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Bem-vindo sejas, ó mês do Muharram

Com uma torrente de lágrimas caindo dos meus olhos,
Recebo-te a ti, ó mês do Muharram.

Ao trazeres um Novo Ano ao Calendário Islâmico,
Enches os corações de dor e pesar;
Pois trazes à memória um sofrimento sem igual,
Que nos concede a esperança de um amanhã melhor.

Com uma tempestade de orgulho a agitar a minha alma,
Recebo-te a ti, ó mês do Muharram.

Cravada no teu nome está a glória da minha fé,
Ocultos nos teus dias estão os lamentos e mágoas;
Ao teu colo está a balança da verdade,
Que aparta os amigos dos adversários.

Com um oceano de piedade, entre arrepios delirantes,
Recebo-te a ti, ó mês do Muharram.

Testemunhaste a jornada da família do Profeta (s.a.w.),
Que enfrentou a morte, a angústia e a agonia por Allah.;
Os brutais ataques que enfrentaram não fizeram vacilar
As verdades eternas que preservaram na História.

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O início da transmissão das ciências e cultura Arábico-Islâmica

O Ínicio da Transmissão das Ciências e Cultura Arábico-Islâmica As Ciências e Cultura Arábico-Islâmica foram transmitidas à Europa principalmente através da imigração dos Moçárabes para outros locais da Europa; através de contacto comercial, e dos caminhos percorridos entre o Norte e o Sul da Europa, bem como entre o Oriente e o Ocidente; mediante as visitas diplomáticas entre os reis Germanos e Franceses, assim como através do domínio Muçulmano na Península Ibérica; através das traduções de livros e manuscritos; mediante os estudantes europeus que frequentavam as Universidades Muçulmanas em Espanha; e também através dos Judeus e dos Cruzados. Por estas evidências, podemos afirmar que as traduções levadas a cabo, de manuscritos e livros arábico-islâmicos, foram de uma extrema importância para o processo de transmissão das Ciências e Cultura Islâmica aos Europeus.

No que respeita ao exacto momento do início deste processo de transmissão, parece-nos existir um certo desentendimento no seio dos estudiosos desta temática. Alguns afirmam que a influência Muçulmana ter-se-á iniciado na Europa somente a partir do século XII, mas a descoberta de um testemunho do século X (984 da era Cristã) exige a reabertura desta questão. Num artigo intitulado “A Introdução da Ciência Muçulmana na Lorraine no século X”, de J. W. Thompson, verificamos que o autor tenta demonstrar dois pontos.

  1. O percurso intelectual existente entre a Espanha e a Europa, além-Pirineus, que era tão antiga quanto o Império Romano, nunca foi verdadeiramente encerrado.
  2. A Ciência Muçulmana foi introduzida nas escolas da Lorraine (na Alemanha) e foi aí desenvolvida muito antes de Gerbert.

Gerbert, ao que se sabe, foi um dos mais iluminados estudiosos europeus da 2ª. metade do século X, tendo-se dedicado ao estudo das matemáticas, astronomia, física, bem como outras ciências, sob o domínio Muçulmano na Espanha. Posteriormente Gerbert viria a ser Papa sob o nome de Silvestre II, no ano 999 da era Cristã. É interessante sublinhar o facto de que, no seu percurso de regresso da Andaluzia, Gerbert fundou escolas tanto em França, como na Alemanha. Falava a língua arábica tão fluentemente como qualquer árabe letrado o faria; com a ajuda de um globo regressou de Córdova e ensinou astronomia e geografia a centenas de estudantes, que a ele recorriam à procura de conhecimento.

Encorajou a utilização dos números árabes (que hoje são utilizados no mundo ocidental) que, gradualmente, substituiram o impróprio sistema numérico romano, na Europa. Alguns dos seus comentários e actos demonstram bem quão profundamente Gerbert se encontrava influenciado pelo ensinamento dos Muçulmanos.

