Posted on

Crise Mundial na Humanidade

Y. A., in Revista Al Furqán, nº. 180, de Março/Abril de 2011

Observamos uma crise mundial da humanidade no seu todo, que apesar dos enormes progressos materiais existentes, está desorientada, descontrolada, desequilibrada, egocêntrica e materialista; apenas interessada no ‘progresso’ (que não é nada mais do que um desenvolvimento verticalista e negativo) e profundamente ateísta (ou não se acredita em Deus ou não se pratica a crença em Deus, amando o próximo); o comum do irreverente (desrespeitoso), o irrisório (burla) do sagrado e a utilização da religião apenas como uma unidade política ou com-promissos sociais). Tudo isto é uma variação do ateísmo.

A actual civilização desenvolveu tecnologia suficiente para construir uma diversidade de formas e modos sobre o nosso planeta, incluindo até para o destruir. Mas descurou de estar em consonância com o desenvolvimento da natureza. Desenvolve conceitos específicos, mas esquece-se das leis universais… O equilíbrio entre as leis da física e os fenómenos biológicos é tão delicado que deve ser mantido de modo a não causar o caos total. Na frenética corrida para o caminho do desenvolvimento tecnológico está-se a quebrar esse equilíbrio de forma irreflectida… Além disso, o ser humano é condicionado para ser escravo deste desenvolvimento. Se a isto juntarmos a carência quer de valores espirituais, quer morais, o fomento do vício e da obtenção de riquezas fáceis, a ânsia desmedida de ‘poder ter’ e ‘ter poder’, que são a base da maioria das consciências individuais, assistimos à geração de uma consciência colectiva débil, que faz com que o desenvolvimento se oriente fundamentalmente para fins militares destrutivos e que depois se adapta, por razões económicas, numa situação de relativa paz a usos pacíficos.

A deterioração lenta e progressiva do meio ambiente, o uso irracional dos recursos naturais, a corrupção, o crime, a fome, a guerra, a intolerância, a falta de respeito pelo direito alheio, o ciúme, o egoísmo, a falta de princípios, o uso dos fortes contra os fracos, o assassinato de seres indefesos, a irresponsabilidade dos pais, as injustiças, a relação desproporcional de pessoas e nações a aumentar o seu poder à custa do sofrimento universal, a perseguição histórica entre opressores e oprimidos, que se complica, hoje, com a variação da perseguição ainda maior entre os próprios oprimidos, etc., etc.

Claro está que a humanidade pode escolher o seu progresso, dando-lhe orientação moral e social… No livro Preceitos de Ouro do Budismo Esotérico do Tibete, encontramos a seguinte mensagem: ‘Antes de dar o primeiro passo, aprende a distinguir o verdadeiro do falso, o sempre fugaz do sempre eterno. Aprende, sobretudo, a distinguir a sabedoria da cabeça (conhecimento) da sabedoria da alma (moral), a doutrina do olho da do coração. Na verdade, a ignorância assemelha-se a um vaso fechado e sem ar; a alma é um pássaro preso no seu interior. Não canta e não consegue mexer uma pena. Mudo e sem resposta, o pássaro está esgotado e morre. Mas mesmo a ignorância é melhor do que a sabedoria da cabeça, a menos que esta tenha também a sabedoria da alma para a iluminar e dirigir… Apesar de nos sentirmos poderosos e ainda que grandes nações se considerem intocáveis e invencíveis, deve-mos lembramo-nos que tudo tem o seu prémio, compensação e punição. Um átomo do bem que façamos será medido e pesado e um átomo do mal também o será, conforme menciona o Sagrado Alcorão. Até mesmo um átomo está sempre presente na mente de Deus, até os cabelos da nossa cabeça estão contados, como as Escrituras dizem. Estes são dias de julgamento e tudo acontece tão rápido que parece que os dias foram encurtados. Devemos orar, orar e meditar.

Muitos esquecem-se de se entregarem a Deus permanentemente. Por esta razão, antes de começar qualquer acção, o muçulmano menciona o nome de Deus, Clemente e Misericordioso, para pedir protecção, recordar a sua finalidade e garantir a inspiração da piedade. Mas também temos de trabalhar e tentar progredir, buscando inspiração em bases morais e espirituais. Jesus, um dos Profetas de Deus, paz esteja com ele, mencionou que não só de pão vive o homem. Mas mencionou o pão e na bela oração que nos ensinou, dirige-se ao Todo Poderoso e suplica-Lhe: ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’.

