serviço de interesses obscuros. Mas não devemos deixar que essas imagens nos condicionem, não devemos ficar num estado meramente emocional e devemos avançar em direcção a uma consciência mais profunda. Esses interesses obscuros conduzem-nos ao desespero e logo nos oferecem o anzol, a “salvação” que criaram como desculpa para nos massacrar. A promoção mediática da figura de Bin Laden como um “ídolo” para as massas muçulmanas fracassou estrondosamente. A imensa maioria dos muçulmanos considera-o um agente da CIA. Eles tratam de nos manipular, mas a verdade é Deus quem nos põe à prova.

Passados cinco anos temos uma perspectiva muito precisa da situação e podemos a partir dela interrogarmo-nos: Qual foi o efeito real do atentado? Quem beneficiou desde o primeiro momento? As companhias petrolíferas lançaram-se na exploração dos recursos naturais do Iraque e do Afeganistão. O poderoso lobby do armamento conseguiu definir um “inimigo invisível” que pode servir-lhes de desculpas para múltiplos negócios. Os sionistas legitimam o seu direito aos assassinatos selectivos e às matanças de civis, assimilando a resistência à Shoá do povo palestino à nebulosa do “terrorismo islâmico”. A ultra direita evangélica anglo saxónica aplaude as invasões como um passo para a destruição do Islão … Em qualquer caso, o 11 de Setembro significou um retrocesso importante para a justiça em todo o mundo, piorando a situação dos mais desfavorecidos, jogando a favor daqueles que se apresentaram (cinicamente) como vítimas.”

O combate contra esta manipulação é hoje uma tarefa iniludível. Devemos ser capazes de dar a volta à situação, pegar nas imagens e oferecer outra leitura. Ao apontar o Islão como ‘inimigo do ocidente ‘, manifesta-se a pretensão do terrorismo neoliberal se apresentar como único ‘representante do ocidente’. Mas na verdade o Islão faz parte do ocidente e eles apenas representam a barbárie. Entre estas linhas do discurso dominante vemos aparecer uma verdade mais certa, que se refere à força do Islão como algo capaz de opor-se ao capitalismo selvagem que nos querem impor como único modelo (pensamento único, monoteísmo de mercado) sem ter em conta que os privilégios que gozam as classes altas da metrópole não chegam à maior parte dos habitantes da terra, de que para a maioria a globalização neo liberal significa escravidão e desenraizamento, militarismo e agiotagem, fome e sofrimento para centenas de milhares de pessoas.

Já não é possível aguentar mais a maquinaria de morte que se espalha sobre o mundo. Uma grande parte do planeta vive no limite do humanamente suportável e parece evidente que se algo não acontecer urgentemente vamos ver como tudo explode. Quando vemos a crueldade sem limites do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e das grandes multinacionais e o descaramento absoluto dos Estados Unidos para massacrar povos inteiros perante a opinião pública, estremecemos. Que se esconde por trás de tudo isto? Trata-se do sonho de domínio de um povo eleito ou de uma raça superior? Ou ainda do sonho de um império universal que tem acompanhado a humanidade desde os seus pri- mórdios? Não conseguimos sabê-lo, mas em todo o caso é importante não nos deixarmos arrastar por umas dicotomias que apenas a eles interessam, não cair no jogo da morte.

Perante esta situação, torna-se imprescindível pensar no nosso Jihad (Esforço), aqui e agora. O Islão, ainda que sendo altamente combativo, não é violento. Não pode ser violento. Não pode ser manipulado para a violência. Existe uma delicadeza no tratamento que é inseparável do Islão, isso a que chamamos adab e que nos impede a violência sem fazermos cair na afectação. Basta dizer que o Profeta Muhammad [Maomé] (s.a.w.) tratava até mesmo as coisas com delicadeza. Não gostava que se batesse nem numa mesa ou que se tratasse mal a roupa. Punha nomes às suas capas e acariciava as montanhas. É, no sentido literal do termo, um homem do Jardim.

Não se trata de repetir que o Islão e o terrorismo são contrários para satisfazer a opinião pública, nem para sair desse estado de suspeita em que continuamente nos colocam. Trata-se da nossa obrigação de desenvolver meios islâmicos (lícitos) para travar a destruição do mundo, na medida das nossas possibilidades. O certo é que o verdadeiro muçulmano tem um sentido implícito de justiça, do equilíbrio interno das coisas, que o torna incompatível com qualquer forma de destruição generalizada. Existem numerosas prescrições relativas ao modo islâmico de combater, tiradas a partir das palavras do Profeta. Todas elas demonstram um respeito pela vida que vai muito além do aparente. Muhammad (s.a.w.) diz-nos que não devemos destruir uma árvore ou envenenar um poço para vencer uma batalha e muito menos matar um inocente. Não há vitória que justifique a injustiça. No Islão, o fim não justifica os meios, pois essa é uma ideia puramente utilitarista, que nada tem a ver com a ikhlas, a pureza de intenção que Deus nos prescreveu.