Quando se tornou Papa, Gerbert costumava dizer: “Ninguém em Roma é suficientemente letrado para ser um Guardião”. Ele estremecia perante os pecados abomináveis, crimes e subornos dos Papas, e exclamava: “São estes pecadores ignorantes merecedores de adoração dos povos, como o vigário de Deus”?( 1 ) No entanto, Thompson demonstra que a relação intelectual entre a Espanha e a Gália (França) continuou durante os séculos VI, VII e VIII, reportando-se a três dos mais antigos manuscritos da Vulgata. No século IX, Thompson refere o facto de, durante o reinado de Luís, o Pio (814-840), o Império Franco ter grandes interesses na Espanha, e existe mesmo uma referência de um certo Martin de Toledo, cujas “notas conferenciais” detinham uma influência considerável, bem como popularidade, nas escolas da Gália, durante o século IX.

Há, igualmente, uma menção à troca de Embaixadores entre os Califas de Córdova e Carlos, o Calvo (840-877), de França, bem como à influência deste facto na própria França. Todavia, parece que as relações culturais entre a Espanha e a França não se desenvolveram a um tão alto nível, como aconteceu com a influência que as Ciências Muçulmanas tiveram na Alemanha Saxónica, durante os séculos X e XI. Contudo, ideias da Cultura e Ciências Muçulmanas devem ter seguido os caminhos comerciais, bem como os da correspondência entre a França e outras partes da Europa, uma vez que existiam relações comerciais entre o Império Franco e a Espanha Muçulmana.

Durante o reinado de Oto I da Germânia (936-973), um monge de nome John of Gorze foi enviado, em 953, para a Espanha Muçulmana, como Embaixador. Thompson menciona o facto de que, quando John of Gorze regressou à Germânia, após uma estadia de quase 3 anos na Espanha Muçulmana, ele deve ter levado alguns manuscritos Muçulmanos de natureza científica, pois que ele se interessava, profundamente, pela matemática e astronomia, à semelhança do que ele levou, de manuscritos deste género, do Sul da Itália. Pode ser que tenha sido através de John of Gorze ou de outros como ele, incluindo o próprio Gerbert, que estudaram na Espanha Muçulmana naquela época que descobrimos o uso do tipo de astrolábio Árabe, assim como do ábaco, entre os astrónomos e matemáticos na Lorraine, durante o séc. XI. No fim do artigo, Thompson afirma:

“Estou convencido que as escolas da Lorraine, durante a última metade do século X, foram as “sementes” da Ciência Muçulmana, germinadas em primeiro lugar na Europa Latina, a partir da qual o conhecimento se expandiu a outras partes da Germânia (testemunha disso foi Herman Contractus, em Reichenau), a França, até a Inglaterra”.

Num outro artigo similar, intitulado “Lotarínguia como um Centro Árabe de Influência Científica durante o século XI”, M. C. Welborn escreve que “somente alguns dos muitos clérigos da Lotarínguia (Lorraine), que estiveram em Inglaterra no século XI, foram realmentemencionados, sendo importante sublinhar o facto de todos eles se terem interessado pelas matemáticas e astronomia.” E acrescenta “que os sábios da Lotarínguia ficaram muito populares na Inglaterra, e eram apontados como arcebispos, bisbos e mestres de escolas”. Welborn conclui o seu artigo dizendo: “Desta forma, verificamos que a Inglaterra e a Suiça (Reichenau) foram fortemente influenciadas pelos matemáticos e astrónomos da Lotarín- guia, e que a primeira “sugestão” da “Ciência Muçulmana”, veio deles”.

Podemos perguntar: como é que foi tal possível se as Ciências Muçulmanas foram introduzidas na Lorraine no século X, tendo-se esta tornado num Centro da Influência Científica Arábico-Islâmica no século XI? Devem-se ter efectuado traduções de alguns manuscritos Arábico-Islâmicos, provavelmente de John of Gorze e de outros, de forma a que a Lorraine se pudesse transformar num Centro de influência da Ciência Arábico-Islâmica, nessa época.