Precisamos de trabalhar para esta vida, mas também para a outra e isso é maravilhosamente resumido num hadith (dito) do último Profeta de Deus, Muhammad, que a paz e as bênçãos estejam sempre com ele: Nós temos que trabalhar para esta vida, como se fossemos viver para sempre, mas ao mesmo tempo trabalhar para a outra vida como se fossemos morrer amanhã. Progresso e material de trabalho, mas por razões morais, a par de oração, através de oração, caridade e jejum. Como a mensagem bíblica diz: Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as outras coisas virão depois.

Se cada um mudasse de forma positiva, a humanidade resolveria os seus problemas.

Posted on

O Nascimento da Modernidade Islâmica

(Opinião – 15/03/2011 – Autor: Pepe Escobar* – Tradução: Rebelión) – Versão Portuguesa: Al Furqán

A crença de que o Islão e o Ocidente são antípodas é coisa de tarados tipo apresentadores da Fox News

*Pepe Escobar é autor de ‘Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War’ (Nimble Books, 2007) e ‘Red Zone Blues: a snapshot of Baghdade during the surge’.
O seu último livro é ‘Obama does Globalistan’ (Nimble Books, 2009).
Pode ser contactado em: pepeasia@yahoo.com.
Fonte: http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MC12Ak01.html

Quando me deslocava pelas estradas de Afeganistão e Paquistão antes e depois do 11 de Setembro, há dez anos, o volume que levava comigo na mochila era uma edição em francês da ‘Jihad’ de Gilles Kepel. Noite após noite, em muitas ocasiões em casas de adobe e perante intermináveis chávenas de chá verde, fui, pouco a pouco, empapando-me da tese principal: que o Islão político não estava precisamente no auge, mas, de facto, em decadência.

Por um lado, tínhamos organizações como al-Qaida, autodesignadas vanguardas dedicadas a acordar do seu sono as massas muçulmanas a fim de desencadear uma revolução global islâmica; na verdade, não eram senão versões muçulmanas das Brigadas Vermelhas italianas e da Fracção do Exército Vermelho alemão.

Do outro lado, tínhamos islamitas como, por exemplo, os do Partido turco do Desenvolvimento e da Justiça da Turquia, prontos para submergir-se na democracia parlamentária de estilo ocidental e que apostam pela soberania do povo, não de Allah.

No apogeu da ‘guerra contra o terror’ – com todos esses B52 a bombardear Tora Bora sem reparar em que Ussama bin Laden escapara já para o Paquistão -, no Ocidente tendia-se a agrupar a maioria dos muçulmanos, quando não todos, no catálogo de jihadistas insensatos.

Concordo com Kepel em que o ‘choque das civilizações’ não era mais que um conceito estúpido, grosseiramente investigado e instrumentalizado pelos neoconservadores para legitimar a sua ‘cruzada’. Mas isso precisava que a história o corroborasse de alguma maneira.

Dez anos depois, pode-se finalmente dizer que a análise de Kepel dava no cravo. O islamismo de núcleo duro, estilo al-Qaida, é um fracasso de bilheteira no mundo muçulmano. Em tudo o que se refere à sua miríade de manifestações – no Iraque, no Magrebe, na península Arábica -, a al-Qaida não é senão uma seita desesperada, destinada à lixeira da história, igual a todos esses ditadores apoiados pelo Ocidente, como o derrotado presidente tunisino, Zine el-Abidine ben Ali, e o ex-presidente do Egipto, Hosni Mubárak, que costumavam ser os pilares da luta do Ocidente contra o Islão radical.

Kepel está hoje à frente do Programa de Estudos para o Mediterrâneo e o Oriente Próximo, da lendária Faculdade de Ciências Políticas, em Paris. Num artigo escrito para o diário italiano ‘La Repubblica’, sela definitivamente a vitória do Islão como democracia em frente do Islão como vanguarda ‘revolucionária’. Salienta-mos a seguinte citação:

‘Na actualidade, os povos árabes ultrapassaram esse dilema ou constrição entre Ben Ali e Bin Laden. Voltaram a entrar numa história universal que viu a queda dos ditadores na América Latina, dos regimes comunistas no Leste da Europa e também dos regimes militares em países muçulmanos não árabes, como a Indonésia ou a Turquia’.