Se somos capazes de aprofundar o impacto de todos estes conhecimentos e ao mesmo tempo livrarmo-nos das imagens e das fantasias mentais suscitadas, se somos capazes de ir mais além da aparência, de superar o estado de ilusão a que nos conduziram e nos apercebemos da estratégia do império, teremos já alguma coisa valiosa com que nos opormos a eles e a sua estratégia terá dado um fruto inesperado. É assim que se torna realidade o versículo do Alcorão que, ao longo destes anos, tem estado presente entre nós: “Deixa que eles tramem, pois Deus está atento às suas maquinações”.

Eles não sabem o que fazem, não sabem quais as forças que estão a contribuir para o despertar em todo o mundo. Colocando o Islão em ponto de mira do terrorismo neo liberal estão a despertar uma curiosidade e um interesse em relação ao Islão que os irá (já está a) surpreender. Desde o 11 de Setembro que o Islão cresce no Ocidente. Cada dia que passa são mais os cidadãos europeus e norte americanos que encontram no Islão um caminho que os tira da banalidade e da mentira e os devolve à Realidade, à vasta terra de Deus, a uma Criação que se renova a cada instante.

Conheço poucas pessoas que se tenham interressadas, sinceramente, pelo Islão e não tenham acabado reconhecendo-o como algo próprio, pois o Islão não é senão a recuperação do que chamamos de fitrat, da natureza primitiva de cada ser humano.

O modo como a maioria dos muçulmanos do mundo vive o seu Islão pouco tem a ver com todas as imagens que os meios de comunicação difundem. Há que ver os homens de luz reunidos à volta de uma chávena de chá para entender porque é que o Islão provoca o desespero e a recusa do sistema. Os povos reúnem-se à volta do mais simples, formam comunidades de um modo natural, não têm pressa e sabem olhar nos olhos a partir da sua humanidade, a partir do seu coração de criatura. Um homem enraizado, que recusa as ficções, não pode reduzir-se à imagem do produtor-consumidor que nos querem impor como modelo, tem que recusar quase todas essas coisas que nos querem presentear como necessidades, pois na verdade não passam de lixo. Essa é a tarefa do Islão aqui e agora, como o foi nos tempos do Profeta: reestabelecer os valores de uma cosmo-visão aberta, de uma comunidade não depredadora, que nos permite agarrar-se à terra e manter-se fiel à beleza e ao bem que emanam da Criação.

Necessitamos urgentemente de reflectir sobre um esforço de superação e de oposição ao terror que tem acompanhado os homens de bem desde o principio dos tempos. O chamamento de Jihâd realizado pelos tiranos e fanáticos de turno não é mais do que um engano. Cada vez que sai um vídeo onde um sósia de Bin Laden apela à “jihad contra os infiéis” a Bolsa em Nova Iorque sobe. Mas isso não quer dizer que o jihad (esforço, empenho) não seja uma peça do Islão, completamente imprescindível no momento em que a barbárie avança a passo firme: Como ultrapassar o nosso estado de dispersão sem o esforço do encontro? Como escapar a esse confronto que quer levar milhões de pessoas à morte sem um esforço lúcido de nos livrarmos de toda a idolatria? Os ídolos agora não são umas estatuetas de barro, mas sim a pornografia, a ideologia do consumo, a justificação da guerra e da euforia competitiva, todas as grandes mentiras que se institucionalizaram. Não há nada mais destrutivo que esse culto acenntuado do dinheiro que domina as nossas sociedades. Sobre isto o Alcorão tem um versículo clarificador: “Quando queremos destruir uma cidade…fazemos aos ricos detentores do poder” (XVII, 16), algo que se torne evidente tanto na América dos Bush e dos Cheney como na Arábia dos Banu Saud (Sauditas).

É necessário pensarmos na jihad (esforço) deste nosso compromisso com a Realidade, a partir da nossa entrega a Deus.

A nossa capacidade de resistência à alienação torna-se firme a partir do momento em que sentimos Deus como mais imediato. O Alcorão diz-nos que “Deus está mais perto do homem que a sua veia jugular”, que “Olhes para onde olhares está a Face de Deus”. Nada está mais distante disso que o ‘deus’ distante dos clérigos reaccionários, esse senhor severo sentado num trono de pedra, ou senhor cruxificado e sangran- do que nos enche de tristeza. Para o Muçulmano essas imagens não são mais que véus, pois ele sabe que o único real é o imediato, que a Realidade não pode ser quantificada, segregada a uma imagem.