No entanto, o que sabemos com absoluta certeza é que muitos sábios europeus, incluindo John of Gorze, Gelbert de Aurillac e Pedro, o Venerável, foram até à Espanha Muçulmana com o intuito de estudar as Ciências e, desta forma, a Lorraine tornou-se, provavelmente, num Centro de influência da Ciência Arábico-Islâmica, no século XI. Por conseguinte, foi devido a essa influência que a curiosidade dos intelectuais na Europa foi despertada no século XI, sendo esta uma das razões porque verificamos que sábios, provenientes de todos os cantos da Europa, tais como Abelard of Bath, Robert of Chester, Plato of Tivoli, Hermann of Corinthia, Rudolf of Bruges, Gerard of Cremona e outros, afluíam à Espanha no século XII, sobretudo para estudar as Ciências, bem como para as traduzir em Latim, Hebraico e outras línguas. Este facto teve como consequência imediata a formação da famosa “Escola de Tradutores de Toledo”, que era muito similar à “Bait al-Hikmah” (A Casa da Sapiência) de Bagdad, oficializada durante o período Abássida, acima de tudo para traduzir as Ciências Gregas em Árabe.

  1. A. Oadir, in Islamic Civilization in Europe.
  2. J. W. Thompson, in Economic and Social History of the Middle Ages.
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Apelo do deserto num poema de Salma Sheherazad Terenas

de Salma Sheherazad Terenas

Sonhei tanto contigo, meu Deus!
Há anos que imaginava a tua paisagem
O deserto coberto de estrelas
E os oásis cheios de folhagem… (…)
Nascida neste lado do mundo
Entre as ondas do oceano
Eu amava essa areia
Cheia de beleza e encanto. (…)
E quando te conheci
Pela primeira vez, finalmente
Só eu sei o que o senti
Nessa tua areia tão quente…(…)
Deserto da minha vida
Não há oceano que me encha
Não há marulhar que consiga devolver-me
assim a alegria…(…)
Lembrar as ondas do mar
Causa-me um duro arrepio
Mas na tua areia entrar
Torna-me o ser mais feliz do mundo.

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A independência do poder judiciário no Islão

Coord. por: M. Yiossuf Mohamed Adamgy
in Editorial da Revista Al Furqán, nº. 163, de Maio/Junho.2008

Prezados Irmãos, Assalamu Alaikum:

O conceito da independência do poder judiciário é tão antigo quanto o Islão.

Muitos, muitos séculos antes de o Ocidente começar a teorizar este conceito, os tribunais do Islão actuavam com independência face ao poder executivo. Com efeito, este conceito tem base no mandamento do Alcorão relativo à justiça. O Nobre Alcorão ordena o seguinte:

Ó gente de Imán! (Fé) Estabelecei a justiça, testemunhai Allah mesmo que tenhais de ir contra vós próprios, os vossos pais ou familiares. Seja o homem rico ou pobre, sabei que Allah está perto de ambos; por isso, não deveis seguir os vossos desejos no que respeita à aplicação da justiça. (Surah Nisaa, Aayat 135)

Os governantes do Islão (os Khulafa e os Sultões) demonstraram na prática a independência do Sistema Judicial Islâmico. Para além dos Khulafa-e-Ráchidin, até os reis e sultões mundanos aplicaram o princípio da justiça. Os poderosos governantes do Islão submetiam-se, de imediato, à convocatória do Qádhi (juiz) e, sem hesitar, enfrentavam o julgamento exactamente da mesma forma que os cidadãos comuns. O episódio que de seguida relato ilustra o Sistema Judicial Islâmico bem como a independência gozada pelo poder judicial desde as origens mais incipientes do Islão.

HADHRAT UMAR (r.a.)

Hadhrat Umar (radhiyallahu an-hu = que Allah esteja satisfeito com ele) é uma figura conhecida até pelos não-muçulmanos. Os impérios romano e persa, as duas superpotências da época, foram derrotados por Hadhrat Umar (r.a). Na verdade, uma mera referência ao seu nome causava apreensão aos imperadores e reis.