O local à procura do universal

E este é o ponto decisivo: os povos árabes estão agora a começar a construir a sua própria, embora vacilante, modernidade. Kepel pergunta-se porque se produziu na Tunísia a primeira revolução e descobre que a consigna principal estava em francês: ‘Ben Ali, degage’ (‘Ben Ali, vai embora’). A consigna foi fielmente adoptada – ipsis litteris – pelos egípcios, num país em que muito pouca gente fala francês. Adoptaram tal lema revolucionário porque o ouviram na Al-Jazira. Isto permite a Kepel concluir que estas revoluções actuais têm as raízes tanto na cultura local como nas aspirações universais.

E, se bem que os sintomas sejam os mesmos – desemprego, pobreza, corrupção, ausência total de liberdade -, são revoluções diversas que lutam para poder alcançar o poder com estratégias diferentes. Alguns deitam lenha na fogueira dos problemas tribais ou confessionais, outros apostam em si próprios ou em se imunizar da interferência ocidental.

O problema é que os hagiógrafos do império estão a interpretar mal a diversidade de métodos empregados pelos tiranos para esmagar estas revoluções, para assim poder legitimar melhor a aura dos repressivos ‘rapazes bons’ escolhidos

Assim, temos Robert D. Kaplan, vinculado ao Pentágono, a tentar fazer acreditar à opinião pública que se trata de déspotas ilustrados (a dinastia Al-Khalifa no Bahrein, os dois reis Abdulá, o da Arábia Saudita e o da Jordânia) defronte irredimíveis ditadores diabólicos (como Muamar al-Khadafi).

Como se a maioria xiita no Bahrein precisasse dos Al-Khalifa sunitas para promover a formação de uma classe média: condição prévia para o estabelecimento de uma democracia. Os Al-Khalifa não se importaram nunca nem um pouquinho com promover uma classe média, porque, dessa forma, do seu autocrático sistema ‘aberto aos negócios’ só se beneficiava uma pequena oligarquia sunita.

E o raciocínio para defender esses tiranos escolhidos é que alguns países não têm base institucional para uma transição para a democracia; portanto, metem no mesmo saco a Líbia tribal, dirigida pelo ‘malvado’ Khadafi, e os emirados do golfo Pérsico, dirigidos por ‘aceitáveis’ reis e emires.

A estender pontes

Por muito que a modernidade ocidental esteja em crise, isso não significa que o mundo esteja a sofrer o assédio de uma guerra religiosa moderna. A crença de que o Islão e o Ocidente são antípodas é coisa de tarados tipos apresentadores da Fox News. O mundo está a ser testemunha de uma nova cristianização da Europa, bem como de uma nova evangelização dos Estados Unidos. Isto demonstra que modernidade e religião são compatíveis, quer no Ocidente, quer no Oriente Próximo.

Podem proceder de diferentes latitudes culturais: o Ocidente, da decadência da modernidade, e o Oriente Próximo, da decadência do fundamentalismo religioso, para tratar de convergir no mesmo lugar: uma ponte de diálogo entre o Oriente e o Ocidente.

O que Kepel quer essencialmente mostrar é que a Europa e o mundo árabe não têm outra hipótese senão tentar construir uma civilização híbrida – não só em termos de movimentos de capital, bens e serviços, mas também mediante sólidos investimentos na cultura e na educação – do mar do Norte ao golfo Pérsico, com o Mediterrâneo como centro nevrálgico. Isto implica que a Fortaleza da Europa deverá voltar a examinar o seu lugar no mundo e que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não tentará condicionar o diálogo mediterrânico.

É um caminho longo e perigoso, com uns quantos Khadafis, Al-Khalifas e Abdulás que há que deitar fora.

O mundo árabe está a sofrer muitos traumas durante demasiado tempo, quase um século desde que as potências coloniais do Reino Unido e da França atraiçoaram a Nação Árabe e repartiram a terra.

A prova autêntica da autoproclamada ‘missão civilizadora’ do Ocidente está precisamente aí, em dar as boas-vindas e em ajudar, com todo o coração, a que o Mundo Árabe alcance a esfera da modernidade.

Posted on

EUA falam em democracia nos países árabes, mas receiam-na

Geopolítica – 16/03/2011 – Autor: Ahmad Diab Al Meyui
Fuente: Webislam – Versão Portuguesa: Al Furqán

Por favor, que a ‘ajuda’ internacional a esses povos não chegue uma vez mais.
Por favor, que os EUA não os ajudem mais.