Deus não só vê através das coisas e dos acontecimentos, em todos os momentos e olhares, no amor da mãe pelo filho, ou mesmo entre as ruínas de um incêndio.

A porta do Islão é o assombro, a capacidade que temos de nos maravilharmos perante um gesto de nobreza e isso é o que não devemos deixar que nos tirem, substituindo a beleza primária da terra por umas imagens de conforto ou de violência que eles espalham à sua volta. A Beleza e a Majestade da Criação são o nosso único horizonte, esse lugar comum de todos os encontros, à volta do qual os homens se reúnem tranquilamente. Esse é o mundo que as bombas nos escondem, e do qual, muitas vezes, as estratégias dos meios de comunicação tratam de nos desenraizar. Nós somos representantes de Deus e temos uma responsabilidade enorme: o cuidado do mundo. Devemos contribuir para recriar um mundo de luz paralelo ao mundo das guerras e das ideologias e a esse mundo torná-lo cada vez mais amplo, mais habitável e partilhável e convidar todos os nossos irmãos, sejam ateus, cristãos, judeus ou budistas, membros de qualquer religião ou de qualquer raça. Numa só frase: Trabalhar para o caminho do encontro.

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Acabe com a injustiça, dizem personalidades muçulmanas a Obama

(Versão Portuguesa de Al Furqán)

CAIRO – Uma panóplia de pensadores escolásticos muçulmanos, activistas políticos e académicos escreveram uma carta aberta ao Presidente norte-americano Barack Obama, incentivando-o a iniciar o seu reinado com a remediação das injustiças infligidas aos árabes e muçulmanos, para que a paz possa prevalecer e que a América recupere a sua imagem.

“A civilização não pode prosperar e a paz e a segurança não podem ser desfrutadas pelo mundo, a menos que a justiça prevaleça na terra e seja dominante nas relações internacionais,” dizia a carta, da qual o IslamOnline.net obteve uma cópia.

A carta fazia uma lista das injustiças que deverão ser mitigadas de forma a pôr fim às hostilidades e a promover a paz no mundo.

Os líderes muçulmanos acrescentaram: “Nenhuma outra nação da história sofreu tamanha injustiça como aquela que foi infligida ao povo palestiniano”.

“Este facto tem sido ignorado pelos E.U.A. de forma a responder a pressões de índole financeira, política ou dos media, ou então a ilusões ideológicas, lendas ou ambições eleitorais.”

Entre os signatários encontram-se o Sheikh Yusuf al-Qaradawi, presidente da International Union of Muslim Scholars (IUMS), Rashid Al-Ghanoushi, Secretário-Geral do Al-Nahdha Movement da Tunísia, Qazi Hussein Ahmad, líder do Jamaat-e-Islami, do Paquistão, e Ali Sadruddin Al-Bayanoni, Presidente da Irmandade Muçulmana da Síria.

A carta afirma que não podem ser retomadas as relações normais com árabes e muçulmanos, “a menos que a injustiça infligida à nação palestiniana” seja levantada e “a não ser que as soberanias iraquianas e afegãs sejam preservadas.”

Obama, que prestou juramento como o 44º presidente norte-americano, e o primeiro de raça negra, na terça-feira, dia 20 de Janeiro, prometeu um recomeço nas relações com o mundo islâmico.

No seu discurso de nomeação, que foi visto por milhões em todo o mundo, Obama afirmou o seguinte: “Em relação ao mundo muçulmano, procuramos um novo caminho, com base no interesse e respeito mútuos.”

Os líderes muçulmanos lamentaram o facto de uma grande parte das injustiças do mundo actual ser perpetuada ou ignorada pelos Estados Unidos, tendo afirmado: “Embora os Estados Unidos sejam, de todos os países do mundo, o que mais clama pela liberdade e respeito pelos direitos humanos, somos da opinião de que, na prática, os governos norte-americanos são aqueles que mais violam os direitos humanos e que mais confiscam a liberdade dos outros.”

“Além do mais, mostrou ter a parte de leão no que diz respeito ao apoio a regimes ditatoriais, à conspiração contra democracias em desenvolvimento, ao planeamento de golpes militares e ao desrespeito face às organizações internacionais.”

A carta alertava para o facto de as tentativas de impor um modelo americano através da força e da pressão teriam apenas como consequência o efeito oposto ao pretendido.

“Quem primeiro sofre as consequências destes métodos são os próprios Estados Unidos.”