A casa de Hadhrat Abbaas (radhiyallahu an-hu), o tio paterno de Rassulullah [Mensageiro de Deus] (sallallahu alayhi wasallam) era contígua à Maçjid-e-Na-bawi (Mesquita do Profeta). A água da goteira pingava para a Maçjid, causando transtorno aos mussallis (crentes que faziam a oração). Umar (radhiyallahu an-hu) ordenou que a goteira fosse retirada. E assim aconteceu, a goteira foi retirada enquanto Hadhrat Abbaas se encontrava ausente.

O TRIBUNAL

No seu regresso a Medina, quando percebeu o que tinha acontecido, Hadhrat Abbaas (radhiyallahu an-hu) ficou furioso. Apressou-se a ir ao tribunal de Qádhi e apresentou queixa pelo comportamento de Amirul Muminin, Hadhrat Umar (radhiyallahu an-hu).

Hadhrat Ubay Bin Ka’b (radhiyallahu an-hu) era o Chefe dos Qádhi, que, de imediato, convocou Hadhrat Umar (r.a.) ao Tribunal, a fim de res- ponder à queixa apresentada. No dia marcado, Hadhrat Umar, o Governante do Império Islâmico, compareceu no Tribunal do Qádhi, dando provas de profunda humildade e simplicidade. Hadhrat Umar (radhiyallahu an-hu) teve inclusivamente de esperar durante algum tempo no exterior do Tribunal, devi- do aos outros compromissos do Qádhi.

O JULGAMENTO

Hadhrat Umar (radhiyallahu an-hu) foi finalmente chamado a entrar. Quando entrou, tentou dizer algo, mas o Qádhi ordenou-lhe, que se mantivesse calado, nestes termos: “O queixoso tem o direito de falar e de apresentar o seu caso. Mantenha-se em silêncio.”

Hadhrat Abbaas afirmou: “A minha casa foi sempre contígua à Maçjid Nabawi, quer no tempo de Rassulullah (sallallahu alayhi wasallam), quer durante o Califado de Hadhrat Abu Bakr (radhiyallahu an-hu). Mas, agora, o Ami-ul Muminin demoliu a goteira e deitou-a fora. Eu fiquei bastante aborrecido com este comportamento e, por isso, quero justiça.”

O Qádhi perguntou: “Ó Amirul Muminin, o que tem a dizer?”

Hadhrat Umar afirmou então: “Retirei a goteira, é um facto. Sou o responsável por esse acto.”

O Qádhi pôs então a Hadhrat Umar a seguinte questão: “Devia abster-se de interferir de forma tão injusta na casa de outra pessoa e sem o seu consentimento. Porque é que o fez?”

Hadhrat Umar respondeu o seguinte: “Excelência, por vezes a água da goteira pingava para a Maçjid, o que causava inconvenientes e preocupações aos mussallis. Foi por essa razão que ordenei que fosse retirada. Assim sendo, considero ter agido correctamente e não creio ter cometido nenhum crime.”

O Qádhi perguntou a Hadhrat Abbaas: “O que tem a dizer em resposta a isto?”

Hadhrat Abbaas respondeu: “Meritíssimo, foi o próprio Rassulullah (sallallahu alyhi wassallam) quem demarcou as fundações da minha casa com a sua própria faca. Depois de a casa estar acabada, Rassulullah (sallallahu alyhi wassallam) ordenou que a goteira fosse construída exactamente no sítio onde estava. Rassulullah (sallallahu alyhi wasallam) disse-me para eu subir aos seus abençoados ombros e instalar a goteira. Eu recusei-me, movido pelo respeito; no entanto, Rassulullah (sallallahu alyhi wasallam) insistiu com veemência. Assim, acabei por condescender. Subi aos abençoados ombros de Rassulullah (sallallahu alyhi wasallam) e agi conforme ele ordenava: coloquei a goteira precisamente na posição de onde o Amirul Muminin ordenou que fosse retirada.