Vários clichés estão a ser criados nestes dias em que a intifada [1] incendeia o mundo árabe e islâmico. ‘Oriente Médio nunca será o mesmo’, ‘democracia’, ‘ajuda humanitária’, embora deliberadamente, as grandes agências monopolizam as notícias que nos mostram bandeiras americanas e israelitas a serem queimadas, bem como dezenas de milhares de crentes a realizarem o seu salat (oração), e evitam falar do grande perdedor destas revoltas, Israel, excluindo dessas ‘democracias’ – à sua imagem e semelhança – as organizações políticas islâmicas.
Não obstante, ouvimos os ‘orientalistas’, os alvitradores devidamente treinados, falarem na desgraça em que cairá o mundo árabe se os islamitas (esta é a grafia correcta, e não ‘islamista’) tomarem o poder.

Por outras palavras, segundo esta afirmação de democracia sui generis, os partidos islâmicos não devem apresentar-se a nenhuma eleição: nem no Egipto, nem na Líbia, nem noutros países árabes, cujos governos ditatoriais cairão inevitavelmente.

Será que estes povos podem sofrer mais do que aquilo que estão a sofrer com o ataque da laicidade em nome de supostas liberdades ocidentais? (Quando se trata de tecer comentários sobre o mundo islâmico, é sempre necessário traduzir aquilo que as grandes agências de informação, monopolizadas pelo sionismo, pretendem realmente transmitir).

Existe uma espécie de messianismo dos líderes norte-americanos quanto ao suposto papel que Deus terá concedido aos EUA, como se esta potência, que assassina, viola e transgride, fosse aquela que leva ao mundo, e, sobretudo aos ‘incivilizados’ muçulmanos, a paz, a democracia e uma boa vida.

(Quando estes bárbaros, na época medieval, eram mais bárbaros do que agora, a civilização islâmica encontrava-se no seu apogeu, como nenhuma outra civilização que jamais tenha existido na História, embora, paradoxalmente, não seja devidamente estudada por darem preferência à história da Grécia e de Roma, sendo esta consubstanciada com a Igreja católica, ou vice-versa, simbiose que levou, em contraposição com outras culturas, à denominação ‘civilização ocidental e cristã’.

Permanece, como já o dissemos, aos olhos e no inconsciente colectivo das massas, uma espécie de predeterminação, como se os EUA, ‘o país da liberdade’, fossem o messias que salvará o mundo da iminente catástrofe muçulmana, do hijab, da burka, da lapidação, da sharía, da ablação do clítoris, e de nada de bom que possa retirar-se deste modo de vida, que, obviamente, em nada se assemelha àquilo que os meios de comunicação transmitem, e que representa a maioria absoluta em 55 países do planeta.

O controlo das notícias sobre aquilo que está realmente a acontecer no mundo árabe muçulmano é de tamanha magnitude que a imprensa ocidental mostra, ou apenas exibe no ecrã, rebeldes destes regimes a dirigirem-se a Deus, em oração, cinco vezes por dia. Não é conveniente relatar nem mostrar a realidade: pois, a maioria dos povos dos países árabes são muçulmanos e imporão, mais cedo ou mais tarde, a sua própria lei.

Os preconceitos contra os muçulmanos vêm do passado, da época anterior às cruzadas, e subsistem ainda hoje. Recorrem a qualquer tipo de estratagema não só para travar o célere avanço do Islão, mas também para o despres-tigiar em todas as suas facetas, com o objectivo acima referido. Querem que os Shaikhs (pessoas que ensinam a doutrina; não quisemos, propositadamente, recorrer à sua tradução em Espanhol, ‘xeque’, devido à confusão gerada pelos famosos ‘xeques’ do petróleo) ensinem como se faz a oração ou se apela à oração, como são as formas de culto, mas não querem que se fale sobre política. (Mas é aqui que o Islão é essencialmente político, e qualquer muçulmano, portanto, desejaria ser regido por esta política. Enquanto os EUA não compreenderem isto, esforçar-se-ão em estabelecer a democracia ao estilo ocidental e as suas leis alheias ao espírito dos muçulmanos e ao seu Livro, o Alcorão, cujo conteúdo ultrapassa a parte religiosa, tornando-se, simultaneamente, o Código Civil e Penal dos muçulmanos, que, em Árabe, se designada Sharía. ‘A pior coisa que aconteceu no Ocidente, dizia uma escritora muçulmana, é não terem estudado nem compreendido a política do Islão’).

A ambivalência de tudo isto é que, quando os EUA e os seus aliados falam em ‘democratizar’ o mundo árabe, na realidade, não pretendem fazê-lo, pelo menos segundo a concepção política e ideológica daquilo que se entende por ‘democracia’, visto que, caso se pratiquem eleições transparentes, todos os partidos de cunho islâmico deveriam participar, ou seja, a sua participação não deveria ser proibida como o foi na era Mubarak.