A imagem dos Estados Unidos foi severamente denegrida durante os oito anos de presidência de George Bush, o antecessor de Obama.

A chamada “guerra ao terrorismo” de Bush, uma série de escândalos relativamente a abusos de detidos no Afeganistão, Iraque e no conhecido centro de detenção de Guantanamo, empolaram os sentimentos anti-americanos pelo mundo fora, especialmente nos países islâmicos.

Os líderes muçulmanos incentivaram Obama a assegurar que os Estados Unidos, durante a sua governação, iriam reconsiderar com seriedade a sua abordagem na relação com o mundo.

“No entanto, esta posição requer, da parte da liderança norte-americana, uma coragem que transcende interesses políticos e partidários.

“Irá ser um homem de ética, princípios e sonhos, tal como prometeu ao seu povo e ao mundo?”

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Alexandria, Capital da Cultura Islâmica 2008

Reportagem coordenada por: M. Yiossuf Adamgy (24/12/2008)

A Alexandria celebra este ano o título de “capital da cultura islâmica”, outorgado pela ISESCO, a Organização Islâmica para a Educação, Ciência e Cultura. Como parte desta celebração, são muitas as actividades que foram organizadas nesta cidade que chegou a ser capital do Egipto por mais de 1000 anos. Uma capital onde podiam ouvir-se até cinco idiomas: árabe, francês, inglês, grego e arménio (ou italiano, etc). A Alexandria era uma rica combinação, onde o Oriente e o Ocidente permaneciam em harmonia.

A conferência “Alexandria e a Cultura Islâmica” será, quiçá, a actividade mais destacada no momento. Conta com a participação de membros da mencionada ISESCO, bem como da Comissão Nacional de Educação, Ciência e Cultura do Egipto e outros académicos oriundos de fora do país. Esta conferência foi dirigida aos meios de comunicação e às associações e teve como objectivo principal educar e formar para a importância de continuar com o diálogo – entre civilizações e culturas – como componente central nos conteúdos comunicativos.

Entre os temas, estiveram o histórico carácter cosmopolita da comunidade alexandrina antes da chegada do período islâmico, a co-existência entre diferentes religiões, os intelectuais alexandrinos na idade islâmica – arquitectura e arte em geral – bem como um interessante ponto sobre as contribuições desta cidade para com o Islão. Aqui, convergem duas ideias: a Alexandria europeia e a Alexandria árabe. Sobre este dilema, falou o prestigiado Professor Dr. Mohamed Rafeek Khalil. Na apresentação do seu projecto sobre “O aspecto islâmico árabe vs. o aspecto europeu na cultura alexandrina,” concluiu dizendo que, apesar de Alexandria sempre ter sido uma cidade cosmopolita com uma identidade mediterrânea, nada pode negar o papel crucial das suas raízes históricas que se tornam mais e mais profundas ao largo dos séculos.

Os alicerces da Alexandria cosmopolita.

Hoje em dia, Alexandria conserva, não obstante o espírito das civilizações que encontraram nesta cidade, um lugar idílico para o seu desenvolvimento e força: a porta do Mediterrâneo. Com um porto marítimo de grande importância estratégica que unia as ricas civilizações gregas e romanas com África, foi ponto de desembarque das riquezas provenientes do Ocidente e também de piratas.

Alexandria é a segunda maior cidade do Egipto e conta com uma costa invejável, que muitos quiseram ter. A brisa do Mar Mediterrâneo penetra pelas suas ruas, envelhecendo fachadas, varrendo as ruas poeirentas e amolecendo os terríveis engarrafamentos de uma cidade ocupada e agitada.

A verdadeira Alexandria não é a que todos vemos. Para poder visitar a antiga cidade histórica, aquela fundada por Alexandre, o Grande, teríamos de submergir no mar. Já não há vestígios, embora, possamos ver milhares de ruínas, ptolemaicas, romanas, bizantinas e da era islâmica.

A multiculturalidade mistura-se com a multitude de religiões que aqui convivem, podendo encontrar-se igrejas católicas, anglicanas, protestantes, bem como ortodoxas – e ainda mais.

Encontramos também mesquitas tão conhecidas como a Abou El Abbas El Morsy, um sheikh que, chegado de Murcia, permaneceu mais de 30 anos em Alexandria e construiu esta mesquita. Para além das catacumbas greco-romanas, o anfiteatro romano ou o Pilar de Pompeia, conta com numerosos museus e com uma das maiores sinagogas do mundo.

Os parques e praias são mais um ponto a favor para motivar a vinda dos visitantes. Os turistas, claro está, não podem deixar de visitar a mítica Biblioteca de Alexandria.