O Qádhi perguntou-lhe então: “Tem alguma testemunha ocular que confirme o que diz?”

Hadhrat Abbaas respondeu: “Não tenho apenas uma ou duas, tenho várias.”

O Qádhi afirmou: “Se as apresentar agora, este assunto pode ficar resolvido.”

AS TESTEMUNHAS

Hadhrat Abbaas (radhiyallahu an-hu) saiu e passado algum tempo voltou a entrar com várias testemunhas pertencentes ao povo de Ansar. Todas essas testemunhas prestaram depoimento e revelaram ser testemunhas oculares do sucedido.

Entretanto, o influente governante à face da terra, Hadhrat Umar (radhiyallahu an-hu) permanecia humildemente com os olhos postos no chão. Finalmente, disse o seguinte:

“Ó Abul Fadhl (Hadhrat Abbaas)! Perdoa-me, por Allah! Desconhecia em absoluto que fora o próprio Rassulullah (sallallahu alayhi wasallam) quem ordenou a construção da goteira naquela posição. Se soubesse, nem por causa justa ordenaria a sua remoção. Afinal, que direito tenho eu de retirar a go- teira cuja colocação foi ordenada pelo próprio Mensageiro de Allah (sallallahu alayhi wasallam)?”

REPARAÇÃO

Hadhrat Umar (r.a.) afirmou o seguinte: “A justiça ficará reposta se subir aos meus ombros e recolocar a goteira na sua posição original.”

O Qádhi afirmou então o seguinte: “Sim, Amirul Muminin, essa é a exigência da justiça: é isso que deve fazer.”

Passado pouco tempo, o povo viu o poderoso Califa, que derrotara o Qaisar e Kisra (os imperadores de Roma e da Pérsia), junto ao muro, com Hadhrat Abbaas (r.a.) sobre os seus ombros, recolocando a goteira na sua posição inicial.

Terminado o trabalho da reposição da goteira, Hadhrat Abbaas (r.a.) saiu de cima dos ombros de Hadhrat Umar (r.a.) e afirmou:

“Ó Amirul Muminin, o que aqui aconteceu foi a restituição dos meus direitos! Agora que, justamente, alcancei os meus intentos graças ao vosso amor pela justiça, peço perdão pelo desrespeito que essa restituição implicou. Com toda a abnegação, entrego a minha casa no Caminho de Allah Taala como uma Waqf (doação). Tendes o direito de a demolir e de incluir o terreno na Maçjid. Que Allha Ta’ala aceite a minha doação.”

Este era o conceito de justiça que os Companheiros do Profeta (s.a.w.) praticavam. Não foi em vão que o Profeta (s.a.w.) disse: “A parecença dos meus Companheiros (Sahabah) é como a das estrelas (guias). Qualquer que sigais, sereis por ele guiado (no caminho certo).”

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Ano novo islâmico . 1429

Prezados Irmãos, Assalamu Alaikum:

No próximo dia 9/10 de Janeiro de 2008, inicia-se o Ano Novo Islâmico, ou seja o 1º. dia do mês de Muharram de 1429. A todos os Muçulmanos desejamos um Ano Novo Próspero.

Por outro lado, no dia 10 de Muharram celebra-se o Dia de Ashura, o qual, no ano de 2008, corresponde ao dia 18/19 de Janeiro.