Os democráticos EUA e os seus aliados temem a democracia nos países árabes porque sabem, de antemão, que os muçulmanos impor-se-iam facilmente. Exemplo disso, foi quando o FIS (Frente Islâmica de Salvação) ganhou as eleições na Argélia e se verificou um golpe de estado para que não assumissem o poder (o presidente Abdelaziz Bouteflika sabe-o perfeitamente). Ou quando o caluniado Hamas venceu de forma limpa as eleições na Palestina e os seguidores de Mahmud Abbás (um mau herdeiro de Yasser Arafat), com a cumplicidade do Estado de Israel, não permitiram que assumisse o poder. O que resta aos muçulmanos, senão lutar perante tamanha humilhação e desrespeito? Ou quando com absoluta desfaçatez, as tropas norte-americanas entraram na Pérsia (actualmente, o Irão), em 1953, para destituir o Primeiro-ministro Muhammad Mossadeq e restaurar o trono do Xá, inimigo do seu próprio povo e lisonjeado pelo Ocidente.

A ex-Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, disse algo interessante quando, em 2005, no Cairo, criticou a política dos seus antecessores afirmando o seguinte: ‘Durante sessenta anos, o meu país, os Estados Unidos, deu preferência à estabilidade em detrimento da democracia nesta região, e não se alcançou nenhuma destas coisas. Agora, optamos por outro caminho: apoiamos as aspirações democráticas do povo’ (mas, como é óbvio, os povos não os apoiam).

Após as Cruzadas e escaramuças incontáveis que visaram a apropriação das terras islâmicas, chegou a vez do colonialismo, numa época pouco distante dos dias de hoje, mais concretamente volvidos cerca de trezentos anos. Todas as potências que usurparam as terras do Islão tinham uma obsessão: pôr termo ao Islão, ou, pelo menos, sepultá-lo, mediante a laicidade, como aconteceu com outras doutrinas sagradas. Não que os colonialistas tenham pretendido apagar a fé islâmica e implementar o Cristianismo, salvo por reflexos culturais, uma vez que as aberrações e o genocídio – um holocausto de que pouco se fala – contra os muçulmanos foram uma reacção em cadeia em todos os países que reprimiram e que nada tinha a ver com a doutrina cristã. Perceberam que o Islão era o freio para as suas atrocidades e que, debilitando a fé dos muçulmanos, poderiam apoderar-se facilmente da sua terra, cultura e petróleo. As riquezas foram o acicate. Mas não conseguiram o que queriam: hoje, estão dessa-creditados em todo o mundo, pois, caiu-lhes a máscara. Quem acredita em Barack Obama quando fala em ‘ajuda humanitária’? Vê-se aqui desespero para que a situação política árabe dos dias de hoje “não os deixe fora da aposta, como diz um ditado popular da região de La Rioja. (Já perderam o Egipto, perderam a Líbia, bem como o Bahrein, a Arábia Saudita, os principados do Golfo, a Tunísia, Marrocos, a Argélia, mas nunca terão o Irão, pois, isto é outra história no seio desta história, embora seja necessário mais tempo para que estes governos dinásticos e monárquicos sejam julgados e aniquilados pelos seus próprios povos. Torna-se necessário explicar que o Islão, na sua mais pura acepção doutrinária, não reconhece monarquias e muito menos a sucessão hereditária).

O cerne de tamanho terramoto nos últimos dias, não são as liberdades que o povo egípcio poderá conquistar após a fuga do seu antigo Presidente, Hosni Mubarak, mas sim que o epicentro de toda esta escalada é saber se um novo governo no país das pirâmides seria capaz de quebrar a paz com Israel. Essa é a questão, pois, o Ocidente, criador destes regimes de terror, não está interessado pela situação dos povos árabes que se debatem entre o pan-arabismo, o nacionalismo árabe e o Islão.

Aos EUA, pouco importou ser um aliado próximo do regime egípcio (que ainda se encontra no poder mediante um autogolpe palaciano) nestes últimos trinta anos em que dera, abrigo ao homem que, a seguir à morte de Anwar El Sadat, assumiu o poder e não hesitou em ser cúmplice de Israel quanto ao genocídio perpetrado por este país em Gaza.

Os EUA e vários países europeus vociferam por aquilo que apelidam de ‘revolução egípcia’, e, à semelhança das carpideiras num aduar, clamam por uma espécie de democracia à sua imagem e semelhança, mas, ao mesmo tempo, temem a democracia que eles próprios defendem, não vá um novo Governo do maior país do mundo árabe deitar por terra o domínio ocidental naquela região.