Vários são os motivos que justificam jejuar neste dia. Quando o Mensageiro de Allah (s.a.w.) chegou a Medina (ár. Madinah), constatou que os judeus jejuavam. nesse dia Ao perguntar-lhes o porquê do jejum, responderam-lhe que comemoravam o dia em que o Profeta Moisés (a.s.) e o seu povo haviam atravessado o Mar Vermelho, o dia em que as águas se abriram e os Judeus puderam abandonar o Egipto, e o dia em que as águas voltaram a fechar-se e afogaram o exército do Faraó. O Profeta Muhammad (s.a.w.) identificou-se com a razão apresentada para o jejum. Na altura, os Muçulmanos que fugiam de Meca encarnavam o povo Judeu na sua fuga da tirania. Por outro lado, para os Judeus de Medina tratava-se apenas de uma festa, da celebração de uma história que atingira os seus antepassados. Eram incapazes de dar-se conta que esta mesma história se reproduzia agora, perante os seus olhos. O Profeta (s.a.w.) disse-lhes: “Então, temos nós mais o direito de jejuar do que vós”.

Para que a nossa celebração do Dia de Ashura não fique reduzida a um acto folclórico, há que penetrar nas conotações desse dia, reconhecer em todos os povos perseguidos o povo de Israel e empreender o caminho da libertação.

Segundo a tradição Islâmica, o dia 10 do mês de Muharram é um dia proeminente no processo da Criação.

é o dia em que Allah criou o Seu Trono;
é o dia em que Allah criou o Seu Escabelo:
é o dia em que Allah criou a Sua Tábua;
é o dia em que Allah criou o Seu Cálamo:
é o dia em que Allah criou o anjo Gabriel e todos os Seus Anjos;
é o dia em que Allah criou os Céus;
é o dia em que Allah criou as estrelas;
é o dia em que Allah criou a Terra.
É também o dia em que se produziram alguns dos acontecimentos mais transcendentes da história espiritual da Humanidade, do ciclo da Profecia.
É o dia em que Allah criou o Profeta Adão (a.s.);
é o dia em que o profeta Adão (a.s.) desceu à Terra;
é o dia em que Allah perdoou a Adão (a.s.) e abriu-lhe de novo as portas do Paraíso;
é o dia em que Jonas (a.s.) foi libertado do ventre da baleia;
é o dia em que a Arca de Noé (a.s.) tocou terra;
é o dia em que Abraão (a.s.) foi resgatado do fogo;
é o dia em que Allah perdoou a David (a.s.);
é o dia em que Allah entregou a Salomão (a.s.) os reinos do visível e do invisível;
é o dia em que Allah curou as feridas de Job (a.s.);
é o dia em que Moisés (a.s.) atravessou o Mar Vermelho;
é o dia em que Jesus (a.s.) foi elevado ao Céu.

Por último, no Dia de Ashura caiu a primeira chuva sobre a Terra, foi o dia do martírio do Imame Hussein (r.a.) em Karbala e será este o dia em que o Mundo terá fim.

Por tudo isto, o Dia de Ashura é tido como o mais especial do ano, aquele em que os Profetas foram libertados, superando as duras provas a que foram submetidos. O Dia de Ashura é uma festa, um dia propício para o perdão e para o regresso.

O que significa perdoar? Significa que a Misericórdia de Deus precede a Sua Ira, e que os crentes superam a sua miséria e elevam-se para a Fonte da profecia, aceitando tudo o que acontece enquanto Vontade Divina, como um acto de amor cuja origem e destino outra não é, que não Allah S.T.. Significa que tomamos consciência de que não existe outra divindade, a não ser Deus (ár. Allah), e que tudo aconteceu exactamente como estava escrito, que transbor- damos, que todos os nossos ódios e carências nada são frente ao mar da Misericórdia. Significa abandonar a ira, esquecer as ofensas, reconhecer que nada somos para acusar os demais, que todos somos Filhos de Adão e partilhamos todos a mesma situação.

Qual a relação entre o perdão e todos os acontecimentos proféticos ocorridos neste dia? O Perdão é a libertação dos nós mais fortes que nos atormentam. Abraão (a.s.) foi atirado ao Fogo pelo tirano Nimrod. Allah salvou-o, ordenando ao fogo que ficasse frio. O “fogo frio” é uma metáfora da união dos contrários, a qual se consumou em Abraão (a.s.). O que é o fogo? A paixão em que se consome, o seu ódio para com os seus concidadãos manifesta-se externamente, e Abraão (a.s.) é atirado ao fogo. Paradoxalmente, o fogo que a ira de Abraão (a.s.) havia causado converte-se numa fonte de paz interior para Abraão (a.s.), termina a sua inimizade para com os seus perseguidores e pode fugir das cadeias que o prendem e ao seu povo, em busca de uma terra abençoada. Allah salva Abraão (a.s.) mostrando-lhe o segredo da união dos contrários, do “fogo frio” cujo contacto permite-nos transcender as condições espacio-temporais em que nos encontramos, elevar-nos como ao Profeta Jesus (a.s.) da Cruz, alcançar o Perdão de Allah no meio do fogo deste Mundo.

É assim como Deus forja os Seus servos no fogo, abrasa-os para apagar todas as impurezas, como curou com água de uma nascente o Profeta Job (a.s.), retirou Jonas (a.s.) do ventre da baleia, devolveu o Paraíso ao Profeta Adão (a.s.), libertou da opressão o Profeta Moisés (a.s.) e o Povo de Israel. Deus permitiu ao Profeta Noé (a.s.) pisar terra, regressar da sua lenta travessia. Todos os episódios que celebramos no Dia de Ashura remetem-nos para a entrada no Reino dos Céus, para o despertar da consciência de que o todo é Um, para a libertação de toda a oposição, de todo o dualismo. Todos os episódios remetem-nos para a saída interior do dilema da nossa dualidade desesperada, do nosso carácter fragmentário. Nada somos, a não ser sombra à deriva, sombra que projecta sombra e que luta. Toda a peleja é sinal de que estamos divididos, de que nos vimos separados do nosso semelhante por barreiras de orgulho, mas também de ideologia, de religião ou de doutrina. A vaidade é a pior das doenças. Somente Allah pode arrebatar-nos, arrancar-nos da Cruz e devolver-nos à Realidade. O Perdão é a libertação do Fogo.

O Perdão é a chuva. A salvação é a primeira chuva sobre a Terra partilhada, o Retorno à unidade da vida depois da separação. O ser humano que não consegue perdoar encontra-se preso na fogueira das suas vaidades, prossegue vendo tudo através de si mesmo. É incapaz de transcender a dialéctica do teu ou meu, do eles e nós. Não pode sair do ventre da baleia, incendiar-se-á no fogo, Allah não curará as suas feridas, não verá brotar a fonte, não pisará terra. A incapacidade de perdoar é a enfermidade das enfermidades, a incapacidade de aceitar que o outro reflicta as nossas limitações, que os nossos inimigos somos nós próprios, que tudo na Criação é nosso espelho. A minha querela contigo denuncia-me, denuncia a minha miséria, a minha própria projecção na tua querela. Quem nos ofendeu, quem foi que nós ofendemos? Allah é a causa, o causador e o causado. Os servos do Compassivo são aqueles que vão pela terra e quando os repreendem respondem apenas: Paz. Não há lugar para o ódio em seus corações, pois apenas vêem em tudo o que os rodeia uma teofania, a forma do mistério da Criação em toda a sua grandeza.

Por isso, peço perdão a todos aqueles que se sentiram ofendidos pelas minhas palavras ou pela minha respiração. Peço perdão por pretender existir, por possuir uma consciência que se afirma separada. Peço perdão pelas provocações, por todo o pensamento não enraizado na consciência de que somos todos um. Peço perdão pelo fogo e pela névoa, pela ordem sem formas desta mão, pela ambição sem fundamento.

Ó Allah, liberta-me do ventre desta obscura baleia, que é o meu ego.
Erradica dos meus actos a arrogância, a busca do muro.
Liberta-me do Fogo, suaviza um instante e fixa-me no Teu sorriso.
Eleva as minhas carícias em direcção ao Céu.
Perdoa a minha miséria, as minhas pequenas querelas de homem mortal.
Ajuda-me a ajudar, a alcançar o Perdão …