Quanto a Qaddafi[2] (esta é a transliteração mais próxima do Árabe em caracteres romanos, visto que algumas das letras desse idioma, como a ‘qaf'[3], letra com a qual se escreve Caddafi, não têm equivalência em Português, pelo que as dezenas de formas outorgadas pela imprensa estão erradas (ver, quanto a esta questão, aquilo que o repórter do jornal Clarim da Argentina, na Líbia, escreveu), que foi armado até aos dentes para o Ocidente, a Europa recebeu-o nos seus mais luxuosos hotéis (embora usasse uma tenda), para que o histriónico beduíno da tribo Qaddafa (daí o seu sobrenome) se deleitasse com as esculturais meninas às quais dava aulas sobre o Islão, levando-as, posteriormente, para a Líbia para que aprofundassem a sua ‘doutrina’.

Quanto aos factos consumados e literalmente quanto ao povo em armas e irado e quanto a uma verdadeira guerra civil, os EUA e aliados estão a fazer o que sempre fizeram: trair os sátrapas (foi o que fizeram com Faisal do Iraque, com o Xá Reza Pahlavi, com Hosni Mubarak, e agora com Muammar Al Qaddafi, e é, claro, o que continuarão a fazer enquanto os seus interesses estiverem em jogo).

E pouco ou nada se diz acerca de Israel, o principal derrotado nesta verdadeira revolução que incendeia o mundo árabe. A ONU condenou tibiamente Qaddafi, a NATO encontra-se na costa líbia, o procurador do Tribunal Penal Internacional, o argentino Luis Moreno Ocampo, investigou-o como ‘criminal de guerra’, mas, excepto alguns países árabes, o Ocidente não vacilou quando Israel matou centenas de crianças, sem falar dos civis que assassinou na sua última escalada em Gaza. O regime sionista não é um ‘criminoso de guerra’.

De qualquer forma, avizinha-se uma nova era. É bem possível que o Egipto e a Jordânia, dois países árabes que fizeram a paz com Israel à revelia dos seus próprios povos, derrubem estes protocolos. Países como a Tunísia, a Argélia, Marrocos e, em seguida, os do Golfo e as suas monarquias, também mudarão os seus governantes pressionados por esta revolução.

Levará tempo, mas o mapa desta parte do mundo mudará, as políticas mudarão e o grande perdedor, Israel, ver-se-á forçado a regressar, como primeira medida, às fronteiras de 1967.

E, por favor, que a ‘ajuda’ internacional a estes povos não chegue uma vez mais. Por favor, que os E.U.A. não os ajudem mais.

______________________________________________________

[1] Esta expressão, muitas vezes utilizada para fazer referência a uma insurreição contra um determinado regime, pode ser traduzida por ‘revolta’ (N. T.).

[2] Manteve-se a grafia conforme o artigo original, visto que o autor defende o facto de esta ser a grafia mais próxima em termos de transliteração, afirmando que as restantes grafias que possamos encontrar na imprensa não são adequadas (N. T.).

[3] Letra do alfabeto árabe (N. T.).

Posted on

O 30º. Aniversário da Revista Al Furqán

Al Furqán

Prezados Irmãos, Assalamu Alaikum:

No dia vinte e um de Abril, corrente, esta Revista Islâmica Portuguesa, independente, completou o seu 30º. Aniversário e, no dia seguinte, entrou no trigésimo primeiro.

TRINTA ANOS de existência! Louvado seja Deus!

Trinta anos de trabalho intensamente árduos, com muita fé, com muito equilíbrio, enfrentados vários contratempos, dificuldades financeiras, algumas invejas e até má vontades.

Mas dou graças a Deus, pois ao longo deste período de tempo, a coberto do meu ideal de honra e de dever Islâmico no que respeita à informação, divulgação e defesa do Islão, consegui mobilizar a minha modesta força moral e voluntária, colocando-me ao serviço do Islão, esforçando-me no sentido de garantir continuidade regular dos números desta Revista e das actividades e incentivos ligados à cultura Islâmica.

Todavia, e apesar das vicissitudes, existência saborosa porque as compensações têm sido muitas, quer as que me chegam de gente não muçulmana consubstanciada nos pedidos de assinatura da revista, de livros, de respostas às perguntas, quer as que me são dadas pelos irmãos em dádivas de dinheiro, desde o início da fundação da revista Al Furqán, e cuja contabilidade, em síntese, é apresentada em cada número editado. A todos os meus sinceros agradecimentos. Que Allah os recompense.

Congratulo-me, pois, por Al Furqán ter conquistado lugar de relevo ao cabo destes 30 anos de sacrificada existência. Lugar de relevo esse alcançado mercê das numerosas obras editadas, cerca de 180, incluindo as primeiras dez partes publicadas da Tradução Portuguesa do Alcorão, com notas. De mencionar, também, a edição da Feira Anual do Livro Islâmico em Portugal, desde 1994 e da primeira página islâmica portuguesa na Internet, desde 1996.

Por consequência, não se podia deixar passar em branco esta data festiva, nem se pode deixar de rogar a Deus que nos continue a ajudar a manter a Revista e as suas obras como fonte perene de divulgação do Islão em Portugal.

Que Allah se digne orientar-nos na senda correcta.

Mahomed Yiossuf Mohamed, Director

Posted on

Alcorão: Um Livro Perseguido

História – 15/04/2011 – Autor: Fernando Báez* Versão portuguesa: Al Furqán
(Fonte: http://www.elciudadano.cl/2011/04/12/el-coran-un-libro-perseguido/?TB_iframe=true&height=500&width=940)
* (Fernando Báez é historiador e autor do livro “História Universal da Destruição dos Livros”)

“Ali onde queimam livros, acabam queimando pessoas… “

Em Agosto de 2010, os membros ortodoxos de uma pequena e desconhecida igreja cristã da Florida anunciaram, com alguma timidez inicial que rapidamente se converteu em ousadia, que pretendiam queimar milhares de exemplares do Alcorão. A sua intenção era transformar a data de 11 de Setembro, no dia Mundial da Destruição de qualquer obra Islâmica. Parecendo um objectivo pobre, os agentes da polícia pensaram que seria apenas só mais uma ameaça, até que conheceram Terry Jones, pastor que conduzia esta fanática iniciativa.

Jones, dotado de farto bigode, sobrancelhas cerradas, um olhar perdido e pouco eruditos conhecimentos bíblicos, despertou em alguns esse excêntrico sentimento que só o ressentimento e o desejo de vingança podem nutrir, e esta sua persona enquadrou-se perfeitamente na encarnação desse personagem odiado, xenófobo e radical nas suas próprias ambiguidades. Como uma versão controversa dirigida por Quentin Tarantino do polémico Pat Robertson.

Para se manter actualizado através dos novos meios de Comunicação Social, a seita de Jones criou um Link no Facebook, com o nome de ‘International Burn a Quran Day’ onde convidava os seus fiéis a colaborar na fogueira que acenderia nesse dia, em Gainesville, entre as 6 e as 9 horas da tarde. O grupo trouxe um contentor pintado de branco, com letras vermelhas, onde se repetia a mensagem e, como se não bastasse, foram criados cartazes de propaganda, não se escondendo a presença de armas e símbolos nefastos.

O público, céptico e habituado a discursos intermináveis sobre o fim do mundo, não o levou a sério até à reacção oficial de líderes políticos, religiosos e militares.

Um reverendo anónimo como Jones foi então chamado por Robert Gates, director da CIA; pelo mítico General David Petraeus, que comanda as tropas no Afeganistão; e ainda por uma sucessão interminável de policias locais e federais. A 11 de Setembro, data marcada, acabou por não acontecer nada, mas Jones não se rendeu, e a 20 de Março de 2011 decidiu voltar à sua missão, ordenando ao seu assistente que queimasse esse livro que considerava prejudicial para o mundo. Dois dias mais tarde, a notícia provocou a explosão de um edifício da ONU, que fez 12 mortos. Sabe-se hoje que, desde esta “fogueira americana”, já aconteceram pelo menos mais oito atentados com explosivos.

Esta é, provavelmente, uma história patética, no entanto revela a sua tragédia intrínseca no número incontável de vezes que este incidente já ocorreu com consequências amargas. Heinrich Heine, por exemplo, escreveu em Almansor (1821): “Ali onde queimam livros, acabam queimando homens”. A frase é bastante citada, o que por acaso se deixa esquecido de parte (não sei se por má-fé), é que se refere efectivamente à queima do Alcorão na cidade de Granada.

Condenado à fogueira histórica

Em 1500, um austero padre, chamado Francisco Jiménez de Cisneros, ordenou aos seus fiéis que reunissem toda e qualquer edição de livros árabes, em especial do Alcorão, e decidiu que estes seriam submetidos à visão implacável das chamas. Mais de 5.000 volumes foram queimados. Mas este sacerdote, quiçá em singular acaso, passou para a história como o nobre fundador da Universidade de Alcalá.
Durante a captura de Tripoli, em 1109, os cruzados procuraram todos os exemplares possíveis do Alcorão para queimar. Acreditavam que esta era uma obra do mal e que merecia o fogo. Ainda assim, uma misteriosa edição de 1537 foi destruída por instrução directa do Papa. Até então acreditava-se que não havia restado nenhuma cópia, mas na verdade havia uma única no mundo, descoberta por Angela Nuovo, na Biblioteca dos Frades Menores de S. Michele, na Ilha de Isola, em Veneza. Este podia ser um dos livros mais raros da história.

A 11 de Junho de 1992 foi anunciada a execução de quatro pessoas na cidade santa de Mashhad, na província de Khorasan. Os seus nomes eram: Javad Ganjkhanlou, Golamhos-sein Pourshirzad, Ali Sadeqi e Hamid Javid. Todos eles foram detidos em Mashhad, no dia 30 de Maio de 1992, em consequência dos distúrbios ocorridos naquela cidade. Consideraram-se culpados e foram condenados por várias acusações, mas Ali Sadaqi foi ainda acusado de queimar milhares de exemplares do Alcorão, pois era ele o chefe no ataque contra o edifício da Organização da Propagação Islâmica, onde ardeu, em consequência, uma enorme biblioteca.

Acredita-se que entre 1992 e o fim da guerra, os sérvios danificaram cerca de 188 bibliotecas: 43 foram totalmente destruídas e 1.200 mesquitas foram devastadas, sendo esta uma contagem ainda incompleta. Milhares de exemplares do Alcorão foram desta forma purgados e assim desapareceram.
Em 1998, um livreiro francês, de cujo nome não se quer recordar a Comunicação Social Europeia, foi condenado a pena suspensa de dois anos por destruir livros Muçulmanos e Árabes numa Biblioteca Municipal em Paris. Este fanático escondia todos os livros Árabes que encontrava, e depois levava-os para casa, onde os queimava para que ninguém os pudesse ler.

Porquê destruir o Alcorão? Porquê tanto ódio para um Livro?

Numa tentativa de entender o que se passa, talvez se deva assinalar que este ataque responde ao significado cultural e religioso do que ali está escrito. O Islamismo, com 1.300 milhões de seguidores, transformou o mundo árabe com uma mensagem que se mantém bem viva: “Não há outra divindade senão Deus (ár. Allah), e Maomé (ár. Muhammad) é o Seu Profeta”. Conta a história que o anjo Gabriel revelou durante 23 anos uma série de regras a Maomé, que viriam a tomar forma de Livro no Alcorão. Um conjunto de 114 “suras” ou capítulos, com mais de 6.000 versículos. Com os anos esta obra, cujo nome alude à recitação assim efectuada pelo anjo, seria tornada sagrada e considerada de diferentes formas pelos Muçulmanos.

Basta dizer que é impossível recitar o Texto, sem que se seja purificado. O Livro é cuidadosamente envolto em seda ou em tela adornada, e é colocado numa posição elevada. A maior glória dos muçulmanos é a memorização destes textos. Os que o conseguem ganham o título de “Hafiz”.

Acredita-se que, recitando certa maneira, produz milagres. A perfeição da caligrafia com que é escrito pressupõe quase um acto piedoso, e antes de ser transcrito por Zhaid ibn Thabit, esteve presente em folhas de palmeira, ossos planificados de camelo, pedaços de madeira e pergaminho.

Não é possível que o leitor já tenha ouvido falar de um computador ou um carro sagrado, mas sabe (como soube Borges), de livros considerados sagrados. O livro torna-se para muitas sociedades, para além de um monumento à memória, uma manifestação divina de um espírito superior, como o põem em evidência os 56 túneis da montanha de Chiltan, na comunidade de Quetta, no Paquistão, que um grupo de servidores habita ainda hoje, para guardar um cemitério onde subsistem 70.000 bolsas que protegem exemplares danificados do Alcorão. Estes depósitos são chamados de Jabal-E-Noor-Ul-Quran.
E ainda, enquanto Livro Sagrado, o Alcorão toma paradoxalmente outra condição, ao ser um Livro perseguido enquanto símbolo. Os que hoje o queimam sabem o que fazem. Assim como os seus antecessores, tentam provocar o conflito religioso mais feroz do Séc. XXI entre o Ocidente e o Médio Oriente.